
Torcida mortal.
| Somir | Flertando com o desastre | 15 comentários em Torcida mortal.
Quase todo mundo já deve ter visto o caso do petista assassinado por um bolsonarista na sua festa de aniversário. Na vida real as coisas são sempre um pouco mais complicadas, mas não importa o quanto você tente analisar esse caso, no final das contas, a insanidade da divisão política no Brasil está no centro da questão. Mas… o que é política hoje em dia?
Em termos simples, política deveria ser sobre como o Estado lida com seus cidadãos. Escolher prioridades de onde gastar dinheiro, decidir quais são os problemas que devem ser trabalhados, ter uma visão de longo prazo sobre o desenvolvimento da nação… todas são coisas que precisam ser calculadas em questão de custo e benefício.
Então, se pensarmos puramente em tese, a divisão política no Brasil deveria ser relacionada à discordância entre as escolhas que um lado quer fazer e as que o outro prefere. O pessoal do campo petista quer X, o pessoal do campo bolsonarista quer Y. Estariam disputando para ver quem consegue colocar em prática seus objetivos.
Estariam…
Na prática, eu não consigo ver tanta diferença assim na questão política. As escolhas de Bolsonaro andam muito parecidas com as escolhas que Lula e Dilma fizeram poucos anos atrás. Pode-se argumentar que o presidente em exercício não governa, delegando o país para um grupo específico de deputados e senadores (o Centrão), mas até mesmo isso foi uma escolha: com medo de ser derrubado pelo Legislativo, Bolsonaro aceitou entregar o poder real.
E caso alguém esteja com a memória meio enfraquecida, o governo do Lula teve seu primeiro mega escândalo com o Mensalão, o suborno descarado de deputados e senadores em troca de apoio político. Isso continuou de uma forma ou de outra até o governo de sua sucessora, Dilma. Mas Dilma era bem menos capaz de manter a paz com o Legislativo. Tanto que… sofreu impeachment. Mantenho que não foi golpe, só acho que Lula e Bolsonaro evitaram os seus impeachments igualmente justos com mais habilidade de subornar os legisladores da nação.
Quando você olha mesmo para os governos de um lado e do outro, a diferença não é tão política assim. Lula e Bolsonaro tem estilos muito diferentes, é claro que dá para escolher um lado preferido, mas quando a gente fala de diferença política mesmo, a coisa fica bem mais nebulosa. Bolsonaro falava mal do Bolsa-Família, foi eleito prometendo que não mexeria nele e acaba de dar um aumento ao benefício.
“Somir, menos… o Lula tem outra visão sobre cultura, direitos humanos, etc.”
Sim, tem. Eu não vou tirar isso do ex-presidente e ex-presidiário. Para a média do brasileiro, Lula é até progressista. O problema é que isso não virou política, não? O país que ainda patina na questão do aborto por motivos religiosos imbecis passou quase 20 anos na mão do PT. Virtualmente todos os descalabros reacionários/religiosos da cultura brasileira chegaram no final dos mandatos de Lula e Dilma mais ou menos do jeito que começaram.
Digam o que quiserem do PT, mas eles estavam de fato no poder durante seus mandatos. Tinham apoio popular e o Legislativo comprado. Na prática, o que de tão progressista aconteceu nos governos petistas? A sociedade ficou menos machista, racista, homofóbica por causa de políticas públicas? Porque como alguém que estava presente mentalmente durante todos aqueles anos, eu vi a mídia fazer muito mais nesse sentido do que o governo brasileiro. E eu entendo, o lobby dos religiosos é muito forte. Estamos num país com média de Q.I. abaixo de 90 (num dia bom). Palavra de padre e pastor tem poder.
O que eu não entendo é chamar a briga de petistas e bolsonaristas de questão política. Porque quando as pessoas brigam por causa disso, não são assuntos lá muito… políticos. São presunções sobre o outro, muito pessoais. O petista acha que o bolsonarista é o Hitler, o bolsonarista acha que o petista é o Stalin. E o mais curioso, aposto que a maioria nem deve ter estudado muito sobre esses famosos ditadores, sabem apenas a informação mais popular sobre ambos: eles mataram seus adversários.
Quando a gente olha para o caso da troca de tiros em Foz do Iguaçu, o que tinha de político ali? Duas pessoas atirando não é política, é briga. São dois seres humanos que se enxergaram como ameaças reais. Sim, eu sei que tem um muito mais errado que o outro por ter atirado primeiro, mas essa é a análise das pessoas. E o mais preocupante em linhas gerais é que a eleição brasileira não tem a ver com política agora, tem a ver com as duas pessoas liderando as pesquisas.
Talvez num ambiente menos polarizado, as duas pessoas do caso poderiam se sentar para tomar uma cerveja e conversar sobre política. Poderiam discordar muito, mas com certeza achariam pontos em comum. Uma conversa política de verdade é complexa, cheia de nuances e locais para se encontrar. Porque ela começa de um mesmo lugar: a procura pelas melhores escolhas para o Estado.
Quando é sobre política, já tem uma base comum. Mesmo o aceleracionista, torcendo para o sistema todo pegar fogo, no final das contas quer refazer tudo de uma forma melhor. A base ainda é fazer as melhores escolhas.
Eu argumento que a própria palavra “política” ficou confusa atualmente. Política não é uma preferência pessoal. Política é um conjunto de ideias que vai se adaptando à realidade através de tentativa e erro. Política é uma coisa que muda com o tempo, porque o Estado é feito de pessoas que mudam o tempo todo também. Você pode ter valores pessoais que influenciam sua visão política, mas não tem um “valor político” nato.
Isso é, não tinha. Porque a palavra começou a aceitar a definição de preferência pessoal como significado. É o que a gente fala faz tempo sobre transformar política em time de futebol: torcida organizada não tem política, tem uma preferência pessoal que cria inimigos em quem não tem a mesma. Não existe sutileza em escolher um time, até porque a “graça” do time é estar junto com ele pra sempre, quando ganha e quando perde. Assim as vitórias são mais saborosas. E, é claro, o ser humano adora uma montanha russa emocional.
Um torcedor do Lula e um torcedor do Bolsonaro trocaram tiros em Foz do Iguaçu, e o torcedor do Lula morreu. Troca Lula por Flamengo e Bolsonaro por Vasco e mal teria sido notícia. Porque com gente se matando por futebol a gente meio que se acostumou. A maioria de nós revira os olhos e chama de “malucos” aqueles que se matam por futebol.
Mas não por quem se mata por “política”. Aí fica sério. Mas fica sério porque é sério ou fica sério porque a gente já aceitou essa nova definição de política? São milhões de torcedores de vários times no Brasil, e uma parcela deles realmente está nessa para cometer crimes violentos; só que eles não são a maioria.
Será que a maioria dos torcedores dos candidatos não são iguais? Torce quando vai bem ou quando vai mal, mas no final do dia sabe que não vale a pena se matar por isso. Se você começar a chamar a turma do Lula e do Bolsonaro de torcedores, eu acredito que vai enxergar bem melhor o que está acontecendo.
Política… não… não tem cara de ser o que está sendo discutido. O brasileiro médio não é complexo o suficiente para ter tanta divisão assim. Saiu uma pesquisa recente dizendo que a maioria das mulheres brasileiras é contra o aborto. Esse povo ainda não chegou no ponto de ter política, eu duvido muito que se discuta política nesse país.
Quando você tenta discutir política, a coisa enrosca na hora. Não tem solução mágica, não tem como agradar todo mundo, tem que pagar o preço de todos os erros do passado, tem milhões de interesses conflitantes… discutir política é um terror para quem não está disposto a conversar de verdade, pior ainda para quem acha que estar certo é forma de definir seu valor pessoal.
Discutir futebol é fácil fácil. Você fala bem do seu time e sacaneia o adversário. Diz que o que o seu faz é bom de verdade e todos os títulos do outro foram roubados. Porque discutir futebol é ser injusto para provocar o outro. É engraçado até. Mas se você tem a estabilidade emocional de uma criança, o que infelizmente muita gente tem até a vida adulta, isso vira raiva rapidamente.
O que as pessoas escolheram fazer com política? Pois é.
Lula e Bolsonaro não são adversários políticos. Lulistas e bolsonaristas não são adversários políticos. São times diferentes com torcidas diferentes. A política do país está na mão do Legislativo e vai continuar por muitos e muitos anos. Se você se importa com política, presta atenção em quem vai votar pra deputado e senador. Se você se importa com futebol, escolhe o time da camisa amarela ou da vermelha e comece a gritar!
Para dizer que eu estou equiparando os dois de novo (não só os imbecis que se matam por eles), para dizer que não torce pra ninguém, ou mesmo para dizer que eu estou culpando a vítima (a vítima é o país): somir@desfavor.com
Petralhas não são muito diferentes, por isso eu #PrefiroCiro
Debate para quê?
Todo político mente, e até o final do mandato, ficamos esperando que a promessa da campanha seja cumprida.
O mandato acaba e caímos novamente na triste realidade: fui enganada novamente, não uma vez, incontáveis vezes caímos na mesma conversa vagabunda e mentirosa.
Chega.
Não há representatividade que mereça o meu voto.
A ideia de torcida é precisa (precisão): Eu relativizo os erros do meu candidato e aponto o dedo de cima pra baixo para o erros (os mesmos erros) do candidato “inimigo”.
Depois que se toma partido é difícil mudar. Minha escolha torna-se parte de mim e quando defendo candidato A ou B estou defendendo a mim mesmo. A merda é que na política a gente tem que procurar pensar globalmente (ainda que regional), mas quase ninguém vai fazer o esforço de tentar enxergar o todo e/ou em perspectiva passado, presente e futuro. Importa que eu esteja certo com minha personalidade preferida. É aí que os políticos se esbaldam. Vendem a ideia de ganhos individuais antes dos ganhos comunitários (“picanha e cerveja” ou tenha poder com sua própria arma). O “eu” é mais importante.
Por coincidência, enquanto escrevo isto, ouço alguém lá na rua gritando pra outra pessoa “LULA É UM LADRÃO! LULA É UM LADRÃO!!”. Vamos torcer que não sejam torcedores, porém improvável. O cara tá parecendo muito disposto a convencer o outro disso gritando cada vez mais alto. É só uma versão mais “civilizada” do caso de Foz. Grito é argumento. Tiro é argumento.
Não dá pra esperar muita coisa do debate político quando nem debate há. Uma pena.
“Não dá pra esperar muita coisa do debate político quando nem debate há.” Não poderia ter dito melhor, Vitor.
Seria bom se fosse mentira.
Eu fico meio incomodado quando uma discussão de princípios ganha roupagem de discussão semântica. Sei que é um recurso poderoso, Sócrates que o diga (qual deles?), mas fico sempre com a sensação de que estamos arranhando só a superfície das coisas.
Política não é Fla-Flu, caralho!
Repetindo o que já disse aqui em comentário recente, o professor Floriano de Azevedo Marques Neto, do curso de Direito da USP disse em entrevista no Estadão que “o problema da polarização é achar que o outro tem de ser aniquilado”. Concordo. E ninguém ali quer “resolver os problemas da sociedade” porra nenhuma! Não querem nem sequer estar certos e o que dizem também nem precisa fazer sentido. Ambos só sabem repetir sem parar aquilo que os integrantes de suas respectivas bolhas gostam de ouvir enquanto ficam apontando dedos acusadores para os inimigos.
Se dispor a matar ou morrer por político é o fim da picada…
A bosta das redes sociais ajudaram nisso. Quando eu digo que esse país morreu em 2013 com aquelas manifestações me chamam de exagerado. O Brasil copia TUDO de ruim dos americanos. Absolutamente TODA essa nossa “cultura moderna” e política é copiada dos movimentos de lá. Aconteceu uma engenharia social muito forte na cultura brasileira após essas manifestações de 2013, parece que fomos vítimas de uma “primavera árabe” e nem percebemos.
Os dois lados são muito mais parecidos do que conseguem perceber ou admitir. Assim como para uma das “torcidas”, o termo “facista” é o xingamento-padrão dirigido a qualquer pessoa que discorde de seu ideário; para a outra, “comunista” também é o insulto sempre cuspido na cara de qualquer um que a conteste. E assim o país segue rumo ao abismo, travado entre a esquerda mimizenta lacradora e a direita radical delirante, sem qualquer possibilidade de saída.
Progressista, não progressivo. O contrário deste é abrupto, não reacionário.
Virou uma salada por causa da forma como os americanos usam… eu não sei mais qual é a palavra que funciona.
A importação do jargão realmente causa confusões. O uso do termo “liberal” é um bom exemplo.
E entre mortos e feridos, fodem-se todos.