Skip to main content
Javier Milei

Javier Milei

| Sally | | 64 comentários em Javier Milei

No último domingo, a Argentina realizou suas eleições primárias, isto é, eleições para definir quem serão os candidatos de cada partido à presidência da república. Contrariando todas as pesquisas, Javier Milei ficou em primeiro lugar, como candidato mais votado. Como a maior parte das pessoas nunca sequer escutou falar sobre ele, resolvemos fazer um texto contando um pouco mais sobre esta pessoa. Desfavor Explica: Javier Milei.

Milei é um economista que ganhou fama participando como comentarista de alguns programas de televisão argentinos. Suas opiniões polêmicas, cheias de certeza e que destoam das de qualquer outro político inicialmente eram vistas com bom humor, mas, com o passar do tempo, passaram a ser vistas como uma opção, o que fez entrar para o mundo da política.

O debate que vejo no Brasil sobre o candidato é sempre focado em suas ideias, seu plano de governo e a forma como escolheram rotulá-lo: “extrema direita”. Porém, existem questões que antecedem esse tipo de debate, que antecedem ideologia, que antecedem qualquer plano de governo que não estão sendo comentadas no Brasil.

Então, vamos falar sobre ambos no texto: o projeto político-econômico de Milei para a Argentina e o lado sombrio do candidato, sobre o qual pouco se fala por aí. Você vai ver que seus projetos não fazem qualquer diferença, qualquer execução de qualquer coisa vinda dessa pessoa tem muito pouca chance de dar certo.

Como eu disse, vejo muita gente classificando o sujeito como “extrema direita” no Brasil, mas acredito que não seja por aí. Milei é, antes de mais nada, um maluco. Seus pensamentos não têm coerência e coesão para serem classificados como de direita ou de esquerda. Ele é “contra tudo isso que tá aí”.

O que sim se pode dizer é que ele é um libertário, ou seja, uma pessoa que acha que a liberdade do indivíduo e a liberdade coletiva devem ter mais peso do que o Estado. Ele acredita que o Estado é ilegítimo, antiético e contraproducente. Ele defende que o Estado não zela pelos interesses do povo, portanto, não tem legitimidade para interferir tanto em suas vidas, muito menos para gerir recursos da melhor forma possível.

Assim, por premissa, o Estado, em qualquer modelo que se adote, será sempre burro, corrupto e ineficiente. A solução? Menos Estado. Em vez de tentar mudar ou melhorar, seu foco é reduzir e tirar poder do Estado.

Então, seu objetivo central (quase tudo que ele defende gira em torno disso) é retirar poder do Estado, o que, convenhamos, dificilmente alguém de extrema direita defenderia. Não é sobre esquerda ou direita, mas isso parece ser complexo demais para que as mentes polarizadas entendam: se não for classificável em uma dessas duas caixinhas, a mente das pessoas dá tela azul.

Milei defende que o Estado não tenha poder sobre a sociedade e que ela se organize em alguma modalidade de governança privada, isto é, que as pessoas criem instituições menores para reger suas realidades em vez de se sujeitarem a regras genéricas, ineficientes e injustas. O Estado ficaria com algumas funções burocráticas, mas sem poder de intervir na vida e escolha das pessoas.

Em tese, talvez isso funcione… na Suíça, onde a população tem um grau de educação, cultura e civilidade que, com sorte, permite que eles possam se reger desta forma. Em um país da América Latina, muito pouco provável que dê certo. Nada contra liberdade, sabemos a bosta que é ter um Estado paternalista que trata o cidadão como criança, mas antes de dar liberdade, antes de dar muita liberdade, é preciso educar, caso contrário as pessoas não saberão se gerir.

E educar é a parte difícil. Isso ninguém quer, pode ou consegue fazer. Pular para a parte final, que deveria ser implementada depois da educação não parece inteligente. Um balão vai voar se você o encher, esse é o princípio, é assim que as coisas funcionam. Só porque um balão pode voar não quer dizer que ele vá voar vazio, ele tem que estar cheio. As propostas de Milei equivalem a jogar um balão vazio do alto de um prédio e esperar que ele voe.

Ele defende, não com estas exatas palavras, que a mudança tem que ser na marra, mesmo sem educação: nunca nenhum político se preocupou em educar o povo e não dá para esperar mais 100 anos até que isso seja feito, provavelmente porque nunca será. Então, ele propõe uma mudança no tranco, ciente de que isso vai causar diversos problemas sociais, mas alegando que é melhor do que continuar como está.

Na parte econômica, o calcanhar de Aquiles da Argentina, Milei diz que pretende controlar a inflação e implementar liberdade econômica. O foco é aumentar o consumo, modernizar a indústria e incentivar exportações. Também pretende cortar verbas para o Estado (corte de gastos, privatizações e redução do funcionalismo público), que ele considera um dinheiro jogado no lixo.

Hoje, a Argentina é um país no qual 55% dos trabalhadores registrados trabalham para o Estado, ou seja, um Estado inchado, oneroso, cabide de emprego.

A maior parte da população, por sua vez, recebe algum auxílio governamental, alguns bastante generosos, por sinal, o que faz com que muitos estrangeiros queiram viver na Argentina, graças a esse auxílio, a uma educação gratuita de qualidade e a saúde pública gratuita de qualidade.

Ou seja, uma pequena parcela de pessoas que efetivamente trabalham sustentam uma grande parcela de funcionários públicos e de pessoas que vivem de auxílio governamental. Isso não é viável em modelo algum: esquerda, direita, acima, abaixo, branco, preto, vermelho ou azul. Mas, assim como no Brasil, esse modelo paternalista é vendido como “se importar com os pobres”. Os peronistas gostam tanto de pobre que fabricaram milhões deles.

Acho ótimo mudar esse quadro, porém, não sei se é saudável, viável ou inteligente radicalizar de uma hora para a outra, como propõe Milei. Seria uma mudança abrupta. De fato, na ponta do lápis, se você cortar gastos do Estado, abolir as medidas antimercado que os peronistas arrombados impuseram ao país por anos e retirar todos os subsídios e benefícios para quem não trabalha, sobra um troquinho para tentar colocar a economia nos trilhos. Mas vai gerar caos. E quando há caos, é muito menos provável que as coisas se acertem.

A ideia dele é conseguir recursos para dolarizar a economia, ou seja, deixar o peso argentino com valor similar ao do dólar (hoje um dólar equivale a 700 pesos e cada dia esse valor aumenta). Ao dolarizar, se torna desnecessário imprimir moeda freneticamente, o que reduz a inflação e se ganham uma série de benefícios no comércio internacional. Mais ou menos o que o Brasil fez com o Plano Real, porém o Brasil tinha recursos financeiros para fazer e sustentar isso. A Argentina não tem. O tamanho do arrocho que seria necessário para que tenha me faz pensar que isso não seja viável, mas eu não sou economista e entendo muito pouco da área.

Existem bons precedentes de pacotes econômicos como este, focados em redução de gastos, liberdade econômica, moeda forte e abertura de mercado. Por exemplo, a Estônia, que na década de 90 estava com uma economia destruída, conseguiu implementar com sucesso este modelo, com crescimento de 800% em seu PIB nas décadas seguintes. Mas, a Estônia não é a Argentina. Na Argentina não está todo mundo a bordo desse barco (pensando no Congresso) e existe muito mais gente dependente do Estado. Outro país, outra cultura, outra realidade.

Se o que Milei propõe der certo, em poucas décadas (20 ou 30 anos) a Argentina será um país rico (e provavelmente todos os outros países vizinhos tentarão fazer o mesmo). Se der errado, ele será guilhotinado em praça pública, a Casa Rosada será incendiada e o fantasma do Maradona será empossado em seu lugar. E muito provavelmente vai dar errado. O que quer que ele faça, vai dar errado, pois vem de um lugar muito bagunçado, muito perturbado e muito maluco.

Agora vejamos os motivos pelos quais eu, em minha humilde opinião, não acredito que Milei seja uma boa opção para a presidência. Nem vou discutir os planos dele ou se o projeto é bom ou não. Quero falar da pessoa. Não adianta um bom plano (que nem é o caso) se quem o executa é um maluco sem noção, certo?

Milei toma suas decisões com base em critérios que eu abomino: desde cartas de tarô a consultas com parapsicólogos, evocando entidades sobrenaturais e mortos para que o auxiliem em suas decisões. Mas calma que piora: nem sempre ele evoca pessoas mortas, ele já evocou, através de um médium, um dos seus cães (Conan) que morreu, para que o animal o guie em suas decisões.

E piora ainda mais: ele sequer tem a adequação de negar isso. Ser maluco de seguir conselhos de um cão morto é uma coisa, mas dizer publicamente que o faz é outro patamar de problema mental.

Quando confrontado sobre esta estratégia duvidosa ele disse “Se o Conan me dá assessoria na política é por ele ser o melhor consultor de todos”. A importância de Conan é tanta que sua irmã fez um “curso” de médium e hoje ela evoca Conan para que eles sejam orientados pelo cão.

Segundo Milei, Conan não morreu, ele apenas desapareceu fisicamente e foi levado ao céu para proteger a Deus. Sim, ele diz que seu cão agora é cão de Deus. Entendem o motivo pelo qual não faz sentido discutir os planos de governo de uma pessoa com esta mentalidade?

Ele é um negacionista científico de mão cheia. Diz que mudanças climáticas são uma farsa, negou a existência do coronavírus, se recusou a tomar vacina e apoia quase todas as teorias da conspiração do momento. Então, além de uma vertente mística-esquizofrênica, a tendência é que ele despreze a ciência em seu governo. Nunca, nenhum país na história recente da humanidade progrediu sem estar de braços dados com a ciência. Por consequência, é contra o aborto (atualmente legalizado na Argentina), mesmo quando a gestação é fruto de um estupro. Quando você não consegue entender cientificamente quando a vida começa, fica realmente confuso se posicionar.

Ele acha que a educação não deve ser pública (pretende privatizá-la em seu governo) e sequer obrigatória, pois não acredita que obrigar alguém a estudar seja um caminho produtivo. Pretende distribuir vouchers, para que, quem quiser estude e quem não quiser que se dane. Diz que não faz sentido o Estado gastar dinheiro com quem não quer aprender e está lá por obrigação.

Agora me diz, que criança ou adolescente vai para escola por prazer? Eu mesma, se não tivesse sido obrigada, teria desistido. É fato que as escolas não educam, que o ensino está defasado, que há inúmeros problemas, mas… o caminho é resolver os problemas e não dizer “não gostou? Não vai”.

É a favor que as pessoas possam vender seus órgãos e dos seus filhos (uma temeridade em um país empobrecido), pois seu corpo pertence a você e o Estado não deve se meter no que você faz com ele. E acha que uma população armada é uma boa saída contra a violência, razão pela qual quer liberar de forma muito nada controlada o porte de armas: venda livre, para quem quiser comprar.

Sua vida pessoal é estranha. Vive com vários cachorros enormes (da raça Mastim Inglês), a quem chama de “sua família” e diz que se for eleito a primeira-dama será sua irmã. Por sinal, dedicou sua vitória aos seus “filhos” (seus cães): Conan (o cão falecido que o orienta através de um médium), Murray, Milton, Robert e Lucas. Veja bem, eu tenho cachorro, eu amo meu cachorro, mas eu tenho a adequação de não me referir a ele como uma criança em público.

Por sinal, ele disse que Conan foi seu “maior e mais verdadeiro amor”. Quando Conan morreu ele se recusou a aceitar o fato e mandou clonar o cão. Mais de uma vez. Ele encomendou a uma empresa dos EUA outro Conan, geneticamente igual, por valor exorbitante, e, segundo conta sua biografia, teria gastado uma fortuna em sucessivas tentativas (50 mil dólares cada uma). Seus outros quatro cães seriam 4 clones de Conan.

Ele criou um super-herói para ele mesmo, chamado ”General Anarco-Capitalista AnCap”, com direito a roupa e tudo (se estiver curioso para ver essa desgraça, clique aqui).

Não contente, apareceu vestido assim em um evento de fãs de anime e otakus, pegou o microfone e se apresentou com super-herói que vem de “Liberland”, contando toda uma fábula tão vergonhosa que, no dia seguinte os organizadores do evento emitiram um comunicado dizendo que ele não foi convidado, que não compactuam com sua orientação político e que isso não vai se repetir.

Sempre foi torcedor do Boca Juniors, mas, por não estar alinhado com os pensamentos do técnico, torceu contra seu time, a favor do River (principal rival do Boca), na final da Libertadores. Eu não sei o que isso representa no Brasil, mas na Argentina, isso equivale a bater na própria mãe. Me diz que tipo de pessoa muda de time em uma final? Não torcer pelo seu time eu até entendo, mas torcer para o rival?

Milei também tem comportamentos questionáveis no trato com mulheres. É hostil, desdenha, é grosseiro. Já disse várias vezes que não vai ficar pedindo perdão por ter pênis e que no seu governo o Ministério da Mulher será extinto. Frequentemente trata mal jornalistas do sexo feminino.

Por fim, seu cabelo. Ele nega de pés juntos que seja uma peruca e diz que o cabelo é assim pois ele nunca o penteia, dizendo ainda que quem fica a cargo de seu cabelo é “a mão invisível” (em uma referência a Adam Smith, se quiser saber mais dá um Google). Optar por não pentear o cabelo e verbalizar isso publicamente sem constrangimento mostra, no mínimo, uma inadequação.

Outro ponto que me chama a atenção é de onde vem todo o discurso dele. Existem diferentes fontes para um mesmo discurso e o discurso dele parece vir de um lugar de desequilíbrio, raiva e loucura. Uma coisa é querer mudanças na economia, outra é pegar um microfone e berrar feito um maluco que quer dinamitar o Banco Central. Não vem de um bom lugar.

É muito claro que a saúde mental de Milei não é lá essas coisas. Ele já falou que é candidato por uma “missão encomendada por Deus”, como se ele fosse um escolhido ou algo do tipo. Disse que Deus falou com ele e lhe pediu que entre na política e que não pare até chegar à presidência, ressaltando que o ajudaria nessa jornada. Também alega ter visto a ressurreição de Cristo três vezes, mas diz não querer entrar em detalhes, pois vão pensar que ele é louco (tarde demais, Milei).

Por sinal, quando era pequeno, recebeu o apelido de “O louco” dos colegas do colégio (que também é o título da sua Biografia, um livro assustador), em função de suas atitudes intempestivas e desequilibradas.

Ele vem de uma infância complicada, na qual sofreu maus tratos físicos e psicológicos em casa, o que fizeram com que fique sem falar com os pais e diga publicamente que, para ele, seus pais estão mortos. Por isso, nem acho justo fazer piada com as muitas incoerências, devaneios e falas insanas. É uma pessoa que, sinceramente, me parece padecer de alguns problemas mentais.

Independente de estar ou não alinhado com a proposta de governo ou com a proposta econômica dele, acho que é necessário antes discutir se é uma pessoa que possui sanidade mental, equilíbrio e maturidade emocional para ocupar um cargo tão importante. As propostas de governo de Milei me preocupam menos do que sua mente perturbada, frágil e instável.

Não é sobre tomar lado, sobre ismos (comunismo, fascismo, capitalismo). É sobre saúde mental. O melhor dos projetos pode ter resultados catastróficos nas mãos de uma pessoa que permite que um cão morto lhe diga o que fazer através de uma médium.

O argentino, assim como fez o Brasileiro em 2017, está votando no desespero: de saco cheio de “tudo isso que está aí”, abraçou a única opção que parece se diferenciar do político padrão. Só que calhou dessa opção ser uma pessoa louca, na concepção médica da palavra, que, por ter muito carisma, está revestido de um manto de excentricidade para disfarçar sua loucura.

Tem até quem perceba que ele não bate bem e ache que para peitar todo esse sistema corrompido tem que ser um maluco mesmo, muito fora da caixinha. E tem ainda quem perceba, saiba que ele não vai mudar nada, mas quer ver o circo pegar fogo, quer que congressista passe perrengue, quer ver caos.

Eu não sei se Milei vai ganhar ou não, mas, já que o brasileiro sofre essa estranha obsessão por focar no país vizinho e dizer o que devem ou não devem fazer (como se o Brasil estivesse ótimo), eu sugiro que vocês comecem a discutir a saúde mental dessa pessoa, já que esse é um requisito mínimo para que qualquer projeto prospere.

Para dizer que é o Bolsonaro de peruca, para dizer que ao menos Milei clona cachorro e não rouba cachorro ou ainda para dizer que todo castigo para argentino é pouco: sally@desfavor.com


Comments (64)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.

Relatório de erros de ortografia

O texto a seguir será enviado para nossos editores: