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O novo velho nerd.

O novo velho nerd.

| Somir | | 8 comentários em O novo velho nerd.

Caso vocês tenham esquecido, estamos na Semana Nerd. E por isso, eu resolvi analisar a mudança na figura do nerd nessas últimas décadas. O nerd se tornou pop? Agora é algo desejável na sociedade? Há controvérsias.

Novamente, precisamos definir o que é o nerd. No começo da semana eu falei sobre a característica definidora do hiperfoco, ou seja, a capacidade de se concentrar num tema interessante de forma obsessiva. Nem sempre isso ajuda a humanidade: alguns se importam com a cura do câncer, outros com a gramática do élfico. Não é a mesma coisa que ser estudioso, porque ser estudioso é pensar de fora para dentro: a pessoa precisa de uma informação, vai buscar. O hiperfoco é de dentro para fora: a pessoa cisma com uma coisa e ignora as funções práticas desse conhecimento.

É por isso que eu sou bem cético sobre essa suposta popularidade do nerd na cultura atual: uma coisa é se interessar por assuntos que nerds se interessaram primeiro, outra completamente diferente é ser nerd. Sim, hoje temos gente vestindo a fantasia de nerd, dizendo que gostam de todas as coisas que estavam relacionadas com eles nas últimas décadas, mas quase todos exibem características mais normais na questão social.

A e-girl que joga videogame na live está bebendo de fontes nerds, mas ainda tem objetivos muito mais práticos: ganhar a vida e formar uma base de fãs que vão alimentar seu ego. Eu não tenho essa raivinha incel de mulher que se veste de nerd para ser popular, que fique claro. Acho que elas são espertas e estão simplesmente ocupando um nicho de mercado. Qualquer coisa errada que venha a partir disso depende da pessoa, é personalíssimo.

Sim, muita coisa que era considerada nerd algumas décadas atrás ficou popular: filmes de heróis de quadrinhos bateram recordes atrás de recordes de bilheteria. Videogames são uma indústria gigantesca, todo mundo vive grudado em computadores (especialmente os portáteis), muito do contato entre pessoas hoje acontece virtualmente.

Mas isso é a norma da humanidade. Não é mais uma nova fronteira que só gente muito obcecada por informação está buscando. O cidadão que transa com uma mulher diferente por dia no Tinder está vivendo diante de uma tela numa proporção que destruiria a imagem de qualquer pessoa vinte anos atrás. Não é mais nerdice viver em função de computadores e ter interesses muito virtuais, é… normal.

É por isso que eu digo que o nerd não mudou. O nerd não se tornou popular ou perdeu o estigma, ele continua escondido. Se você não tem esse tipo de hiperfoco maluco e uma tendência de isolamento, não está vendo os nerds atuais. Evidente que não são os nerds que estão no topo do mundo agora, eles não tem interesse nessa história de ganhar muito dinheiro e serem idolatrados, não porque são humildes ou algo do tipo, mas porque isso não combina com suas agendas. Alguns nerds ganham dinheiro e fama, mas raramente buscam mais.

Bill Gates não era nerd. Steve Jobs não era nerd. Elon Musk e Mark Zuckerberg não são (mais) nerds. Eles são pessoas que coabitaram o mundo dos nerds e tiraram um valor incrível deles. Novamente, sem raivinha elitista: tem gente que sabe fazer dinheiro, tem gente que não sabe. A melhor coisa para um nerd raiz é ter uma dessas pessoas por perto para transformar seus interesses em valor da vida real. Esses bilionários ajudaram muitos nerds a viverem vidas muito mais felizes do que poderiam fazer por conta própria.

A minha teoria sobre o “nerd real” é que ele é uma pessoa com interesses um pouco à frente da média da humanidade. O que o faz parecer estranho para seus pares por uma boa parte da sua vida, mas que eventualmente vira a norma dos gostos do cidadão comum. Eu era maluco por computadores num tempo em que pouca gente tinha um em casa, e depois a mesma coisa com a internet. Se eu nascesse uns 20 anos depois, seria indiferenciável da média.

O nerd do século XX que virou o mundo de ponta cabeça queria conversar com alguém sem se expor, por causa de seus interesses malucos e sua dificuldade de socializar normalmente. Esse nerd criou o nosso mundo moderno: o nerd finalmente achou um jeito de mecanizar a comunicação. O problema é que ele não gostou das pessoas que encontrou.

Quanto mais a internet se populariza, mais pessoas “normais” inundam a rede com seus interesses e desejos básicos. Nem mesmo a pessoa falando sobre filme de herói na rede social não é a turma dele. É tudo muito raso, diria até que saudável demais. Não tem graça até você ver uma pessoa que passou meses compilando todas as raças alienígenas num universo imaginário… e esse não é o interesse de 99% da humanidade. Provavelmente nunca vai ser.

O nerd da antiguidade estava pirado querendo saber sobre o funcionamento da física, química e biologia; o nerd do século XX sentiu algo o chamando em relação à tecnologia dos computadores… o nerd de hoje está olhando para outra coisa. E você só começou a ouvir sobre ela há poucos meses. Sim, o nerd atual está na Inteligência Aritificial. Você está vendo o topo do iceberg.

E eu não estou falando sobre pesquisas e tecnologias especiais sendo construídas por eles (não só isso), eu estou falando sobre viver a IA como as pessoas provavelmente vão viver daqui a algumas décadas. Os nerds atuais estão escondidos conversando com robôs, tentando melhorar eles das mais diversas formas para resolver seu desejo primordial por comunicação e socialização. Estão entendendo a IA de uma forma diferente que você que usa o ChatGPT para escrever um e-mail entende.

Você não está vendo o nerd, porque você precisa ir muito mais fundo para encontrá-los. Provavelmente os próximos bilionários serão pessoas que calharam de estar por perto de alguns deles, pessoas que consigam transformar IA em dinheiro. Se você disser que gosta de séries, filmes e livros que são considerados nerds, provavelmente nem chama atenção deles, porque o que vale como interesse nerd muda no momento que um deles se torna popular. É um trabalho que o nerd faz: ele mastiga conhecimento para tornar mais palatável para o povão. Depois que está mastigado, o hiperfoco não tem mais muito no que se prender.

A área de Inteligência Artificial é o campo perfeito para obsessões nerds no momento: ainda tem muito o que mastigar, o nerd percebeu que pode criar uma nova forma de vida que finalmente vai viver em sua função e não cobrar socialização em troca. É claro que ele está lá, olhando para cada zero e um dos códigos, aprendendo mil formas diferentes de interagir para gerar novos resultados.

O nerd atual é alguém que você, ser humano mais bem ajustado, trataria como alguém doente da cabeça. É alguém que não está no seu radar e provavelmente só vai estar quando a tecnologia que eles estão vendo agora se tornar parte normal da vida. Eu não estou prevendo que você vai interagir mais com IAs do que com pessoas, eu estou prevendo quando isso vai acontecer. Eu não duvido nem que o nerd do futuro SEJA a Inteligência Artificial.

Os nerds já decidiram, o mundo está indo nessa direção. O nerd do século XX já é cultura popular, tudo o que eles faziam está bem definido na mente do cidadão atual. Agora é hora das pessoas normais tocarem esse tipo de interesse e tecnologia, os nerds já estão na próxima iteração do processo. Se você tem um filho ou sobrinho que vive no celular o dia todo, não é um nerd, é uma pessoa normal que vai ter vantagens e desvantagens parecidas com pessoas da mesma idade.

O nerd, que por definição você não vê ou no máximo vê como alguém estranho, esse está cozinhando a nova era da humanidade. Não porque eles definem os rumos da sociedade, mas porque o nerd tem tendência em ir na direção do que mais vai satisfazer esse hiperfoco obsessivo. Depois de um tempo, com todo o trabalho deles em cima do tema, fica mais acessível e se torna regra na humanidade.

O nerd não mudou, eu até acho que nunca mudou: sempre foi alguém fora de moda, e com o passar dos anos alguns deles acabam revistos como gênios inovadores. Nos anos 80, Bill Gates era um nerd, nos anos 90, o conquistador cruel da tecnologia, nas últimas décadas é o líder dos reptilianos ou dos illuminati (talvez ambos). O mundo mudou ao redor dele e ele deixou de ser reconhecido como nerd.

É sobre gerações e interesses que se acumulam com nossa evolução tecnológica. Quando Inteligência Artificial for parte integrante e inescapável da vida do ser humano médio, os nerds já vão estar hiperfocando em outra coisa, e se você não tiver conhecimento específico, não vai enxergá-los de novo, e de novo, e de novo…

Gente fantasiada de nerd é gente normal explorando um mercado. Nerd que é nerd por definição é difícil de enxergar.

Para dizer que não sabe mais se é nerd, para dizer que preferia mais Pilha, ou mesmo para dizer que nunca que imitação de ser humano vai ser mais popular que ser humano: somir@desfavor.com


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