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Profissão degradação.

Profissão degradação.

| Desfavor | | 14 comentários em Profissão degradação.

Com novos tempos, novas profissões. Considerando isso, Sally e Somir atualizam suas definições de degradação analisando empregos cada vez mais comuns no mundo digital. Os impopulares escolhem aquilo que menos dignifica a pessoa.

Tema de hoje: qual a profissão mais degradante da atualidade?

SOMIR

Influencer. Você pode achar meio estranha a minha escolha pensando em gente que vive de festa em festa ganhando rios de dinheiro, mas se esquece que estamos falando de uma profissão. E como em toda profissão, é importante perceber a diferença entre expoentes e medianos.

Se você for olhar para a vida do Miguel Nicolelis, por exemplo, pode achar que vida de cientista é feita de oportunidades, respeito e liberdade financeira. Se você for olhar a vida do cientista médio, vai descobrir que é miojo, aluguel atrasado e falta de equipamento no laboratório. Não se olha uma profissão pelo ângulo daqueles que estão no topo, e sim da maioria que está trabalhando ali.

Por isso escolhi o influencer como profissão mais degradante: o cientista termina o dia cansado, mas sabendo que está tentando avançar o conhecimento humano. O lixeiro esgotado, mas cumprindo uma função essencial para a vida na cidade. O influencer é um bobo da corte que em média está sempre no sufoco, e quando deita na cama de noite, não fez nada que prestasse com seu tempo.

Até os coaches e gurus da vida ainda podem ter alguma ilusão de estar construindo algo positivo com sua vida, mesmo que seja uma construção fraudulenta. O que o influencer tem para mostrar? Curtidas? Vejam bem, eu não estou batendo no ramo do entretenimento como um todo, o ser humano precisa distrair um pouco, mas o influencer raramente entrega algum conteúdo substantivo.

O ator de teatro é um fodido na vida, mas está lá carregando uma forma de arte ancestral, e tem fãs que valorizam sua capacidade de atuação. O músico está tocando num bar para gente que está mais interessada em cerveja do que nele, mas está desenvolvendo sua habilidade e curtindo uma coisa que ama. O influencer está fazendo caras e bocas para uma plateia querendo alguns segundos de distração, ele é totalmente descartável porque o que faz é totalmente descartável.

E por mais limitada que pareça a pessoa, no fundo ela sabe que não está fazendo nada além de pendurar uma melancia no pescoço. O inconsciente sabe. Não é à toa que muitas das pessoas que tentam tocar essa vida acabam tendo problemas psicológicos: não tem uma arte que estão desenvolvendo, estão apenas lutando por atenção aleatória das pessoas.

A verdade é que sucesso financeiro no mundo dos influencers é basicamente uma loteria, basta observar o nível das pessoas que ficam famosas: gente sem nada demais, que você vê em qualquer balada por aí, arrumadas do mesmo jeito. Não tem uma explicação muito clara porque a Maria Ruela tem dez milhões de seguidores e a Joana Ruela tem dez mil. As duas tem basicamente o mesmo layout, falam basicamente as mesmas coisas, usam a mesma câmera… se isso não entrega como sorte é 90% do trabalho, não sei mais o que entrega.

E isso com certeza vai erodindo a sanidade dessas pessoas. Existe um fenômeno psicológico de confirmação de sucesso, onde pessoas que basicamente ganharam na loteria da vida acham que fizeram alguma coisa certa e mereceram aquele sucesso (popularidade ou dinheiro) por seu valor próprio; mas isso é um perigo, porque a pessoa tenta outras coisas na certeza de que sua forma de agir e pensar é correta, e quase sempre quebra a cara.

Influencers vivem tentando novos projetos e falhando na maioria deles, afinal, achavam que era só fazer o que fizeram da primeira vez. Alguns viram coaches ou gurus por causa dessa ilusão, o que também é degradante, mas é um pouco menos doloroso para o ego porque a pessoa não caiu na real ainda. E com uma base de fãs igualmente ignorantes sobre a razão do sucesso delas, é possível que durem muitos e muitos anos protegidos da dura realidade.

Quando você vê um influencer tendo muito sucesso, pode ter certeza de que não é sua influência agindo, é que a pessoa aceitou e se deu muito bem na atividade-fim do influencer: prostituição. Estou falando de prostituição em linhas gerais, que vai desde a prática da “profissão mais antiga” até mesmo a venda da imagem e vida pessoal para anunciantes. Não se enganem, aquelas mulheres e homens lindos que estão sempre viajando pelo mundo e nunca fazem nada além de sorrir para uma câmera estão se prostituindo no sentido literal da palavra.

É uma vida baseada em fazer sexo e ser troféu de pessoas ricas (quase sempre homens ricos) em troca de dinheiro e experiências “instagramáveis”. Tem o problema fundamental da prostituição, vender o corpo, e ainda não tem nenhuma forma de proteção da própria imagem. Só gente muito inocente acredita que essas celebridades que nunca fazem nenhum trabalho artístico por anos e aparecem em notícias o tempo todo estão fazendo algo que não sexo por dinheiro. Essas pessoas sabem disso, seus “fãs” normalmente sabem disso.

E considerando que muitas dessas pessoas não tem cérebro o suficiente para transformar seus anos de prostituição numa poupança para quando a beleza começar a se esvair, acabam desesperadas por atenção ou se entregando a fetiches cada vez mais bizarros para pagar as contas quando a juventude passa. Influencer é tipo prostituta, mas com um vício violento em atenção para estragar o resto da vida.

Sim, tem gente que se dá bem e ganha dinheiro com publicidade. Essas pessoas provavelmente não precisam de prostituição (de sexo) para fazer seu dinheiro, mas é uma carreira curta: ainda estamos no auge da popularidade dessas celebridades sem talento nenhum, mas existem dois problemas: o influencer médio ganha alguns produtos e dinheiro para tocar uma vida mediana na melhor das hipóteses. É uma briga de foice para ficar no topo da popularidade e ter chance dos grandes acordos comerciais. E todos os dias muda o brinquedo novo das agências de publicidade. Influencer é usado e descartado rapidamente se for cancelado ou se perder o hype. Prostituição, novamente.

Para cada moça linda ganhando milhões com seu sucesso sem talento, mil estão vendendo foto do útero por 15 reais em grupos aleatórios do Telegram. Para cada um que tira o bilhete premiado do BBB, mil estão passando sufoco e chorando no travesseiro pela última postagem ter tido apenas 8 curtidas.

Se até mesmo o topo da carreira dos influencers é prostituição disfarçada, imagina só o profissional médio. Pior, como quem está no topo normalmente não sabe fazer nada de diferente, eles são incentivados a berrar por atenção aleatoriamente. É um monte de gente presa na ilusão de que existe método na loteria da fama das redes sociais. E que provavelmente não vai desenvolver nenhum talento ou habilidade que os façam ter valor por algo além de uma bunda ou uma careta engraçada.

Isso é muito degradante, mesmo que essa gente não perceba.

Para dizer que eu tenho inveja da fama alheia, para dizer que o certo mesmo é não ganhar nada escrevendo blog em 2023 (não é uma profissão, é diversão), ou mesmo para dizer que nem leu porque quer ser influencer: somir@desfavor.com

SALLY

Atualmente, qual é o trabalho que te parece mais degradante?

Se me perguntassem isso dez anos atrás, eu ficaria na dúvida entre a pessoa que tem que mergulhar o corpo nas fezes para desentupir fossa ou a pessoa que coleta sêmen de animais rurais para inseminação. Mas hoje… hoje eu não tenho nenhuma dúvida: o trabalho mais degradante é o de coach.

Tanto o cérebro humano como a mente humana foram exaustivamente estudados por séculos pela ciência, que consolidou esse conhecimento em duas especialidades, psiquiatria e psicologia, que se dedicam apenas a isso. Portanto, quando falamos de cérebro, mente e comportamento, a ciência oferece soluções, possibilidades e conhecimento.

Por se tratar de ciência, não requer que a pessoa acredite naquilo para funcionar. Não é religião. Portanto, é algo que pode beneficiar a todos, independente do quanto eles desacreditem: basta fazer a sua parte e, acreditando ou não, os resultados surgirão.

Eu até entendo procurar por caminhos alternativos quando a ciência não oferece respostas ou soluções. O que eu não entendo é procurar por caminhos alternativos quando a ciência é perfeitamente capaz de te ajudar. Muito menos ter a cara de pau de oferecer caminhos alternativos quando a ciência é perfeitamente capaz de ajudar. Seria como pedir para um pajé bater com uma folha de arruda na sua cabeça na tentativa de não pegar uma doença em vez de se vacinar.

Isso é o coach: uma pessoa que diz ser capaz de melhorar o cérebro, a mente ou o comportamento de outra pessoa, mas, tendo um caminho científico válido, prefere tomar um atalho que o desconsidera.

Um coach pode citar ciência, física quântica ou o que mais for, mas são palavras vazias. Se acreditasse na ciência, usaria a ciência que existe para tratar do cérebro e da mente. Mas, claro, aí tem que passar em um vestibular difícil, cursar seis anos de faculdade, etc. Se tem otário pagando a quem não tem isso, por qual motivo se esforçar?

Existem dois tipos de coach: os megalomaníacos e os estelionatários. Os megalomaníacos acreditam que podem conseguir os mesmos resultados que um psiquiatra ou psicólogo (ou até melhor) só que sem cursar uma faculdade. Os estelionatários sabem que não podem conseguir os mesmos resultados, mas que muitos acreditarão que sim, então, enganam mesmo, contando com o poder da autossugestão da pessoa. E eu sinceramente não sei qual é o pior.

Não que influencer seja algo digno, longe disso. Mas ao menos não tem como razão do seu trabalho oferecer uma alternativa para a ciência. O influencer quer vender, o acordo é claro: ele fornece um conteúdo que agrada a certo público e enfia nele publicidade de algo. Nada de novo, antes de qualquer influencer nascer a televisão já fazia isso. O conteúdo que ele oferece é uma bosta? Isso fala mais sobre a sociedade do que sobre ele. Se tem gente querendo ver, vai ter gente fazendo.

O coach não. O coach é um retrocesso, ele desconsidera a ciência, utilizando-a de forma equivocada e superficial. Ele se aproveita do desespero ou do imediatismo das pessoas oferecendo uma suposta alternativa que não existe. Séculos de estudos para vir um zé cu dizer que o método Fulano da Silva, desenvolvido por ele em alguns anos, é melhor. Mas olha, vai bem tomar no cu, que forma indigna de ganhar a vida.

Sinceramente, eu teria vergonha, muita vergonha. “Mas Sally, você escreve coisas sobre comportamento humano sem ter formação em psiquiatria nem em psicologia”. Sim, mas em primeiro lugar, eu não cobro por isso, é conteúdo gratuito e, em segundo lugar, eu não afirmo que funciona, eu jogo ideias para quem possa se beneficiar, totalmente consciente de que não vai funcionar para todos e sempre advirto sobre a importância de procurar um profissional qualificado.

Uma coisa é compartilhar seus pensamentos, colocando o conteúdo dessa forma: pensamentos. Outra é vender seus pensamentos como se fossem ciência ou uma fórmula mágica para o sucesso. Assegurar que se as pessoas colocarem em prática seus ensinamentos (superficiais e sem embasamento) existe uma certeza de que a vida da pessoa vá melhorar.

Eu acho mais digno pular em uma banheira cheia de Nutella e imitar uma foca do que tomar dinheiro (muito dinheiro) dos outros prometendo algo que não pode dar. Não importa a indignidade física à qual um influencer se submeta, a indignidade moral do coach sempre será pior.

Basta reparar no que é a vida pessoal dos coachs, nas raras vezes em que elas transbordam da vida fictícia que eles apresentam em rede social. Pessoas que supostamente deveriam te ensinar a ser melhor tem vidas que transbordam disfunções.

Tem maluca que descobre ter levado 15 chifres do marido, faz um escândalo, xinga ele de tudo quanto é nome em redes sociais e depois volta para ele. Tem maluco que ameaça mulher de morte por ter feito um vídeo de humor com o seu conteúdo. Sério mesmo, o que eu tenho para aprender com essas pessoas? Só se for o que NÃO fazer.

Quem se acha capaz de oferecer uma opção melhor do que a ciência, quem acha que em sua mísera existência, em alguns anos, pode suplantar séculos de pesquisas e estudos, certamente não bate bem da cabeça. Não falha. Se olhar de perto você vai ver uma pessoa disfuncional com uma vida disfuncional.

Uma pessoa normal, sem perversidades, sem ego inflado, sem uma patologia comportamental, tem vergonha de sequer cogitar que ela possa oferecer uma solução melhor do que uma ciência que estuda seu objeto de trabalho há séculos. Quem tem realmente amor pelo cérebro ou pela mente humana e quer tratar a questão com seriedade, faz faculdade de medicina ou de psicologia.

Se a ciência responde, não faz o menor sentido ir procurar a resposta no Fulano da Silva, que não consegue sequer estruturar sua própria vida, mas quer vender soluções para a sua. Não é birra minha, coach é uma forma socialmente aceita de estelionato e eu espero que em breve seja criminalizado.

Influencer é só uma pessoa sem senso do ridículo tentando te empurrar produtos. Coach, meus queridos, é o terraplanismo da psiquiatria/psicologia.

Para dizer que um coach te ajudou (efeito placebo é cientificamente comprovado), para dizer que coach é curandeirismo caro ou ainda para dizer que hoje está realmente difícil escolher: sally@desfavor.com


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