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Pronomes criminosos.

Pronomes criminosos.

| Desfavor | | 14 comentários em Pronomes criminosos.

Após polemicas recentes com a mudança de regras do Twitter, sob o comando de Elon Musk, permitindo que usuários errem intencionalmente os pronomes de pessoas transgêneros – além de utilizar de seus nomes mortos -, pesquisa mostra que 44% dos jovens nos Estados Unidos acreditam que atitude deveria ser crime. Um estudo divulgado pela Newsweek com pessoas consideradas Millennials (Geração Y), entre 25 e 34 anos, acreditam que o ato de “se referir a alguém pelo pronome de gênero errado deve ser uma ofensa criminosa”. LINK


Crime. Essa gente quer que seja… crime. Desfavor da semana.

SALLY

Uma pesquisa indicou que 44% dos Millennials (pessoas nascidas entre a década de 80 e 90) acreditam que errar pronomes de forma intencional deveria ser crime. Sim, isso mesmo que você leu: crime.

A pesquisa foi realizada nos EUA, ou seja, se aplica perfeitamente ao Brasil, que parece ter apenas a cultura americana como referência. Ou seja, se esse raciocínio equivocado ainda não chegou ao Brasil, é questão de tempo até chegar.

Se fosse algo vindo do jovem, nem seria tema hoje, afinal, o jovem é um retardado mental por excelência e nós desconsideramos completamente tudo que ele faz. Mas não são jovens. Pessoas nascidas na década de 80/90 já tem idade suficiente para ter mais discernimento e ser menos chiliquentos.

Mas, ao que tudo indica, não. Parece que o desenvolvimento mental parou na adolescência. Quão mimada tem que ser a sua visão de mundo para querer que errar um pronome se torne crime?

Já falamos sobre isso em outros textos, mas é necessário voltar a falar no assunto: criminalizar uma conduta não a faz desaparecer. Tá aí o Brasil, campeão absoluto em estupros e violência contra a mulher, mesmo cheio de lei proibindo. Criar lei não resolve, criar lei não educa. Lei é punição, não surte efeito algum punir antes de educar, é pura infantilidade revanchista.

Além disso, criminalizar uma conduta significa gastos públicos. Com processo, com defensor público, com presídio e muitas outras coisas. É dinheiro que poderia ir para educação ou infraestrutura mas acaba caindo em um buraco sem fim chamado “sistema penitenciário”, uma máquina de fabricar psicopatas que só piora a sociedade.

Por fim, o fato de uma pessoa se sentir homem/mulher/golfinho, não me obriga a tratá-la como homem/mulher/golfinho. Percebam o buraco no qual estão se enfiando: se uma pessoa trans-espécie, que se sente um cachorro ou um lobo, te processar criminalmente por dizer que é um ser humano, será justo?

A ideia de criminalizar quem erra pronome é absurda, desconectada da realidade, histérica e mimizenta. Além de todos os argumentos racionais que já debatemos aqui no Desfavor ao longo dos anos sobre a total ineficácia da criminalização de uma conduta, tem um argumento muito mais simples: você não é assim tão importante. Saiba lidar com quem te escrotiza sem precisar chamar o Papai Estado para se meter e te defender, você é um adulto, porra!

Não é possível que o mundo tenha que se adaptar e criar infinitas normas para não aborrecer minorias. Não é viável. Simplesmente não vai funcionar e ainda vai custar caríssimo aos cofres públicos. Você é responsável por sua autoestima, por sua saúde mental e por seu autoconceito. Se o que um estranho diz desestabiliza qualquer um deles, a solução não é punir o estranho e sim procurar ajuda para se tornar uma pessoa mais forte e mentalmente saudável.

Estamos criando atrofiados emocionais incapazes de lidar com críticas e até mesmo ataques. Sim, ataques fazem parte da vida. Já escrevemos um texto sobre os Millenials e o problema que vai ser quando a Geração X morrer e o mundo ficar nas mãos deles. É simplesmente absurdo pretender aval do Estado para mitigar seu faniquito. Uma pessoa te chamou pelo pronome errado? E DAÍ? As coisas têm a importância que você escolhe dar a elas.

Metade dos brasileiros caga no chão, passa fome e/ou sofre os mais diferentes tipos de violência física e sexual sistematicamente. Sério que alguém acha que cabe criminalização por chamar pelo pronome errado? Os EUA são um país mentalmente doente (e fisicamente também, bando de obesos que comem mal) no qual toda semana tem maluco dando tiro em escola, sério que o grande problema é o pronome?

Pela milésima vez: lidar com hostilidade alheia faz parte da vida adulta. Não é possível erradicar a hostilidade do mundo, o ser humano escrotiza o próximo e isso não vai mudar tão cedo, muito menos na base da lei. Se lei impedisse algo, ninguém matava ninguém, ninguém estuprava ninguém, ninguém roubava ninguém. Se não conseguimos impedir crimes mais graves, quem dirá algo menor. Ainda mais quando se tem um Judiciário ineficiente e abarrotado.

Lidem com isso: na vida adulta eventualmente todos nós seremos escrotizados, hostilizados e afrontados por mais de uma pessoa. E a forma saudável de lidar com isso é não dando importância ao que essas pessoas dizem, pensam ou falam e não tentando impor o seu querer, o seu desejo de um mundo ideal, a projeção do que te traria bem-estar. Não vai acontecer. Não importa quantas leis se criem. Adulto mentalmente forte e saudável consegue seu bem-estar internamente, o que quer que esteja acontecendo no seu exterior.

Não existe vida adulta sem ter que lidar com opiniões escrotas de terceiros, provocações e até algum grau de falta de respeito. Somos seres humanos, seres humanos são assim. Tomara que evoluam e se tornem melhores, mas não parece ser algo que vá acontecer nos próximos cem anos. As coisas são como elas são, não como nós gostaríamos que elas fossem – e criar lei para tentar transformá-las no que gostaríamos que elas fossem é de uma burrice abissal.

A realidade é que pessoas que erram os pronomes de propósito continuarão a existir, com ou sem lei – e elas são o menor dos problemas atualmente. E se a lei coibir isso, o que eu acho muito difícil, essas pessoas encontrarão outra forma de hostilizar. Daí vão os Millenials e demandam uma lei que proíba essa outra forma e os escrotos inventam uma terceira forma de perturbar. É isso, é passar uma vida enxugando gelo, se aborrecendo, se ofendendo e judicializando questões que nem deveriam ser um incômodo.

Francamente, como pode uma pessoa com 30 anos na cara se incomodar com o pronome que fulaninho usou para se referir a ela? Essa pessoa tem a cabeça mais fodida do que o idiota que a provoca. Como pode alguém dar tanto poder a um desconhecido se deixando alterar, chatear e ofender por aquilo que ele diz?

Olha… eu faço um esforço enorme para não gostar do Elon Musk, pois um babaca imbecil, mas quando vejo uma coisa dessas meu coraçãozinho reserva um lugar para ele e para o Twitter, que, por ordem dele, permite expressamente que se erre intencionalmente os pronomes. Não vai ficar um chorão por ali. Nunca vou perdoar esses Millennials imbecilóides por me fazerem sentir algum tipo de afeto pelo Elão!

Realidade chamando Millennials! Se você se incomoda com o que estranhos dizem, o problema é você, não os estranhos. Você, adultinho, trabalhe sua mente para estar bem, não importa qual seja seu entorno. A solução está dentro, não fora.

Para dizer que eu sou transfóbica (sou faniquitofóbica), para dizer que só vai ser feliz quando o mundo todo se adequar a aquilo que você acha certo ou ainda para dizer que tarja preta em breve será o medicamento mais vendido no mundo: sally@desfavor.com

SOMIR

Vamos falar de fascismo? Talvez seja relevante nessa análise.

Se você, assim como eu, não consegue definir muito bem o que é esse fascismo tão usado por aí como descrição de ideias, movimentos e pessoas, não se preocupe: não existe uma definição universal. O fascismo é várias coisas diferentes para várias pessoas diferentes. Eu até diria que o verdadeiro fascismo foram os inimigos que fizemos no caminho.

O próprio Mussolini, ditador italiano que é considerado o primeiro grande líder do movimento, não respeitava muito a diferença entre direita e esquerda. No começo, rejeitava o comunismo e prezava valores mais conservadores. Mas, depois que foi deposto pelos italianos durante a Segunda Guerra Mundial e foi reconduzido ao poder como fantoche dos nazistas, ficou bem mais raivoso com as elites e simpático à causa do proletariado.

Apesar de muitos valores considerados de direita fazerem parte do “mito fascista”, na prática a única coisa realmente consistente no movimento foi o autoritarismo: com a figura de um líder poderoso inquestionável e repressão por todos os meios possíveis à dissidência. O fascismo prega que precisamos de uma mão forte nos guiando. Mas não é a mão forte divina do totalitarismo ancestral de reis e imperadores, é uma corrupção da ideia de dar poder ao povo: em tese, o fascismo também se vende como a vontade da maioria, mas rejeita métodos democráticos de fazer essa vontade valer.

“Quer dizer que fascismo é de esquerda?”

Não, tiozão do Zap, fascismo não é de esquerda, nazismo (uma versão hardcore do fascismo) também não é. Mas também não é sinônimo de direita e conservadorismo religioso. Fascismo é o que precisa ser de acordo com o povo que quer controlar. É sobre poder. Sempre foi. As pessoas cismaram tanto com esquerda e direita desde o começo do século passado que esqueceram a disputa mais relevante do espectro político: liberalismo e autoritarismo.

Fascismo pode existir em qualquer lado da esquerda e da direita, até porque se você for olhar o comunismo com uma lupa, vai ver muitas semelhanças. Dependendo de onde você for se informar sobre o fascismo, vai ver algo incomodamente parecido com ditadura do proletariado. E essas semelhanças não são sobre ideais de direita ou esquerda, são sobre decisões de quanto o Estado vai interferir na vida do cidadão.

O ditador fascista e o ditador comunista se encontram nos extremos do autoritarismo. Os dois vêm da mesma ideia renovada de mundo pós Primeira Guerra Mundial: ao invés de lutar (forçados) por reis, dinheiro ou pela sobrevivência imediata da sua vila, o povo lutava pelo ideal de uma nação unida. Do outro lado vive a anarquia e o libertarianismo, sem Estado para controlar ninguém. Cada um faz o que quiser e que arque com as consequências.

O eixo entre anarquia e ditadura não deixa de ser uma graduação de desordem para ordem. Muita gente se sente mais confortável sabendo que existe ordem no mundo, que temos regras e que alguém vai nos premiar ou punir por viver de acordo com elas. Não é à toa que tanta gente gosta de ir para o lado do autoritarismo, é o total inverso da lei da selva. Se o ditador da vez não estiver te atacando, a paz de ter regras bem claras que todo mundo tem que seguir vale a pena para muita gente.

Pessoas gostam de líderes fortes, pode ser uma figura carismática, um déspota poderoso ou mesmo a ideia de um Estado-babá. Eu não sou uma delas. Não sou do time libertário, mas entendo que Estado precisa de muitos limites no poder que tem, o mínimo possível para proteger os mais fracos e guiar os mais fortes. Passou disso, o autoritarismo vai se instalando e afundando a evolução social humana.

Tudo isso para dizer meu comentário sobre a notícia desta semana: eu não gosto dessa ideia fascista de criminalizar erro de pronome. Mesmo o proposital. Eu acho que o comportamento é no mínimo infantil, mas convidar o Estado para entrar no meio da sua conversa (afinal, isso que é criminalizar) é um caminho direto para o autoritarismo. É a ideia de que uma sociedade inteira precisa pensar de forma parecida em busca de um “cidadão ideal” moldado por uma mão forte no poder.

O fascismo usa simbologia de união e violência: é a vontade da maioria aplicada com a força. Vivemos em países cujo monopólio da força está com o Estado, então toda vez que você criminaliza uma coisa, dá direito aos seus líderes de aplicar violência para controlar seu comportamento. Tudo bem que não é discurso da direita defender violentamente transexuais, mas esse método de usar a força do Estado para definir como pessoas devem conviver nos menores detalhes é a cara do fascismo.

Até por isso que eu digo que tanto faz o símbolo impresso na bota, eu não quero lamber nenhuma. Se você se distrair com as discussões de costumes da direita e da esquerda, pode não perceber como muita gente só quer um líder poderoso para forçar todo mundo a pensar como ela. E cada cessão de poder para esse tipo de mentalidade é mais um passo rumo ao abismo do poder absoluto na mão de poucos. Só muda quem tem a ilusão de poder: esquerda ou direita. Em Estados totalitários, todo mundo é vítima. Sim, pode ser que eventualmente você goste da lei arbitrária de comportamento criada pelo déspota da vez, mas uma hora ou outra a coisa se volta contra você. Uma hora ou outra um fanático mais fanático que você criminaliza algo que você sabe que não deveria ser, mas aí é tarde demais.

O mundo não sabe o que fazer com a liberdade conquistada nos últimos séculos, as pessoas parecem estar assustadas com a responsabilidade e dispostas a entregar o poder de volta para reis e imperadores, desde, é claro, que eles usem a fantasia preferida deles.

Eu prefiro ser antifascista de verdade.

Para dizer que fascismo é o novo nazismo (era o velho), para dizer que um dia esse texto vai ser crime, ou mesmo para dizer que prefere um símbolo do que outro na bota que vai lamber: somir@desfavor.com


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