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Mais censura do bem.

Mais censura do bem.

| Desfavor | | 6 comentários em Mais censura do bem.

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes determinou nesta quarta-feira (10) que o Telegram apague a mensagem enviada aos usuários nesta terça (9) com críticas ao projeto de lei das fake news, em tramitação no Congresso Nacional. Se a decisão for descumprida, Moraes determina na mesma decisão a suspensão do aplicativo Telegram em todo o território nacional por 72 horas. LINK


Para combater a acusação de censura e autoritarismo, o STF mandou o Telegram parar de expressar sua opinião e colocar uma escrita por eles no lugar. Desfavor da Semana.

SALLY

Vamos fazer um exercício? Leia cada frase deste texto comparando a aceitação que o ato teria se fosse Bolsonaro na presidência, ao invés de Lula. Certamente se tudo o que aconteceu esta semana partisse do Bolsonaro, boa parte das pessoas estaria dando um piti sobre democracia ameaçada.

“Mas Sally, Bolsonaro é um golpista”. Não interessa, ataque à democracia é ataque à democracia, não importa o perfil de quem o faz. Se um superdemocrata atacar a democracia é igualmente grave. Não é sobre quem faz e sim sobre o que se faz.

O que aconteceu esta semana são coisas que ninguém pode fazer. Não é sobre a pessoa que o faz é sobre os atos: não podem ser feitos, nem por você, nem pelo Lula, nem pelo Bolsonaro, nem pelo Papa.

O Telegram (primo feio do WhatsApp) publicou uma mensagem criticando o Projeto de Lei 2630 (“PL das Fake News”) expressando sua opinião sobre o projeto, dizendo que, entre outras coisas, ele “concede poderes de censura ao governo”, “cria um sistema de vigilância permanente” e “é desnecessário“.

Não tenho Telegram, acho um lugar utilizado de forma insalubre, não estou de acordo com a maior parte dos seus frequentadores, mas, desta vez, eles não fizeram nada errado. Repito: são opiniões, não notícias. Notícia falsa é divulgar que vão censurar trechos da bíblia.

Nesse comunicado, o Telegram sugeriu o seguinte: “Você pode falar com seu deputado aqui ou nas redes sociais hoje. Os brasileiros merecem uma internet livre e um futuro livre”, sugerindo que quem estivesse descontente com o projeto fale com seu congressista.

Isso é algo que nós pregamos há 15 anos aqui: em uma democracia, seu congressista é eleito para lutar pelos seus interesses, para te representar. É um sistema onde todo o poder emana do povo, os políticos só estão lá para fazer a vontade do povo. Portanto, falar com o seu deputado e pressioná-lo para que ele faça a sua vontade deveria ser regra, uma vez que representa a essência da democracia.

Pelo visto, a essência da democracia é proibida. O STF (a mando da Presidência da República, obviamente) não gostou do que o Telegram falou: além de mandar apagar a mensagem, ainda obrigaram (sob pena de uma multa que quebraria qualquer empresa) a enviar para os usuários um texto pronto, no prazo de uma hora (que é para não dar tempo de qualquer recurso), criticando a mensagem original.

Ou seja, não pode falar o que pensa e ainda é obrigado a falar o que o governo te manda falar.

Nessa mensagem que o Telegram foi obrigado a enviar, sob pena de uma multa milionária, entre outras babaquices, dizia que a mensagem anterior, que gerou toda a controvérsia, era “uma tentativa de induzir e instigar os usuários à coagir os parlamentares”. Cobrar que o Deputado que você votou te represente, atue conforme seus interesses, informar a ele como você pensa, virou COAGIR parlamentares. O princípio básico da democracia agora se chama COAÇÃO.

Coagir é obrigar uma empresa a emitir um comunicado contrário ao seu posicionamento. Imaginem se o Bolsonaro tivesse feito algo similar? Mas agora é Ódio do Bem, é “pelas criancinhas”, “pelos trabalhadores”, “contra a violência”. Meus queridos, não importa quão nobre seja a causa, se, para defende-la é preciso pisotear na democracia, é criminalizar que se cobre de Deputado pago com dinheiro do povo, tem algo errado.

Para piorar, a decisão do STF foi completamente sem fundamento, no sentido de que não apontou exatamente onde estava a ilegalidade e quais leis foram violada. A decisão está online, para quem quiser ler. O direito brasileiro proíbe esse tipo de decisão genérica e se qualquer juiz decidir dessa forma contra os interesses do Governo, eu lhes garanto que a decisão seria anulada ou reformada.

Então, a discussão saiu da esfera “você acha que o projeto de lei é bom?”. Não é mais sobre isso. É sobre não se ter o direito de dizer que acredita que o projeto de lei gerará consequências nefastas sem ter isso retirado do ar, através de uma decisão judicial claramente ilegal que não atende aos requisitos mínimos e, pior, ser obrigado a dizer o contrário.

E, o mais grave: a pressão que o povo deveria fazer em político (que só está lá para agir em nome dos interesses do povo) foi oficializada como coerção.

Imagina se isso viesse do Bolsonaro. Imagina se o Bolsonaro mandasse tirar do ar alguma fala contra ele ou contra uma medida sua. Imagina se ele obrigasse a reescrever, mas apoiando-o, usando uma multa milionária caso a empresa não o fizesse. Imagina se Bolsonaro falasse que procurar seu Deputado é coagir político. Aí com certeza viriam gritos de “a democracia está ameaçada”, afinal, não é sobre o que se faz ou se fala, é sobre quem faz ou quem fala.

Está estipulada a narrativa que Bolsonaro é golpista e, como Lula é antagonista dele, Lula não é golpista. É muito lamentável. Vocês estão cientes de que ambos podem ser golpistas, né?

“Mas Sally, o Telegram é um esgoto”. Lembra do que a gente conversou sobre culpar objetos inanimados? O Telegram é uma ferramenta. Não vilanize um objeto inanimado, pois passa uma aura de retardo mental quase que indelével. Se ocorrem crimes no Telegram, que seja responsabilizado. Não foi o caso.

Não é sobre o Telegram, é sobre um Projeto de Lei nocivo, no qual as pessoas escolheram acreditar, não pelo seu conteúdo e sim por estarem desesperadas para acreditar que ele resolve seus problemas. Não resolve.

Como não existe nada que não possa piorar no Brasil, o STF ainda decidiu tirar o Telegram do ar e avisar que quem tentasse acessá-lo de alguma outra forma (como por exemplo, por VPN) seria punido. Uma punição impossível, pois não existe forma de fiscalizar o que cada brasileiro faz em tempo real e punir todos que usarem VPN. Mas, muito útil se precisar sacanear um ou dois, é só mirar nos desafetos e pesquisar se fizeram uso desse recurso. É uma carta na manga para punir quem eles quiserem.

E tudo é sobre isso: punir desafetos, intimidar, calar. Se esse projeto de lei tivesse real interessem em combater notícias falsas, desinformação e demais pautas que se propõe, ele não excluiria todos os políticos de sua aplicação. Você sabia que os políticos não podem ser responsabilizados, segundo esse projeto de lei? Vocês podem ser punidos, eles não, eles podem mentir no que quiserem e não serão punidos. Quão corroído de idolatria está o cérebro de quem apoia uma lei que dá carta branca para político mentir?

Todo Chefe de Estado ditador, genocida e criminoso sempre agiu em nome de uma causa nobre, inclusive Hitler. É uma tática velha, ultrapassada e medíocre, não consigo compreender como ainda cola. É o povo quem tem que ter discernimento e dizer “pera, por mais nobre que seja uma causa, não vale a pena permitir que a democracia seja atacada, não vale a pena aprovar uma lei que isenta político de responsabilidade se ele mentir”.

Esse Projeto de Lei não vai combater notícias falsas, não vai impedir que seus filhos sejam expostos a conteúdo tóxico, não vai resolver nenhum problema, nem mesmo o da violência nas escolas. Ele foi desenhado para dar poderes ao Governo, apenas isso. Eu sei que é muito reconfortante acreditar que surgiu uma solução para um problema tão assustador e complexo, mas não é verdade. O brasileiro está comprando feijões mágicos.

Preocupa que o brasileiro não perceba ou se importe com o que está acontecendo. Entendo o mecanismo, se chama “dissonância cognitiva”, entendo de onde vem (todo o histórico do Brasil), mas não entendo como isso pode ser quebrado, interrompido, revertido, já que, quanto mais você critica o político de estimação, quanto mais aponta seus abusos, mais reforça a crença de que ele está certo. (se quiser entender melhor a questão, sugiro este vídeo)

Comecem a pensar como desarmar essa dissonância cognitiva, ou vocês vão acabar muito mal.

Para dizer que nós estamos instigando a população a coagir deputados (por mim, merendava todos na porrada mesmo), para dizer que estamos divulgando notícias falsas (você tem a opção de ir tomar no meio do seu cu) ou ainda para dizer que por sorte são burros e usam censura para provar que o PL não vai censurar ninguém: sally@desfavor.com

SOMIR

Eu adoraria saber de onde vem a ideia de que pessoas com interesses criminosos magicamente se tornam hackers avançados. O cidadão médio e boa parte da imprensa devem imaginar sistemas supercomplexos para quem está compartilhando, vendendo e comprando conteúdos ou produtos ilegais. Qual a proporção da população real que sabe sequer achar um arquivo salvo no computador ou celular?

As pessoas adoraram o combo de celular e rede social porque um literal chimpanzé consegue utilizar. É tudo feito para tornar o processo simples e intuitivo. Você não mexe com nada que não sejam bolinhas e desenhinhos coloridos chamando sua atenção. É evidente que o grosso da criminalidade da internet é composto de gente assim.

E isso nos leva a mais uma realização assustadora: quase todo conteúdo ilegal e/ou perigoso que gira pela internet, gira pelas mesmas redes sociais que a maioria das pessoas usa. Quem vocês acham que a Polícia Federal pega? O criminoso com vinte computadores numa rede privada ou o tiozão que pede foto pelada de menina de 10 anos de idade na cara dura pelo WhatsApp?

Eu digo isso porque faz muito tempo que sabemos do conteúdo ilegal e problemático nas redes sociais, tanto que elas já tem um monte de regras e algoritmos para lidar com isso. Rede social ganha dinheiro com anúncios, e nenhuma marca quer aparecer num vídeo do Estado Islâmico. Os “novos vilões” do governo Lula e da sua subsidiária no STF, as big techs, são as maiores interessadas em se livrar desse tipo de material problemático.

Porque cada texto, foto ou vídeo que você sobe numa delas gera um custo financeiro para a plataforma. Mesmo de um ponto de vista totalmente amoral, é péssimo negócio ficar infestado de conteúdo ilegal e/ou bizarro demais para atrair anunciantes. Você paga para armazenar e transmitir live de terraplanista e não ganha nada em troca. Curtida não dá dinheiro pra ninguém, é visualização e clique em anúncio.

Vocês acham que o Facebook, o Google ou mesmo o Telegram querem ficar armazenando pornografia infantil nos seus servidores? Ou vídeo maluco de bolsonarista pedindo golpe de Estado? Custa dinheiro para eles e não dá retorno nenhum. Podemos partir dessa mesma base ao analisar a situação?

Se com incentivo financeiro considerável para combater conteúdos polêmicos e/ou ilegais as plataformas não conseguiram reduzir totalmente sua prevalência, não vai ser a canetada do Lula ou do Alexandre de Moraes que vão abrir uma nova forma de pensar no assunto. Não é como se existisse uma solução razoável para o problema que não queriam fazer até hoje. Se o poder brasileiro estivesse realmente interessado em ajudar a limpar a internet e não em gerar mais ferramentas de censura para usar contra os adversários políticos, já teria aceitado esse fato.

Mas não, continuam empurrando uma narrativa analfabeta digital que o problema é que não estão combatendo os superhackers do mal e que o Telegram acha bacana pagar cem mil dólares por dia para armazenar conteúdo ilegal impossível de gerar renda para ele. Existe um problema fundamental na internet moderna: excesso de gente.

E esse não tem solução. São milhões de pessoas subindo conteúdo todos os minutos, compartilhando e comentando sobre assuntos infinitos, às vezes à plena vista, às vezes em grupos fechados que não chamam atenção de terceiros. Não tem mão de obra financeiramente viável nesse mundo para moderar esse conteúdo, sem contar que cada moderador é um ponto de falha potencial. Os algoritmos que bloqueiam conteúdos ilegais estão bem melhores hoje em dia, mas existem limites de quanta informação eles podem analisar ao mesmo tempo além de mil formas diferentes como a IA pode errar na análise e deixar passar coisas ilegais.

Se o pessoal do PL das Fake News conversou cinco minutos com alguém que sabe formatar um HD, já devem saber que a proposta deles é baboseira pura que na melhor das hipóteses pede para as big techs fazerem o que já fazem, e na pior das hipóteses abre espaço para censurar desafeto na rede social.

Não tem nada a ver com salvar criancinha e democracia, tem tudo a ver com ter ferramentas para calar a boca de quem fala o que os nossos poderosos não gostam de ouvir. Calha de muitos deles não gostarem de ouvir coisas que nós também não gostamos de ouvir como negação científica e desejo retardado de viver sob uma ditadura, mas a única coisa que o PL das Fake News cria de fato novo mesmo é imunidade de político para mentir na internet, criação de um novo mercado de Fake News com o pagamento pelos agregadores de notícias e é claro, uma lei prontinha para Lula, Alexandre de Moraes, Bolsonaro e quem mais tiver a caneta na mão calar a boca de quem fala mal deles.

E se havia alguma dúvida que era só ignorância tecnológica, a decisão de Moraes prova que havia má intenção mesmo: ele foi lá exercer poder sobre uma empresa que NÃO TINHA COMETIDO CRIME, legislando e julgando de acordo com a sua vontade, sem citar qual a lei que estava seguindo. O STF usou o Estado brasileiro para ganhar uma discussão no grito. Num país sério o Xandão já estaria com um processo de impeachment rodando no Senado. Mas como o Brasil vem de um governo tão bizarro quanto o do Bolsonaro, as pessoas parecem atordoadas com as tentativas de autoritarismo do governo atual. Não pode ser, né? Lula era o oposto de Bolsonaro! Se acontece no mandato dele, não pode ser bizarrice autoritária, né?

Pode sim. E está acontecendo diante de nossos olhos. STF basicamente legislando com base na sua putez com quem os xinga na rede social, legislativo deixando rolar porque vão levar vantagem, executivo salivando com a possibilidade de declarar todo mundo que não gostam como inimigo da democracia.

Esse PL é um atestado de analfabetismo digital que só engana quem é mais ignorante ainda sobre o tema. Para a sorte deles, essa é a maioria da população. O que aconteceu com o Telegram foi criminoso, mas não tem ninguém disposto a pegar o caso…

Para dizer que eu sou inimigo da democracia, para dizer que o STF nunca faria isso, ou mesmo para dizer que o crime do Telegram foi amar demais: somir@desfavor.com


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