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Em defesa de MC Pipokinha.

Em defesa de MC Pipokinha.

| Somir | | 24 comentários em Em defesa de MC Pipokinha.

Sim, é a segunda vez que eu escrevo um texto baseado na MC Pipokinha. E pensar que eu escrevi só um sobre o Charles Darwin… acho que ele não fez o suficiente para merecer a honra. A pornofunkeira foi cancelada pela classe dos professores brasileiros e perdeu até contrato num festival por causa disso. Fui ver o que ela tinha feito e/ou dito para irritar tanto os docentes tupiniquins… e sabe que eu até que estou do lado dela nessa?

Um de seus fãs marcou ela numa postagem onde dizia que tinha brigado com a professora por causa dela. E Pipokinha respondeu em vídeo:

“Ela tem o poder de rodar de você, de fazer você não passar de ano. Ela tem o poder de te encher de tarefa, não briga com ela por minha causa. Tadinha dela, já é professora. Tem que amar muito a profissão, por que ouvir desaforo do filho dos outros? Tem que ter nada pra fazer mesmo.

Ainda receber o que o professor recebe, que é quase nada? Professor é humilhado pra caralho. Coitada, deixa ela. Meu baile tá R$ 70 mil, 30 minutinhos em cima do palco, eu ganho R$ 70 mil. Ela não ganha nem R$ 5 mil pra ser professora às vezes. Tem que estudar muito.”

Numa sociedade onde tudo é motivo para chiliques, convenhamos que tinha muito o que aproveitar da fala dela para fazer um dramalhão. Eu adoro a confiança suicida da subcelebridade brasileira, uma completa ausência de noção misturada com transtorno narcisista que sempre gera resultados engraçados. Minha torcida é sempre pela briga.

Eu não sei se Pipokinha já soltou o obrigatório vídeo de desculpas pós-cancelamento, e francamente, pouco me importa se ela voltar atrás em tudo o que disse. Li muitas verdades no texto (transcrito do vídeo, evidente) dela. Tadinha da professora mesmo, é uma fodida na vida. Ganha pouco, aguenta criança enchendo o saco… eu vejo até uma saudável dose de autocrítica no texto.

Não que eu ache que ela racionalizou essa autocrítica, mas o inconsciente deve ter assumido o volante: enquanto ela está ganhando 70 mil para rebolar e gemer num palco por meia hora, a professora está trabalhando o dia inteiro para tentar fazer jovens piolhentos aprenderem alguma coisa.

E quando um desses jovens imbecis e arrogantes vem encher a paciência dela defendendo a fuckin’ MC Pipokinha, é claro que a professora vai ficar puta da vida. Aposto que muitos professores quiseram perguntar onde tem gente pagando 5 mil por mês para dar aula antes de ficarem furiosos com a fala da funkeira. Provavelmente sem querer, Pipokinha foi muito sábia: não encha o saco dessa gente que já está totalmente na merda. É feio. E é inútil mesmo.

Se os professores não puderem ficar putos com uma cantora pornô que está ganhando mais em um mês que eles ganham a vida toda, vão ficar com quem? Com os alunos? Isso seria ainda menos produtivo. Então, concordo muito com Pipokinha: deixa a professora xingar até a quinta geração de quem ganha muito mais que ela para fazer algo muito menos importante. Se a funkeira se aposentar, não é como se os salários dos professores fossem aumentar. Gostemos ou não, existe muita demanda para uma mulher disposta a fazer todo tipo de baixaria na frente de uma plateia.

Se estão pagando 70 mil para ela fazer o que faz num palco, a culpa é muito mais de quem está pagando do que quem está vendendo o serviço. Até por isso eu fiquei com nojo da argumentação usada por um festival aleatório que cancelou o show dela: dizendo que ela passou do limite ao falar mal de professores. Então esses sacos de bosta que organizaram o festival estavam super de boa com ela antes disso? Tudo bem pagar 70 mil para a MC Pipokinha se você é tão preocupado com a educação brasileira assim?

Se você dá a mínima para professores, não contrata a porra da MC Pipokinha. Palhaços. Pode incentivar o nível mais baixo da cultura brasileira desde que não esfregue na cara da sociedade a escrotice que está fazendo? Pode tudo no Brasil se você disfarçar direito. Não, espera, eu tenho mais putez: se você vai fazer um festival de música que contrata a MC Pipokinha para ser a grande estrela, chama logo o festival de PAU NO CU DOS PROFESSORESLOOZA.

Não se importar com educação já é parte da cultura brasileira, só que o buraco é muito mais embaixo do que baixos salários. Não é algo que interesse muito. Mas cuidado para não achar que é só abandono financeiro: o Brasil é um país com mais de 200 milhões de pessoas, tem escola para tudo quanto é lado, tem professor para tudo quanto é lado. A verba do ministério da Educação brasileiro é maior que a de muitos países.

Mas não é uma meta do país, é uma obrigação… chata. Elegemos políticos corruptos e/ou incompetentes que empurram o mastodôntico sistema educacional brasileiro com a barriga, e não cobramos nada muito melhor do que isso. A fala de MC Pipokinha tem um desdém pelo conceito de educação que espelha muito bem a mentalidade desse povo.

O verdadeiro problema tem mais camadas do que o básico “brasileiro é bicho”. O brasileiro é bicho, não se enganem, mas ele é resultado de uma cadeia alimentar que seleciona essa ignorância orgulhosa como fator de sucesso. Eu sei reconhecer a um quilômetro de distância papo de gente ressentida com a falta de escolha que teve nessa questão intelectual. Está tudo lá na resposta de Pipokinha.

O brasileiro médio já nasce e passa pela primeira infância sacaneado por falta de proteína. Isso reduz o potencial intelectual e faz com que a pessoa “vire adulta” muito cedo. Não tem tanto assim para onde ir nessa jornada mental. E aí quando cai na escola, já está com a paciência no limite e a capacidade de absorção de informação muito comprometida.

E aqui uma discussão que poderíamos ter aberto com a polêmica da semana, mas que não tinha tanta graça em comparação ao cancelamento temporário de Pipokinha: se é para ser honesto, a média dos professores brasileiros é terrível. Eu estudei em escola pública a vida toda, eu sei. Numa cidade rica do interior de São Paulo, de cada 10 professores que eu tive, no máximo 1 prestava para qualquer coisa a mais do que escrever numa lousa e corrigir prova.

Sinto muito falar isso, mas o professor brasileiro também é uma merda. Quem vai para uma profissão cagada dessas? Quem aguenta entregar qualidade por décadas ganhando pouco e lidando com 90% de alunos que nem entendem o que estão lendo? Não dá para apostar que a criança vai dar a sorte de pegar um daqueles malucos que fazem o que amam e continuam se esforçando ano letivo após ano letivo.

Eu tive professores e professoras muitos bons também, gente que passava respeito, que explicava direito, que ia além do livro didático. Mas a média, sinto muito dizer, não sei nem o que diabos estavam fazendo lá. Era só um emprego. Eu era um ultra-nerd, mas até eu estava sem saco mais para aqueles professores depois de alguns anos. Parecia que estavam só esperando a aula acabar, desinteressados ou talvez derrotados mesmo.

E tudo isso se amarra: será que pessoas como a MC Pipokinha sequer acertaram na loteria de ter alguns professores que prestavam? Será que quando escutam a rede social enchendo a boca para falar sobre o valor inestimável dos professores, lembram dos coitados sem nada a mais para fazer da vida que lhes deram aula anos atrás?

Aí tem a inversão: eu entendo a professora puta da vida porque aquele(a) bostinha estava defendendo uma funkeira aleatória durante sua aula… mas eu entendo alguém que passou pelo sistema público de educação brasileiro lembrando de um bando de incompetentes que não o ensinaram nada e ficando puto da vida por ser desmerecido pela categoria.

O desastre do sistema educacional brasileiro é causado por péssimo uso da verba, mas também tem muito ressentimento entre alunos e professores que se retroalimenta em descaso com educação geração após geração. Eu entendo a raiva dos dois lados. Se eu fosse o assessor de imprensa de Pipokinha jamais permitiria que ela falasse isso, mas olhando pelo ponto de vista de quem provavelmente lidou com uma educação cagada, tem sua lógica.

Não sei vocês, mas eu fico irritado quando alguém que faz um serviço ruim vem encher o saco pedindo reconhecimento. A coisa certa é quebrar esse ciclo maligno de educar mal o brasileiro e depois ver ele com raiva de educação, mas isso é bem complicado: tem que valorizar educação em geral, para trazer mais status, recompensa financeira e segurança para a carreira de professor. Assim conseguimos atrair mais gente boa para dar aula nas escolas públicas e não destruir a energia e a alma daqueles que começam tentando fazer algo melhor. É absurdo que o aluno brasileiro dependa de sorte para ter professor decente.

E quem sabe aí mais gerações cresçam com boas memórias da escola e enxerguem valor no aprendizado para crescer na vida, porque efetivamente cresceram na vida com educação. Senão, eu entendo muito bem o que MC Pipokinha falou: a mesma sociedade que paga 70 mil para ela mostrar a bunda quer pagar de defensora da educação? É muita falta do que fazer.

As músicas dela são menos pornográficas que essa hipocrisia.

Para dizer que esse texto não tinha direito de ser profundo, para dizer que o importante é que eu ofendi todo mundo, ou mesmo para contar sobre seus piores e melhores professores: somir@desfavor.com


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