
Plantão Desfavor – DESFCON RÚSSIA
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24/06/2023 – 14:30
SOMIR
Rebelião no exército russo. Ainda não sabemos se o bicho vai pegar ao ponto de mudar o número do DESFCON, mas que vale o plantão, vale sim. Se tivermos novidades, tanto eu quanto a Sally podemos entrar aqui e atualizar o conteúdo.
Precisamos estabelecer o acontecido primeiro, e ao invés de repetir a forma como a imprensa tradicional está cobrindo o ocorrido, segue aqui uma versão Tecla SAP:
Desde que guerras são guerras, mercenários são uma parte importante do processo. No mundo antigo, basicamente todo exército era mercenário. Com o advento de nações e senso de patriotismo (algo bem mais recente do que a gente imagina), os exércitos começaram a se profissionalizar e usar muita propaganda para dar um ar de legitimidade à carnificina.
No século passado, dada a escala gigantesca das duas grandes guerras, houve muito investimento em criar exércitos baseados em ideais, porque não dava mais para pagar tanta gente para lutar da forma mercenária, como era de costume até então. Idealismo foi uma medida de redução de custos militares.
Mas quando a Guerra Fria acabou, o mundo voltou para uma era de guerras menores. E em guerras menores, começa a ficar mais interessante ter grupos de mercenários. Explico: existem tratados sobre o que os países podem ou não podem fazer durante guerras. Quem quebra esses tratados corre o risco de ser atacado de forma muito violenta pelas grandes potências militares, sem contar a mancha na imagem dos políticos que declaram essas guerras.
Ninguém quer um soldado do seu país sendo pego estuprando e torturando por aí. Pega mal. Mas se os países contratarem mercenários, podem fazer coisas terríveis com os adversários sem lidar com esse impacto negativo na imagem. Americanos e russos fazem isso. Ambos tem grupos mercenários que cometem atrocidades em território estrangeiro sem chamar atenção para seus governos. Se ficar muito feio, o político da vez pode dizer que foi culpa dos mercenários e nunca mandou eles fazerem aquilo.
É isso que o grupo Wagner faz para a Rússia: o serviço mais sujo. Tanto que esses mercenários fazem seu recrutamento nas cadeias russas. Faz parte do esquema: eles fazem o que generais oficiais não podem ser vistos pedindo para fazer e o fazem com gente que se morrer não vai gerar comoção no país. Pouca gente vai chorar por criminosos mortos numa guerra.
O que deu errado?
Evgeny Prigozhin, o líder do grupo Wagner, não é um mercenário qualquer. Ele é um agente do caos que saiu da cadeia por roubo para vender cachorro-quente, virou chefe de uma rede de restaurantes que servia Putin, e conseguiu apoio oficial para criar um grupo de mercenários muito eficientes a serviço do Kremlin.
Prigozhin não é só um chefe, ele é um maluco carismático com uma história de vida impressionante. Os mercenários sob seu controle não são ex-militares como nos grupos americanos, são criminosos que tiveram suas penas trocadas por lutar na fronte de guerras sanguinárias. Gente que está fora das regras de convenções de direitos humanos, gente que faz basicamente o que quiser com o inimigo e não tem limites.
O grupo Wagner foi muito eficiente em fazer serviços sujos para Putin, foram eles que defenderam o regime de seu amigo Assad na Síria. São eles que estão enfrentando a parte mais brutal da guerra na Ucrânia, indo para a linha de frente para tomar tiro e não podendo recuar porque os próprios aliados vão atirar neles.
A fama e o poder de Prigozhin provavelmente começaram a irritar outros grandes líderes militares russos, por mais maluco que o líder do grupo Wagner seja, não é insanidade acreditar que o ministro da Defesa russo está tentando sabotar o Prigozhin.
Agora, dito isso: o grupo Wagner é incômodo, mas não é suficiente para ameaçar o regime russo. Isso só funciona se ele conseguir suporte de uma parte grande do exército oficial. Eu não apostaria nisso. Eu vejo Prigozhin como um Pilha russo, com episódios de insanidade e carisma para continuar vivo depois de se arriscar dessa forma.
Se o motim do grupo Wagner ganhar suporte do exército tradicional, podemos ver o DESFCON subir para 2 e uma ameaça real de bombas atômicas, mas se não avançar muito além dessas provocações, provavelmente foi só um draminha para conseguir mais munição e dar uma cutucada de volta no ministro da Defesa.
Claro, os adversários de Putin tem o péssimo hábito de tropeçar e cair em cima de seringas envenenadas… veremos.
25/06/2023 – 13:30
Terceira Guerra Mundial não vai acontecer porque ninguém quer governar destroços e pilhas de corpos.
Parece que a rebelião deles não deu em nada mesmo.
Ainda bem…
Minha posição continua firme que enquanto estivermos apenas na ofensiva Rússia x Ucrânia, devemos continuar no 3 sem risco sério de mudança no cenário, independentemente de ser para melhor ou para pior, mas caso a China, que vem adiando uma eventual ofensiva mirando em Taipei, vier a partir para a mesma, vai do 3 direto pro 1 e aí, bem… Terceira Guerra Mundial e não conte com certeza que a turma da OTAN vá levar a melhor.
Meu palpite é que isso deva continuar como uma guerra regional se arrastando por anos a fio, sendo desgaste para russos e principalmente para ucranianos. Sei que a turma da OTAN dá apoio apenas pontual a Ucrânia por medo de eventuais crimes de guerra caírem nas costas dos mesmos.
A valência que pode afetar em definitivo o status quo atual é a posição chinesa, que é o fiel da balança no atual momento.
Os batalhões penais soviéticos são talvez a origem deste método de recrutamento, muito embora na época existiam muitos presos políticos nas fileiras.
Mais recentemente, a reputação de terrorismo destes soldados contratados ficou famosa na Chechênia.
Quem poderia imaginar que era feijoada?
Fica a dica: sempre que vocês lerem alguma notícia muito bombástica anunciando uma implosão russa sendo divulgada simultaneamente em canais tipo Globo, CNN, abc e similares, esperem pelo menos um dia antes de passarem pra frente, porque é sempre feijoada. Lembro que com menos de um mês de guerra nossa grande e maravilhosa imprensa noticiou esse tipo de pérola:
https://veja.abril.com.br/mundo/municao-e-alimentos-da-russia-nao-durarao-mais-que-3-dias-diz-ucrania
Então sempre fiquem com um pé atrás. Quase tudo que sai dessas fontes, sobre esse assunto, não é jornalismo e sim propaganda.
Então… não era feijoada, era algo sério. Ninguém derruba helicóptero, invade cidade, faz comunicado detonando e desmentindo um dos maiores ditadores do mundo por encenação. Houve um estresse sério. Foi abortado, não se sabe bem como, mas isso não quer dizer que não tenha sido real.
Fiquei um pouco decepcionada quando o Prigozhin arregou. Ele estava brigando com o ministério da defesa russo há meses e sinalizando que queria conversar com o Ocidente para parar a guerra, muita gente leu isso como uma preparação para dar um golpe e assumir o lugar do Putin. Eu mesma imaginei que talvez ele estivesse criando oportunidades pra famigerada contraofensiva ucraniana.
O perfil de mortes de soldados russos no conflito mudou. Se morriam muitos soldados profissionais e de alta patente antes do grupo Wagner entrar, nos últimos meses eles foram menos de 5%. Os mercenários estão mesmo sendo tratados como alvos descartáveis para cansar os ucranianos e são praticamente a totalidade dos mortos, feridos e desaparecidos. Soldados desertores do exército oficial dão conta de que o clima está muito ruim, a moral russa está muito baixa e ninguém acredita mais em nada que o governo promete. E embora a mídia não diga, acredito que o exército ucraniano não deva estar muito melhor. Como ficou estabelecido que os mercenários rebelados serão incorporados ao exército e o Prigozhin vai se mudar para Belarus, isso não deve mudar no curto prazo.
Há outros mercenários e opositores do regime, fora os “reservas” que estão fugindo do país aos milhões. Não dá para fazer previsões certas ainda, mas o risco da Rússia mergulhar no caos é bem grande.
Paula, eu também tenho um instinto de querer ver sempre o circo pegando fogo, mas, se a gente pensar bem, queremos ver Prigozhin de posse de um armamento nuclear?
Fiquei pensativa e decidi pesquisar mais um pouco. De um lado temos um maníaco homicida com um exército de sádicos e que já tem muito mais poder do que deveria. Do outro, temos um maníaco homicida com um ego muito frágil, que já tem controle do arsenal nuclear mas se encontra enfraquecido e humilhado. Os dois são um pesadelo, mas qual deles deve oferecer mais risco à humanidade é uma questão bem difícil de responder.
Isso tem um pouco de análise com base nos meus anos de estudo sobre o jeito do Putin de governar, alguns rumores que variam bastante em termos de credibilidade e um pouco de achismo sobre como funciona a cabeça de ambos:
Em termos de risco imediato e urgente, Putin talvez seja mais propenso a usar armas nucleares. A questão de tomar territórios ucranianos e sair como conquistador (ao menos dentro da mente perturbada dele) é pessoal. Ele passou anos se preparando para invadir, adotou medidas muito extremas, apressadas e irreversíveis para isso. Agora, está isolado e enfraquecido. Nem mesmo os asseclas mais próximos tem muito acesso a pessoa dele mais. Familiares e pessoas a quem tem apego emocional (beijo na Kabaeva e nos filhos dele) estão em um bunker. Ele sabe que o exército russo “oficial” está de saco cheio, os soldados se sentem enganados e não têm mais fé alguma nas promessas do governo. Quem tem oportunidade acaba desertando e pedindo asilo em lugares como a Estônia.
Rumores de guerra não são muito confiáveis, principalmente quando vem de lugares como Rússia e Ucrânia, mas vamos a eles: Putin está deprimido e desesperado para que a narrativa do Ocidente russofóbico não caia por terra. Num dia, ele diz publicamente que se recorrer ao arsenal nuclear vai usar só as armas táticas, que têm um alcance pequeno, porque não precisa ameaçar o resto do mundo. No outro, os rumores (esses vieram de dentro da Ucrânia) dão conta que há soldados russos preparando explosivos perto da usina de Zaporizhzhia. Com a humilhação sofrida neste fim de semana, acho possível que ele tente. Não quer dizer que vá conseguir, porque tem um outro rumor, este mais forte, que os generais responsáveis pelo arsenal vão assassiná-lo se ele tentar. E outros boatos dão conta de que rolou uma ajudinha chinesa para parar a rebelião, embora não se saiba que tipo de ajuda. Vamos torcer para não ter a ver com Taiwan, se é que é verdade.
Então temos Prigozhin. Não temos tantos insights sobre a personalidade dele, mas ele não parece estar tão desesperado assim. Já deve ser um dos homens mais ricos e poderosos do mundo, teve poder suficiente para humilhar Putin, que é um dos políticos com ego mais frágil que existe, e sair vivo. Apesar do chilique ter começado por causa da Ucrânia, a causa em si não é pessoal para ele. Muito pelo contrário, a Ucrânia provavelmente deve estar dando prejuízo ao Wagner. Quando a briga com Shoigu ainda era só verbal, Prigozhin falou publicamente que estava na hora de negociar o fim do conflito com o Ocidente.
Lutar nos lugares que o mundo ignora e que estão cheios de ouro é bem mais lucrativo, com o bônus da facilidade em recrutar os próprios locais.
Nos estudos de Geopolítica e Segurança Internacional, há um consenso de que grupos terroristas são as entidades mais racionais da Arena Internacional. Eles querem causar terror e agem de maneira que causa terror, de forma pragmática. O comportamento do Grupo Wagner não é propriamente o comportamento dos terroristas que querem tomar o poder em algum lugar para impor um ideal, mas é um comportamento terrorista porque visa espalhar o medo e tem bastante sucesso nisso. Por estas razões, acho que Prigozhin está com a mente mais clara e é menos propenso a apelar para armas nucleares, ao menos no que diz respeito a questão ucraniana. Como você explicou tão bem no texto sobre o Grupo Wagner, os métodos e objetivos dele são diferentes. É como se Prigozhin fosse um risco de longo prazo e Putin fosse um risco mais imprevisível, os dois igualmente difíceis de controlar.
Cenário ideal seria se reconhecessem o risco que essa instabilidade causa ao mundo inteiro e entregassem o arsenal nuclear para que fosse destruído. Se não me engano, a ditadura do Assad fez isso durante a Primavera Árabe justamente para evitar que os rebeldes tomassem posse de algo tão perigoso. Infelizmente, isso não tem a menor chance de acontecer…
Uau! Muito obrigada por tantas informações interessantes!
Pergunta de pessoa ignorante no assunto: Zaporizhzhia tem seis reatores nucleares, se efetivamente explodissem a usina, isso não acabaria com a Rússia também?
Pelo menos antigamente os nobres, lordes, duques e os caralhos participavam das guerras. Muita babaquice chefes de estado e seus agregados ficarem no ar condicionado decidindo o destino dos outros, como deuses.
Ou seja, vamos ter que acordar cedo e ir trabalhar na segunda.