Caso (im)pensado.

Preso na Espanha acusado de agressão sexual, desde a última sexta-feira (20), Daniel Alves teve uma das suas versões apresentadas à Justiça desmentidas devido a imagens de câmeras de segurança da boate em que esteve, na noite de 30 de dezembro, quando teria forçado uma mulher a manter relações sexuais com ele. O jogador de futebol, que, inicialmente, disse não conhecer a vítima e depois argumentou que a relação sexual havia sido consensual, ficou trancado por cerca de 15 minutos no banheiro da área vip da boate Sutton. É que o informa o jornal espanhol El Periódico. LINK


A sociedade está tão viciada em polêmica que não percebe mais quando ela nem existe. Desfavor da Semana.

SALLY

– se estupro te dá gatilho, passa amanhã –

Um rápido resumo do caso: uma mulher acusa o jogador de futebol Daniel Alves de estupro. Ela relata que em uma festa, realizada em Barcelona no dia 31 de dezembro do ano passado, o jogador a trancou no banheiro do local e a estuprou.

Alguns dados importantes sobre ela: a mulher não tornou o caso público, no sentido de não mostrar o rosto, não dar entrevistas, não inflar a repercussão. Ela recusou dinheiro (e foram diversas propostas de “acordo” para encerrar o processo).

Não foi algo que veio à tona muito tempo depois, quando não existiam mais provas físicas, já que na mesma noite a moça foi até os donos da boate e narrou o ocorrido e foi encaminhada para um hospital que é centro de referência para tratar vítimas de agressão sexual. A manifestação (sempre através da sua advogada) é sempre a mesma: ela não tem interesse em nada que não seja a punição de Daniel Alves.

Dados importantes sobre ele, Daniel Alves: quando surgiu a acusação ele disse que não sabia quem era a mulher, que não a conhecia, que nunca havia se encontrado pessoalmente com ela. E o fez em um programa da TV espanhola, que ficou repercutindo esta afirmação para desacreditar a moça.

Depois, quando a coisa apertou e se provou que ambos estavam no mesmo local, na mesma data, ele disse que ok, tinha visto ela no local, mas nada aconteceu. Quando finalmente provaram, através de um exame de DNA, que na cena do crime foi encontrado sêmen dele, ele mudou novamente a versão, dizendo que ok, aconteceu sim, mas que foi ela quem o atacou no banheiro.

Vamos às provas que são levadas em conta em processos judiciais desse tipo?

A contradição de qualquer uma das partes pode não ser o suficiente para uma condenação, mas é levada em conta sim. Um sujeito que diz que nunca viu uma mulher na vida e depois muda a versão, no mínimo, tem algo a esconder. Se fosse inocente teria dito desde o começo que teve algo consensual. “Mas Sally, ele é casado”. O processo corre em segredo de justiça, esse tipo de detalhe não viria à tona. Mas, além de tudo, ele é burro, pois se fosse inteligente teria usado camisinha para não deixar vestígios.

Como já dissemos, a mulher fez os exames periciais necessários para 1) constatar a agressão e 2) identificar o agressor. Além de examinarem a moça, também examinaram seu vestido e o banheiro da boate. Todas as evidências indicam que sim, houve agressão e sim, foi Daniel Alves. Inclusive, a quem interessar possa, além de estuprar, ele bateu nela. “Mas Sally, se o processo corre em segredo de justiça, como você sabe isso?”. Que as provas foram realizadas é público, o que corre em segredo é o processo.

Além das provas periciais, as câmeras de segurança do local mostram a moça indo ao banheiro e ele entrando depois e trancando a porta. Mostram ainda que ele passou 15 minutos ali com ela. A câmera de segurança da farda de um policial que foi chamado filmou, sem querer, a moça chorando logo depois da agressão.

“Mas Sally, encontraram provas de que a mulher beijou ele”. Repare que, se você leu isso em um veículo de comunicação minimamente sério, a palavra “beijo” está assim, entre aspas. O que você pode comprovar é a presença de saliva e outros indícios, beijo não. Ele pode ter tentado beijar ela à força, por exemplo, quando ela estava se debatendo ou gritando ou segurado à força.

Comprovar beijo é bait para conseguir cliques, tanto é que a própria imprensa coloca o termo entre aspas e, quando você lê a matéria, percebe que não tem beijo nenhum provado. Duvido que tenha sido o caso dela, mas só vou argumentar para mostra o absurdo da linha de pensamento: se uma mulher te beija ela é obrigada a fazer sexo com você?

Além das provas de violência sexual (sexo não consentido pode ser detectado por perícia), da violência física (ele bateu nela). Também há provas de DNA incriminando Daniel Alves. Há filmagens. Há testemunhas. A palavra da vítima é uma só e bem coerente. O discurso dele é contraditório. Mais do que isso só se houvesse uma confissão do estupro assinada e autenticada em cartório. Você não vai encontrar um caso com mais provas do que esse.

No entanto, tem muita gente no Brasil duvidando que este estupro tenha ocorrido. Seria tentador começar a descer o cacete no brasileiro médio fazendo um discurso de “esse povo não presta” (e provavelmente nos renderia uma bela audiência), mas isso, caro leitor, todo mundo está fazendo. Nós achamos que talvez a questão seja um pouco mais profunda e vamos tentar tratar o caso por outro ângulo.

Há quase uma década existe uma polaridade homem x mulher que vem se acirrando: homem acha que mulher é tudo interesseira, mentirosa e histérica, mulher acha que homem é tudo machista, estuprador e violento. Não estou falando de você, da sua bolha ou da minha. Estou falando de uma cultura que circula por redes sociais, por militância e por outros meios e que vem crescendo.

Como bem sabemos, onde há polarização, há cegueira. Qualquer pessoa que acredite que um lado é completamente vítima e o outro é completamente algoz, (sempre, em todas as situações) só pode ter um grau considerável de cegueira. E, como toda pessoa cega, ela se agarra às suas crenças, à realidade que ela quer acreditar, e faz o malabarismo necessário para não soltar dela – até mesmo negar provas periciais e testemunhais contundentes.

Não é esse o caso dos patriotas? Negando evidência por cima de evidência. Não importa o quanto o exército não venha, eles sempre têm uma teoria para explicar. E, pasmem, tem muita gente rindo e ridicularizando os patriotas, mas igualmente duvidando e criando teorias da conspiração para o caso Daniel Alves. Infelizmente esse mecanismo está cada vez mais comum: pessoas fazem o que for para não abrir mão da crença que lhes agrada.

Além de gerar cegueira, a polarização também gera ataque: o outro é tudo de errado, tudo que precisa ser combatido, um inimigo. Por isso, em vez de querer ajudar a aqueles que acreditam estar em um mau caminho, as pessoas tendem a agredir, camuflando essa agressão como uma forma de “educar”: fazer o outro passar vergonha, ridicularizar, generalizar e humilhar.

E isso, longe de educar, acaba afastando ainda mais e acirrando a polarização. Quem é esculachando se sente agredido e se comporta de forma ainda mais exacerbada como resposta à agressão. E é aonde chegamos: macho é tudo tóxico, escroto, estuprador. Mulher é tudo histérica, mentirosa, interesseira. Nada disso ajuda a ninguém, todos perdemos. Não é um discurso gratiluz, é uma constatação racional. Estamos cada vez piores indo por esse caminho.

Adiantou escrotizar, vilanizar e punir homens? Não adiantou. O rebote disso é que agora mulher é vista como inimiga a ser desacreditada por muitos deles. Se a ideia era garantir mais direitos e voz às mulheres, bem, falharam miseravelmente. Se, na década de 90 uma mulher levantasse uma acusação de estupro da mesma forma, com as mesmas evidências que a da notícia, com certeza mais pessoas acreditariam nela. Então, tratar homem como inimigo seguramente não fez nada pela causa feminina, muito pelo contrário, atrapalhou.

Adiantou desmerecer, atacar, desacreditar mulher? Não adiantou. O rebote disso foram leis que tratam mulher como uma criança que precisa de proteção e abre margem para todo tipo de abuso. Muitas das condenações injustas de homens que ocorreram na última década não teriam acontecido se o caminho tivesse sido um pouco menos hostil. Então, tratar mulher como inimiga seguramente não fez nada pela causa masculina, muito pelo contrário, atrapalhou.

E, o grande desfavor é que nenhum dos dois lados parece estar percebendo isso. Fazem questão de acirrar a polaridade ainda mais, o que gerará efeitos rebote ainda piores. O apego pela narrativa que construíram e a sede por “justiça” (na real, vingança) é tanto que boa parte da sociedade continua cega, achando que “a outra parte começou” e que eles estão “só se defendendo”. Pois adivinha só, não tem atalho maior para ser atacado do que se defender.

Não importa quem começou, não importa o que sua bolha pensa, não importa se você sente medo: esse caminho no qual a sociedade está é muito ruim para todo mundo. É terraplanismo social agir assim. Não vai resolver nada, muito pelo contrário, só vai acirrar ainda mais a polaridade, o medo e a agressão mútua.

Deveríamos todos respirar fundo e lembrar que somos humanos, foda-se que genital temos no meio das pernas, e que o único caminho para uma sociedade minimamente civilizada é estender a mão para que o outro melhore, não agredi-lo.

Provavelmente, não vai acontecer, pois polarização e a lógica da vítima x o opressor gera muitos ganhos secundários, mas, alguém tinha que falar sobre o assunto.

Para dizer que o silêncio dos colegas jogadores em condenar o caso é ensurdecedor, para dizer que estamos passando pano para estuprador (muito pelo contrário, acreditamos que ele deva ser punido pelo Judiciário) ou ainda para dizer que é mais fácil aderir a um dos lados em uma situação preto no branco do que refletir sobre este texto: sally@desfavor.com

SOMIR

Eu não me considero aliado de nenhuma causa que não seja ciência ou tecnologia. Essa é uma escolha consciente, porque mesmo desconfiando de seres humanos, eu realmente gosto do método científico como ferramenta para entender a realidade. Tento não ser fanático, sei que toda ferramenta pode ser usada de forma errada, mas na média é onde deposito minha confiança nessa vida.

Isso, e é claro, em pessoas que eu conheço bem. Quando surgiu a primeira notícia sobre o caso de Daniel Alves, eu tive uma reação relativamente neutra: não acreditava em nenhuma das partes por definição. Homens podem sim estuprar, mulheres podem sim mentir. Isso fica ainda mais confuso quando o homem é uma pessoa famosa com muito dinheiro.

Não conheço nenhuma das partes para atestar caráter, então, que a investigação e as evidências encontradas descrevam o que realmente aconteceu. Pedi para a Sally descrever melhor o caso no texto dela, porque ela tendo saudades de trabalhar com isso ou não, ela trabalhou com isso e sabe reconhecer melhor os fatores importantes numa ação.

E esses fatores surgiram. A partir do momento que ficamos sabendo da solidez da acusação e as evidências que corroboram com a versão dela, só uma reviravolta muito inesperada para livrar Daniel Alves. Eu já estava muito convencido que a mulher falava a verdade antes de encontrar eco na visão da Sally (por ter experiência jurídica, não por ser mulher), agora então…

Percebem que no meio desse processo de fazer senso da notícia eu não precisei discutir relações de poder entre homens e mulheres, patriarcado, feminismo e nem mesmo percepção sobre os envolvidos? Polêmicas podem existir em diversos assuntos, não quero uma sociedade que as evite completamente, mas que elas pelo menos tenham alguma substância.

Nesse caso, a ferramenta de investigação e decisão do Estado (espanhol) está funcionando. Estamos recebendo informações sólidas que não precisam ser modificadas por percepções internas sobre como homens e mulheres agem. Eu não quero viver num mundo onde as pessoas acreditam ou desacreditam nas “minas”, eu quero viver num mundo onde essas ferramentas básicas de aplicar método científico e tirar conclusões baseadas em evidências são a norma.

E por mais que possa incomodar nosso senso pessoal de justiça e as emoções que atribuímos aos casos, que a presunção de inocência seja mantida até o fim. Se a única coisa que corroborasse com a acusação dessa mulher fosse seu testemunho e as evidências não apontassem na direção dela realmente ter sido estuprada naquela boate catalã, não é justo que o Estado tenha preferidos. Mas esse não é o caso, esse não é nem perto de ser o caso.

Não tem polêmica. Não tem discussão sobre o comportamento de homens e mulheres, não tem nem mesmo contexto histórico sobre a relação entre os sexos. O caso é esse, as evidências são essas, e com base nessas informações, é muito provável que a justiça seja feita e Daniel Alves seja exemplarmente punido pelo seu crime.

Nem precisava que a moça quisesse se manter anônima e tenha recusado resolver a questão com dinheiro, mas ela ainda foi lá e fez isso. Espero que ver a justiça sendo feita evite o pior do trauma na cabeça dela. Espero que mais vítimas de violência sexual se sintam encorajadas a denunciar na hora, mesmo sendo um sacrifício (porque é, e eu não desejo ter que fazer essa força para ninguém), para que pelo menos os bandidos que andam por aí com certeza de impunidade tenham casos sólidos contra eles.

Porque respostas eficientes do Estado ajudam a reduzir essas polêmicas vazias de rede social. Com casos bem fundamentados as pessoas que colocam ideologia furada na frente da lógica básica são expostas: quem fica defendendo Daniel Alves mesmo com a montanha de evidências contra ele está declarando que tem algo de podre na cabeça. Quem queria ver ele sendo punido sem dar a menor atenção para as evidências também.

São milhares de anos refinando nossas ferramentas de vida em sociedade justamente para evitar que respostas emocionais do tipo definam quem será punido ou inocentado. Polêmica e gritaria nunca nos ajudaram no caminho rumo à justiça, análise fria das informações e aplicação racional das leis sim. Ninguém está melhorando o mundo no qual vive ignorando o método científico ou mesmo o método jurídico. Estão só fazendo barulho porque gostam de se ouvir.

Se você tem raiva de homem ou mulher, você tem um problema, não todos os homens ou todas as mulheres. E pior, ao propagar essa raiva, você coloca mais barulho ainda num mundo dado à confusão. Isso não só atrapalha o caso que você comenta no momento, como ainda pode complicar outros que não está vendo. Eu não precisei ser aliado de mulher para enxergar a situação indefensável de Daniel Alves, da mesma forma como não precisei ser inimigo para me informar antes de acreditar na versão dela.

Isso vai mais longe do que este texto, mas a minha impressão é que as pessoas tem mania de achar que o mundo começou ontem, que não tem milhares de anos de pensamento, tentativa e erro em cada um dos sistemas que regem nossas vidas. Podemos e devemos achar formas de melhorar esses sistemas, mas é insanidade achar que a sua reação emocional momentânea tem peso comparável.

Quando o sistema funciona, a gente tem que dar um passo para trás na nossa necessidade de ter opinião sobre tudo e deixar as coisas seguirem seu rumo. Repito: não tem polêmica nesse caso, tem uma investigação que complicou imensamente a vida do jogador de futebol, e que corroborou muito com a palavra da vítima.

Contra fatos não há argumentos, nem mesmo polêmica e sentimentos.

Para dizer que eu sou “mangina” por achar estupro algo errado, para dizer que a culpa é das mulheres, ou mesmo para dizer que a culpa é dos homens: somir@desfavor.com

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Comments (8)

  • Adorei a expressão “terraplanismo social”, Sally . Vou até anotar pra não esquecer e, com sua licença, utilizar em futuras ocasiões oportunas.

  • Parece bicho. A mulher perdeu a mãe e o meliante foi atrás de problemas na rua. Pq não contratou uma gp? Isso é o ego.. não sabem tomar um não..como assim uma mulher não quer dar para esse princeso gente?!

    • Pena que a sociedade parou de discutir castração química. Pra esses bichos no cio não tem outro remédio não.

      • Não adianta nada. Tem inúmeros estudos feitos em países que adotaram. Estuprador castrado quimicamente usa dedo, usa língua e até enfia pedaço de pau ou outros objetos na vítima. O que sacia uma estuprador é subjugar a vítima, e isso ele pode fazer até castrado.

  • Ele ter sido agredida fisicamente (não sei de que forma) tbm pesa muito contra ele. Se não fosse a agressão e no primeiro depoimento ter dito que foi consentido, provavelmente teria se livrado. Como na maioria dos casos de estupro. Ainda por cima é burro.

    • Esse Daniel Alves é um idiota.! Jogou a carreira e o prestígio fora e desgraçou e a própria vida em 15 minutos só por causa de uma buceta! Vai ser burro assim lá na puta que o pariu! Isso sem falar nos muitos vídeos que circulam pela internet com entrevistas antigas dele em que os títulos insinuam que ele talvez estivesse cheiradaço…

  • Esse ai se fodeu e foi bonito. 3:)
    Vai lá campeão. Vai achando que dinheiro compra tudo. No Brasil pode até funcionar, mas na gringa não é tão molezinha quanto é por aqui.

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