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Melhor besteirol.

Melhor besteirol.

| Desfavor | | 14 comentários em Melhor besteirol.

Filmes de comédia são tão bons quanto a combinação do senso de humor da equipe que o produziu e o de quem vê. Sally e Somir adoram humor besteirol: quanto mais sem noção, melhor. Agora, na hora de escolher o melhor filme da categoria, a discussão começa a ter graça. Os impopulares decidem quem venceu, ou indicam sua própria bobagem.

Tema de hoje: qual o melhor filme de comédia besteirol de todos os tempos?

SOMIR

Eu vou com o primeiro “Corra que a Polícia Vem Aí!”, estrelado pelo finado Leslie Nielsen, talvez o melhor ator de comédia do tipo que já tenha existido nesse mundo. Nesse tipo de discussão, sempre surgem muitas opções válidas, então vou só tirar isso do caminho: “Apertem os Cintos… o Piloto Sumiu!” e os filmes do Monty Python, pelo menos para mim, estão em outro nível de discussão; acima de todo o resto, como definidores do senso de humor de gerações. Nos resta discutir os filmes mais normais aqui, comédias que são só comédias e não mexem com o inconsciente coletivo da humanidade como os citados mexeram.

E dos normais, apesar de ser muito fã do filme que a Sally escolheu, eu continuo achando a saga do policial Frank Drebin foi das coisas mais engraçadas já colocadas numa tela até hoje. A tática de transformar TUDO em piada, o TEMPO TODO, tinha toda cara de algo que se tornaria cansativo, mas como os próprios criadores do filme já tinham atestado com “Apertem os Cintos…”, se você fosse capaz de acertar no alvo com cada uma das piadas pela duração total do filme, era possível sim.

Sim, os irmãos Zucker são os criadores desse filme também. Depois de “Apertem os Cintos…” (1980) e “Top Secret!” (1984) – que também é um filme hilário e muitas vezes esquecido – eles criaram uma série para a TV chamada “Esquadrão de Polícia”, que era basicamente a mesma premissa de acompanhar o trabalho da polícia com a lente de insanidade deles.

Por incrível que pareça, a série não deu muito certo na TV americana, se você vir os poucos episódios que foram ao ar, vai se perguntar o porquê: é o humor deles que funcionou nos cinemas. Uma das gags mais brilhantes da série é a brincadeira com a cena final do episódio, havia o hábito nas séries americanas de pausar a última cena para mostrar os créditos. A série dos Zucker fazia a mesma coisa… mas com a câmera rodando.

A série não vingou, mas eventualmente a ideia foi transplantada para um filme. E o filme foi um megassucesso, pelo menos para um filme de comédia. The Naked Gun (nome original) era a série transformada num filme longa-metragem, com Leslie Nielsen estrelando junto com algumas personalidades famosas da época, como Priscilla Presley e até mesmo o jogador de futebol americano O.J. Simpson, que era garantia de simpatia na tela antes de ser acusado de matar a mulher a facadas.

A grande sacada do humor dos irmãos Zucker é apresentar um mundo relativamente normal em estrutura, com personagens até que realistas e centradas, mas diante de situações progressivamente mais insanas. Leslie Nielsen foi o ator perfeito para seus filmes: ele nunca tenta ser engraçado, ele tenta entregar todas as cenas com a expressão mais banal possível. Ninguém faz caras e bocas para fazer humor, todo mundo nesses filmes se esforça para não acusar a insanidade ao seu redor.

E aí, o humor não precisa te contar uma piada. Você ri por algo que você está percebendo na cena, não porque a cena tentou te fazer rir. É uma sutileza incrível por trás de puro pastelão. O roteiro do filme não precisa ser hilário na premissa, os atores e atrizes não precisa se esforçar para entregar as piadas no diálogo, tudo vai ser feito pelas cenas. A premissa desse filme é que um jogador de beisebol controlado mentalmente tenta matar a rainha da Inglaterra e o policial protagonista precisa impedir.

Se você quiser escrever esse roteiro sério, ele sai numa boa. Sim, todos essa análise serve para “Apertem os Cintos…”, mas “Corra que a Polícia Vem Aí!” foi um fenômeno cultural ainda maior. Foram duas continuações, com plateias e receitas cada vez maiores. Eu argumento que só não tivemos mais e mais filmes por causa de O.J. Simpson, que era parte integrante do elenco e caiu em desgraça com o julgamento mais famoso da história dos EUA.

Uma das coisas que eu mais gosto nesse filme (e por tabela no estilo mais puro dos irmãos Zucker) é que toda cena é cheia de piadas. Tem a cena principal do roteiro rolando, mas eles encaixam piadas no fundo da cena, na forma como a câmera se move, nos figurantes… não é um humor que depende muito de cenas anteriores para funcionar. Qualquer cena perdida do filme é como se fosse um roteiro curto, que funciona dentro da lógica do filme, mas que ao mesmo tempo pode ser vista de forma separada e ainda funcionar.

Você pode ver o filme cinco vezes e ainda pegar piadas que não tinha percebido da primeira vez, e muitas vezes não tem absolutamente nada a ver com a história. Tenho que admitir que até por causa da época em que o filme foi lançado, muita gente (mais nova) vá perder uma parte da sátira política e social, como por exemplo na abertura: quando Drebin invade uma reunião com os “vilões” do mundo em Beirute, espanca todo mundo desde o Aiatolá Khomeini do Irã até mesmo Mikhail Gorbatchev da União Soviética, e depois diz que nunca mais quer vê-los na América. É pastelão, besteirol, mas ao mesmo tempo sutil ao mencionar a política imperialista americana.

Tem mais: é uma relíquia do tempo em que as pessoas podiam fazer piadas. O filme que a Sally escolheu, por mais incorreto que seja, já é de um tempo em que a preocupação com ofender existe. As piadas dependem de um contexto social politicamente correto para realmente funcionarem. No tempo de “Corra que a Polícia Vem Aí!”, as piadas eram julgadas por serem engraçadas ou não. Sabemos que basicamente tudo o que entrou ali foi pelo filtro de ser engraçado ou não se engraçado, que se exploda quem ficasse ofendido. Eles só tinham que evitar excessos de sangue e nudez nas cenas, o resto passava direito no final dos anos 80.

Faz bem ver humor do tempo em que não tínhamos histéricas e feministos querendo decidir pelo resto da humanidade o que é engraçado ou não. Se as pessoas dão risada, é uma boa piada. Por mais que muita gente ainda faça humor quebrando barreiras atualmente, é tudo muito baseado na treta da vez da rede social.

Veja os filmes dos irmãos Zucker (até o ano 2000, depois cortaram as asinhas deles) e se lembre do tempo que piada era piada.

Para dizer que vai ver todos, para dizer que o filme que eles fizeram com o pessoal do South Park é ainda melhor (é muito bom), ou mesmo para dizer que besteirol é humor de plebeus: somir@desfavor.com

SALLY

Qual é o melhor filme de comédia besteirol de todos os tempos?

Trovão Tropical (Tropic Thunder, no original). Um filme que não recebeu a atenção que merecia, uma das melhores comédias de todos os tempos. Se alguém tiver curiosidade em ver, está disponível em qualquer site de streaming ou na Amazon Prime. Não é um filme novo, ele nasceu praticamente na mesma data que o Desfavor, ou seja, quase 15 anos atrás. Mas é o que de mais engraçado/ousado se fez até aqui.

Trovão tropical é um filme que satiriza outros filmes e alguns clichês, mas, basicamente, é um filme que não se leva a sério. O roteiro é basicamente o seguinte: um veterano da guerra do Vietnã que perdeu as duas mãos em combate e escreveu um livro sobre seus dias no front de batalha (chamado “Trovão Tropical”) e este livro é transformado em filme. As filmagens desse livro são o desenrolar de Trovão Tropical.

O título “Trovão Tropical” é uma brincadeira com a “Tropic Litghtning”, apelido dado à 25ª Divisão de Infantaria que participou da 2ª Guerra Mundial e das guerras da Coréia, Vietnã e Iraque. Esta divisão ficou famosa por inspirar a maioria dos filmes de guerra da época, como por exemplo Platoon.

Trovão Tropical tem um baita elenco. O papel principal é de Ben Stiller, que interpreta o personagen Tugg Spedman. Stiller faz o papel de um ator ruim, mimado e burro, segundo ele, inspirado no jovem Sylvester Stallone. Tugg Spedman é um ator de filmes de ação, que tentou fazer filmes mais sérios e foi ridicularizado por isso. Seu maior fracasso é um filme chamado “Simple Jack”, onde ele interpreta um deficiente mental de forma muito caricata e engraçada, o que rendeu boicotes a Trovão Tropical e até processos.

Robert Downey Jr interpreta Kirk Lazarus, um ator australiano loiro de olhos azuis que decide fazer uma metamorfose corporal para interpretar um personagem negro e passa por uma cirurgia para “enegrecer” sua pele e poder interpretar o papel. Sabe o que isso significa, né? Temos um Robert Downey Jr. negão o filme todo!

Obviamente, ele sofreu todo tipo de crítica e boicote por isso, sendo acusado de “black face”, quando, na verdade, sua crítica era justamente essa: quão ridículo é querer parecer uma coisa que você não é. Segundo Downey Jr. seu personagem é uma combinação de Russell Crowe, Colin Farrell e Daniel Day-Lewis. Mesmo com a polêmica, Robert Downey Jr. foi indicado como melhor ator coadjuvante para o Oscar, para o Globo de Ouro e para o BAFTA.

Jack Black interpreta Jeff Portnoy, ele é um ator comediante viciado em drogas, desacreditado por só fazer filmes de humor baseado em peidos, que tenta cavar um papel dramático para ser levado a sério. Para fechar o pelotão temos Brandon T. Jackson, que, no filme, interpreta o ator Alpa Chino, um rapper que está tentando se tornar um ator, que insiste em cultivar fama de pegador mas na verdade é gay.

Como se desenrola o roteiro: o diretor do filme está puto com Tugg Spedman, Kirk Lazarus, Jeff Portnoy e Alpa Chino pois os quatro atores são péssimos de interpretação, são mimados e estão atrasando as filmagens. Ele é cobrado pelo executivo de Hollywood Les Grossman (personagem criado e interpretado por Tom Cruise) para acelerar as filmagens ou o filme será cancelado.

O autor do livro que inspira o filme, John Tayback (interpretado por Nick Nolte) cansa de tanto estrelismo e sugere que o diretor jogue os atores no meio da selva, sozinhos e filme como eles se viram para sobreviver. O diretor manda instalar câmeras escondidas no meio da selva e abandona os quatro atores lá. E aí é que o filme realmente começa.

Obviamente, dá tudo errado, com muito humor negro e politicamente incorreto. Eu não vou contar mais nada sobre a direção que o roteiro toma daqui para frente, pois é muito mais engraçado, surpreendente e grotesco ver sem spoiler. Só vou dar algumas dicas de cenas que merecem destaque.

A intepretação de Tugg Speedman (Ben Stiller) de “Simple Jack” é uma das coisas mais engraçadas (e ofensivas) que já vi em matéria de humor com deficientes mentais. Para piorar, em uma cena, ele reclama da falta de reconhecimento do filme com Kirk Lazarus (Robert Downey Jr.) e Lazarus explica que, para ganhar um Oscar, um ator deve interpretar um personagem “parcialmente retardado”. Ele cita Rain Man, onde o retardado sabia “contar palitos” e usa uma frase que virou até Meme: “Never go full retard”.

E, vejam bem, “Corra que a polícia vem aí” é um ótimo filme. Se a pergunta fosse sobre os clássicos da comédia, ele seria meu escolhido. Mas, o que esse filme fez, muitos outros fizeram, tão bem-feito quanto: Apertem os cintos o piloto sumiu, Loucademia de polícia e tantos outros.

A questão é: fizeram algo além depois, algo que empurrou a linha do que se pode fazer/dizer mais para frente. Trovão Tropical é o último filme de comédia que eu vi tendo a coragem de empurrar essa linha, por isso, meu voto vai para ele.

Um filme que ousa mostrar um Robert Downey Jr. negão, um Tom Cruise careca e barrigudo, um Ben Stiller full retard e até um Matthew McConaughey fazendo um papel bem secundário merece meus aplausos.

Um último conselho: antes do filme começar, há trailers de outros filmes e produtos estrelados por Tugg Speedman, Kirk Lazarus e Jeff Portnoy, jogados, assim, sem qualquer explicação. Vale a pena revê-los depois que você já viu o filme e está familiarizado com os personagens.

É isso, Trovão Tropical reúne tudo que eu gosto em um filme de comédia: não se levar a sério, fazer humor que desafia os limites do humor, piadas politicamente incorretas, rir de si mesmo e um elenco maravilhoso. Assista hoje, me agradeça depois.

Para dizer que achou uma merda, para se perguntar como é que você ainda não tinha visto esta obra prima ou ainda para dizer que vai começar a usar a frase “never go full retard”: sally@desfavor.com


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