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Quer pagar quanto?

Quer pagar quanto?

| Desfavor | | 6 comentários em Quer pagar quanto?

Imaginemos a seguinte situação: uma pessoa muito querida sua quebra algo seu sem querer. Pode ser amigo, parente, namorado(a)… o que importa aqui é que a pessoa se prontifica a pagar pelo prejuízo que te deu. Sally e Somir não são de ligar para dinheiro ou objetos tanto assim, mas ao lidar com a situação, a harmonia se quebra. Os impopulares pagam, ou não.

Tema de hoje: se uma pessoa querida quebra algo seu e se prontifica a pagar, você deve aceitar?

SOMIR

Sim. Eu não estou dizendo que eu exigiria o pagamento, eu entendo que acidentes acontecem, e sendo uma pessoa querida, eu sei que não fez de propósito. Agora, a pergunta não é se você fica puto(a) da vida com a pessoa por quebrar um objeto seu, a pergunta é se você aceita que a pessoa pague para te ressarcir do prejuízo.

E embora eu não seja muito preocupado com bens materiais e jamais colocaria preço numa boa relação com outra pessoa, eu acho que se a pessoa insistir em pagar, o mais simples para todos é aceitar. Se a pessoa perguntar pra mim se ela precisa pagar, eu vou dizer não. Se a pessoa disser que ela vai pagar, eu acho mais prático pegar o dinheiro e acabar com a situação ali mesmo.

Minha impressão é que as pessoas complicam demais coisas muito simples. Pra que ficar brigando com alguém dizendo que não precisa pagar? Se eu quebrasse algo pertencente a outra pessoa, eu me sentiria muito melhor pagando por aquilo e dando o assunto como resolvido. Seria melhor não ter quebrado, mas pelo menos existe o conforto de saber que não gerou despesas para outra pessoa.

Se eu ofereceria para pagar pelo objeto com estranhos, nada mais lógico do que oferecer para pagar pelo objeto com pessoas queridas. Elas merecem mais que o estranho, pelo menos pelo ângulo emocional. E se eu oferecer para pagar, eu gostaria de ter minha vontade respeitada. É chato causar problema para os outros, existe uma felicidade inerente em compensar a pessoa e “pagar pelo pecado”.

Como eu entendo o lado de quem quer se sentir menos culpado, eu deixo claro que não tem problema e que a pessoa não precisa pagar, mas não vou ficar teimando com ela. Deixa a pessoa fazer o que ela acha certo. Você nunca sabe o exato estado mental do outro, e eu já aprendi a duras penas que dedução lógica só te coloca em furada na hora de prever o que o outro sente. Escuta o que a pessoa quer fazer e aja de acordo.

Se a pessoa quer me pagar, eu deixo ela me pagar. Pra ela pode ser importante. Talvez ela até esteja num dia onde corrigir um problema, por menor que seja, ajude a melhorar o humor. Curiosamente, essa coisa de evitar ao máximo presumir o que o outro sente e prestar atenção no que a pessoa expressa para tomar decisões foi algo que a Sally me ajudou, e muito, a desenvolver na minha vida. Hoje eu discordo dela por algo que ela me ensinou que eu posso fazer.

Não presuma, preste atenção. Alguém insistindo em pagar pelo o que quebrou é alguém que enxerga importância nesse ato. Quem sou eu para decidir o que tem valor ou não na cabeça alheia? Pra mim pode ser só um objeto que pode ser substituído, pra pessoa pode ser um mal que causou para uma pessoa querida. A relação é de mão dupla: se ela é querida pra mim, é quase certeza que eu sou querido para ela.

E tem algo importante para considerar: eu sou um privilegiado. Nunca fui rico nem nada parecido, mas nunca me faltou o básico. Eu tive a sorte de nascer numa família que conseguiu se manter na classe média durante toda minha infância e vivi com uma rede de segurança muito forte. Eu tive a oportunidade de não ligar muito para dinheiro, e por consequência, para posses e objetos.

Essa é a minha experiência. Pra mim dinheiro nunca foi questão de nervosismo ou insegurança. Ter ou não ter dinheiro para comprar algo não é algo que me incomoda, porque desde criança eu só lidei com dificuldade financeira para supérfluos. Não era a diferença entre ter o que comer ou não, nem mesmo de ter um teto sobre a cabeça, ter ou não dinheiro é algo que acontece na minha vida quando eu estou pensando em algo muito longe do básico. Eu não tenho dinheiro para comprar um carrão zero, mas isso não me dói de verdade: é algo que eu não preciso para viver.

E eu digo isso porque não acho razoável presumir a relação do outro com dinheiro. Tem gente que passou aperto e realmente se dói quando causa prejuízo para o outro, porque ela tem medo que faça falta para a pessoa querida assim como já sentiu falta antes. Tem gente que infelizmente foi criada por pessoas muito mesquinhas com dinheiro, e por mais que tenham evoluído durante a vida, ainda nutrem um medo primal de serem rejeitadas ou maltratadas por causa disso.

Não, eu não vou fazer uma pessoa querida sofrer por causa de um objeto quebrado, nem mesmo se eu não tiver dinheiro para repor, como eu tenho o básico sob controle, quase tudo vira supérfluo. Mas o jeito que eu penso não se traduz automaticamente na cabeça do outro. Se a pessoa está teimando em pagar, é porque tem algo ali. Se eu for negado uma vez na minha oferta de pagar por algo que quebrei, aceito e sigo em frente. Se a pessoa insiste, tem algo na cabeça dela que funciona diferente da minha.

E aí, faz mais sentido aceitar o dinheiro e tirar dela essa preocupação. Se dinheiro resolver o incômodo dela, o dinheiro teve sua função. Aliás, isso também tem a ver com a relação que temos com dinheiro: se passar um PIX ou entregar algumas notas para alguém resolve uma situação ruim, que seja. Dinheiro pode ser um facilitador de relações nesse sentido.

Se a pessoa pagar e ficar de bem com a vida depois disso, talvez seja até melhor do que não gerar uma dívida pra ela. Pessoas são diferentes, às vezes é melhor só aceitar a diferença e tocar a vida em frente. Dinheiro é uma ferramenta na sociedade, que pode ser usada de diversas formas, muitas delas bem construtivas para relações. Se alguém se oferece para pagar minha conta, eu sempre aceito, por exemplo. Não precisava, mas se aquela pessoa acha a ideia de pagar a conta um presente para mim, eu aceito. É tão chato quando uma pessoa querida não aceita um presente seu…

Eu uso o seguinte padrão para tomar essa decisão: se a pessoa pergunta se precisa pagar, ela tende a ficar mais feliz se você disser não. Se a pessoa afirma que vai pagar, ela tende a ficar mais feliz se você disser sim. Eu nunca tive problema relacionado a dinheiro com amigos, parentes e namoradas até hoje, então acredito que seja uma boa estratégia.

Para dizer que eu sou um sovina muito bem disfarçado, para se perguntar se precisa pagar sua mensalidade do Desfavor, ou mesmo para dizer que não é à toa que não somos ricos: somir@desfavor.com

SALLY

Se uma pessoa querida quebra uma coisa sua, sem querer e sem ter culpa alguma, e quer te pagar pela coisa que quebrou, é correto aceitar?

Não acho correto aceitar, acidentes acontecem, faz parte do risco inerente a convidar alguém para a sua casa ou emprestar algo a alguém. Acho bem mesquinho que uma pessoa próxima e querida tenha que pagar pelo que quebrou.

Percebam que na premissa a gente fez questão de, além de especificar que não se trata de uma pessoa qualquer (e sim de uma pessoa querida), colocar “sem querer” e “sem ter culpa”. Isso significa que a pessoa não tinha a intenção de quebrar e que tomou todos os cuidados para que isso não aconteça. Não é como se a pessoa estivesse fazendo malabares com os copos da sua casa, ela não errou em ponto nenhum, não foi imprudente nem negligente, simplesmente aconteceu um acidente que poderia acontecer com qualquer pessoa.

Se alguém se pendura bêbado no lustre da minha casa e o quebra, vai pagar sim, pois fez merda, se comportou de forma desrespeitosa e faltou com o cuidado. Mas, se foi algo totalmente imprevisível e inevitável, faz parte do meu pacto de amizade que a pessoa não precise pagar.

Bens materiais que são passíveis de uso são regidos por algumas regras: com o tempo de uso eles se desgastam, deixam de funcionar tão bem, podem apresentar defeitos e, por fim, bens passíveis de uso podem quebrar durante o uso, o manuseio. São coisas inerentes à vida. Acontece. Faz parte do jogo.

Quando eu compro copos, por exemplo, eu sei que eles não vão durar 30 anos, eu sei que é questão de tempo até algum quebrar. Eu mesma já quebrei vários. Por sinal, acho que nada hoje dura 30 anos, pois estamos da era da obsolescência programada: as coisas são mais baratas, mas são feitas para durar pouco.

Pois bem, se eu entendo que bens materiais de utilização frequente tem qualidade cada vez menor e é inerente à sua utilização que eles quebrem, cedo ou tarde, esse é o caminho natural. Nada fora do esperado acontece quando algo quebra. Se era um desfecho natural e esperado, só por ter calhado de acontecer nas mãos de outra pessoa não me parece justo que ela arque com os custos.

Copos vão quebrar. Não importa na mão de quem, quando você compra copos você sabe que é questão de tempo até ter que comprar mais copos. São acidentes inerentes à vida, ao dia a dia. Obviamente se uma visita joga um copo contra a parede em um surto de raiva, eu vou querer que ela compre outro copo para mim (e pare de frequentar a minha casa), pois nesse caso não foi acidente, foi descontrole. Mas, se foi um acidente, o rico é meu.

Acho que, com pessoas queridas, existem um “contrato” implícito que as coloca acima do resto: elas têm uma série de prerrogativas e privilégios que o resto das pessoas não tem. Um deles é poder frequentar a minha casa. E, frequentar uma casa pressupões alguns desdobramentos: quem transita por uma casa pode, eventualmente, sem querer, acabar danificando algo. Está no “pacote”.

Para ser sincera, acho que se fosse um acidente, onde a pessoa se comportou bem e não fez nada babaca ou irresponsável, eu não cobraria algo quebrado nem mesmo de um desconhecido. São coisas da vida, às vezes, em uma casa, algumas coisas quebram. Se eu não cobraria nem de um desconhecido, imagina de uma pessoa querida! Não acho correto aceitar.

O que não quer dizer que eu não me ofereça para pagar quando quebro algo. Eu sempre me ofereço, pois sei que nem todo mundo pensa como eu. Mas, da mesma forma como eu me ofereço para pagar, o outro tem que respeitar as diferenças e compreender quando eu me recusar a aceitar seu pagamento por algo quebrado. As coisas quebram, e não é culpa de ninguém quando não há intenção ou descuido. Elas simplesmente quebram e isso recai sobre o dono.

“Mas Sally, e se isso incomodar muito, muito, muito mas muito mesmo a pessoa que quebrou o objeto? Você obriga seu amigo a ficar no sofrimento?”. Eu não obrigo ninguém a nada, só não vou aceitar o dinheiro. Nas poucas vezes em que isso aconteceu comigo, eventualmente, quando isso incomodou muito a pessoa, ela acabou indo em uma loja, comprando outro igual e me dando de presente. Mas me dar o dinheiro e pagar pelo estrago? Jamais aceitaria. Não faz sentido que, a título de não gerar desconforto no outro, eu gere desconforto a mim mesma, né?

Na minha cabeça, quando eu não quero que a pessoa pague eu estou dizendo “isso foi um acidente da vida, um acaso, que poderia ter acontecido com qualquer um”. Pode ser cabeça de advogada: se não há responsabilidade, não há pagamento. Não sei de onde vem essa premissa, mas me soa completamente errado aceitar que a pessoa pague pela coisa que quebrou sem querer, sem contribuir em nada para isso.

Eu já acho a situação por si suficientemente constrangedora para acrescentar a tenebrosa cena da pessoa me dando dinheiro depois. Deixa tudo morrer ali. Quebrou? Paciência, a gente limpa, joga fora e segue a conversa, esquecendo desse momento chato. Inflacionar isso, dar atenção a ponto de se transformar em um pagamento? Que horror, eu não vou contribuir para isso!

Quebrou? Acontece. São coisas da vida. Tudo que você tem na sua casa você comprou sabendo que uma hora poderia quebrar. Vida que segue.

Para dizer que se for caro aceita o pagamento, para dizer que não só aceita o pagamento como ainda cobra ou ainda para perguntar como cobra quando a pessoa quebra algo que não está à venda: sally@desfavor.com


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