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Aberração culinária.

Aberração culinária.

| Desfavor | | 40 comentários em Aberração culinária.

O brasileiro é conhecido pela sua criatividade, muitas vezes doentia, na hora de adaptar a culinária mundial. Sally e Somir não toleram grande parte dessas liberdades tomadas pelo povo tupiniquim, mas discordam sobre qual é maior ofensa de todas. Os impopulares compartilham suas receitas.

Tema de hoje: qual a maior atrocidade gastronômica do brasileiro?

SOMIR

Eu fiquei em dúvida sobre falar de pizza ou de concordar com a Sally. Brasileiro adora inventar moda e misturar tudo o que é capaz de mastigar e engolir achando que está sendo criativo. Mas aí eu pensei em tocar numa instituição quase que sagrada deste povo: o churrasco.

Veja bem, é uma escolha sobre qual a pior característica da culinária: o excesso de invenções ou fazer as coisas malfeitas. Eu até tolero um pouco de invenção, às vezes saem coisas boas, mas o que o brasileiro médio faz com o churrasco é puro descaso mesmo.

É claro que eu entendo que carne custa caro e vivemos num país de pronunciada desigualdade social, mas até por isso eu acho um absurdo perder tanta carne nesse ritual dantesco que o povo chama de churrasco. Não é toda carne que funciona direito com esse tipo de cozimento na base de carvão! E isso deveria ser evidente: não teriam inventado panelas se carne sempre ficasse melhor sobre a lenha.

Mas o brasileiro é teimoso: qualquer coisa vai para a grelha, e o resultado final pouco importa. Algumas carnes tem alto índice de gordura intramuscular, o que favorece o cozimento no fogo aberto: a gordura derrete e dá sabor à carne, mantendo sua maciez no processo. Algumas até podem ser mais limpas, mas tem uma camada de gordura generosa que resolve o problema, como é o caso da picanha.

Infelizmente, a maioria das carnes que funcionam muito bem com churrasco são caras. Ou mesmo quando não são, exigem conhecimento mais aprofundado para serem feitas da forma correta, às vezes com um cozimento muito lento. O brasileiro liga pra isso? Claro que não. Compra o máximo que puder da carne mais barata que acha e arremessa ela sobre uma grelha qualquer.

Aqui entra a mentalidade bizarra de fartura a qualquer preço. Talvez seja algo mais comum em países pobres, ou mesmo um reflexo indireto de viver num dos continentes com maior fartura de alimentos do mundo (brasileiro não sabe como é mimado com oferta de variedade de alimentos), criou-se a cultura que o banquete é o objetivo final. Quanto mais você tiver de comida, melhor. A qualidade dela fica em segundo plano.

Churrasco de brasileiro é planejado para empanturrar todo mundo. E sim, mesmo aqueles que são ruins de carne normalmente substituem o alimento pela bebida. Você tem que sair passando mal, nem que seja de quantidades industriais de cerveja barata. Quantidade está acima de qualidade. Até por isso a carne brasileira não é das melhores.

Quem já teve oportunidade de comprar carne uruguaia ou argentina sabe que parece que vem de um universo paralelo onde você não precisa mastigar setenta vezes um pedaço de carne antes de engolir. O brasileiro não vegetariano deve ter uma das mandíbulas mais poderosas do mundo, padrão pitbull depois de ver uma criança.

Eu falo das carnes dos nossos vizinhos próximos para explicitar como é uma questão de escolha mesmo. Naquelas bandas carne dura não é tolerada, e os produtores têm que focar em mais qualidade. Já por aqui, é normal vender qualquer porcaria desde que tenha cor de carne. O Brasil é um dos três maiores produtores de proteína animal do mundo, os melhores exemplares são exportados e nós ficamos com os restos. Como o povo está treinado a fazer churrasco com o máximo da pior carne possível, esse esquema continua funcionando.

Isso quando se importam com volume de carne, boa parte dos churrasqueiros brasileiros só estão nessa pelo álcool mesmo. Como sabem que a maioria dos presentes são selvagens que comem qualquer coisa depois de bêbados, e mulheres que em sua imensa maioria comem apenas carne carbonizada, abrem mão do foco do evento fazendo um monte de coisas bizarras como maioneses, saladas e quantidades absurdas de farofa para encher a barriga das pessoas que começam a reclamar da fome. Claro, até a maioria estar bêbada e mais preocupada em fazer uma competição de pior gosto musical possível.

E aí talvez um incômodo mais pessoal: embora a gordura tenha efeito em dar sabor e maciez para a carne, nunca vi povo tão animado para ficar mascando chiclete de gordura como o brasileiro! Metade da carne costuma ser gordura com gosto de sebo, e com a mania de cortar minúsculos pedaços de cada pedaço de carne “para durar mais”, se você tem alguma intenção de saborear a carne, tem que ficar pescando um pedaço que não seja branco da tábua. Até algum bêbado chato te chamar de fresco por não querer comer a mesma lavagem que ele acha aceitável. Eu desejo muito sofrimento para o maldito que inventou de fazer cupim no churrasco. Se eu quisesse morder gordura, eu achava uma gorda masoquista para namorar.

Podem me xingar, eu não ligo mais: eu levo em consideração a classe social da pessoa para decidir se vou ao churrasco dela ou não. Sim, gente endinheirada também bebe até vomitar e dança funk no churrasco, isso já é inevitável hoje em dia, mas pelo menos eu sei que um ou outro pedaço de carne com gosto de carne. Normalmente é só pose do anfitrião, mas serve para ter alguma coisa pra comer. E eu sei que mesmo se eu levar um corte mais nobre, não vai ter um desgraçado para arremessar na churrasqueira e depois servir micropedaços da carne que parecem ter saído de uma balada na boate Kiss.

O único churrasco que presta é o que você faz com pouca carne e companhia muito limitada. Se o evento tiver uma pessoa que você não conhece a pelo menos uns cinco anos, vai ser uma merda. Brasileiro se orgulha muito do churrasco que faz, mas quase sempre sem nenhum mérito.

Hereges.

Para me chamar de fresco, para dizer que churrasco é pra beber e só, ou mesmo para dizer que eu nem falei sobre 90% da carne ser linguiça barata: somir@desfavor.com

SALLY

Qual é a pior atrocidade gastronômica do brasileiro?

São muitas, mas muitas mesmo. O brasileiro é um desgraçado quando falamos em culinária. Não importa o prato, é uma orgia de carboidrato (batata, arroz, farinha, tudo junto, tudo muito. É over. Tudo é over. Aquele cachorro-quente que só falta colocar pipoca. Ketchup em tudo quanto é canto. A porra da feijoada, com direito a meter não uma, mas duas frutas no prato salgado (banana e laranja) e tantas outras.

Mas tem uma que eu acho mais grave: as derivações que fazem da culinária japonesa. Quer ser um povo bosta que come restos? Vai lá, faz a sua feijoada, como o cu do porco enquanto chupa uma laranja, mas não avacalha com a cultura alheia. Enrolar arroz no bacon, colocar picanha no meio e chamar de sushi é sacanagem.

As atrocidades vêm em diferentes níveis. Primeiro começou com condimentos inadequados. Pessoas com a mente em um lugar muito ruim começaram a botar maionese, ketchup e mostrada em sushi e sashimi. Ruim, péssimo, porém ainda existia a possibilidade de que quem aprecia a culinária japonesa de verdade pudesse comer uma boa refeição: o prato chegava à mesa puro, imaculado, ele apenas era corrompido pelo consumidor.

Depois começou a avacalhação total, que praticamente impede que se coma culinária japonesa correta no Brasil (que é a mais gostosa). Hoje, salvo honrosas exceções, servem o mesmo peixe em tudo quanto é canto, o que varia é o corante que esse peixe come em cativeiro: se vão te vender como salmão, dão um corante laranja, se querem te vender como atum, dão um corante roxo.

Isso faz com que todos os peixes tenham o exato mesmo gosto: de sabão. Pouco importa, o brasileiro mergulha o peixe no molho shoyu como Tétis mergulhou Aquiles no Rio Estige: fica só o calcanharzinho da fatia de fora, o resto vai ensopado para a boca. Aproveita e molha o arroz no shoyu (em vez de molhar apenas o peixe) e deixa absorver bem o líquido, que é para o seu corpo ter tanto sódio que no dia seguinte nem o anel entra no dedo. HORROR.

Ah, mas se fosse só isso… A coisa continuou a desandar. Acho que quando o brasileiro viu que não haveria resistência, que o Japão não declararia guerra nem nada, ele pensou “ok, dá para esculachar”. Aí, meus amigos, o céu é o limite: sushi no copo, sushi doce, “jatopeia” (dá um Google e chora) e coisas ainda piores.

Foda-se. Bora colocar salsicha no sushi. Vamos meter maionese. Vamos fritar o sushi inteiro e servir ele à milanesa. Foda-se, foda-se, foda-se. Japão tem receio de treta desde que tomou uma bomba atômica, pode escrotizar eles à vontade, pega nada não. Bota morango e calda de chocolate por cima do arroz, é certeza de impunidade!

Para que algo seja chamado de “sushi” basta que seja em formato de rolo ou cone e tenha arroz, no meio. Por cima você bota o que quiser: picanha, pesto ou porra de girafa, não importa. É sushi. No Brasil tudo é sushi. Se você começar a usar arroz como mais um ingrediente dos hediondos cachorros-quentes de rua, ele passa a ser considerado sushi.

E, já que se perdeu completamente a vergonha na cara, o medo e respeito, vamos dar um passo além. Vamos enfiar fruta na comida salgada! É chique! Vai lá, bota maracujá no sushi. Faz pior, converte o sushi em um doce e faz bolo de sushi, misturando “salmão” e morango! Pega a porra do gengibre, que está no cantinho destacado justamente para isso não acontecer, soca por cima do sushi e come!

É identidade cultural que se procura? Toma então, sushi com miojo dentro! Tudo muito japonês! Pega o wasabi e faz uma laminha gororobenta com o molho shouy, de modo a que os restaurantes de cansem de tanto limpar toalha de mesa manchada, se rendam, e passem a oferecer a mistura já pronta. Faz sushi de sushi, um Inception Fail onde o recheio do sushi é… outro sushi.

E quando o brasileiro, racionalmente, compreendendo o que está fazendo, decide “dar um toque” brasileiro ao sushi? Ele sabe que aquilo não deveria estar ali, mas o paladar aberrante de um povo que vai a outros países para comer fast food demanda que a comida seja uma abominação gustativa. Vai lá, coloca pimenta biquinho por cima de algo que já leva pimenta. Bota Doritos picado por cima do sushi. Coloca cheddar, o favelizador oficial de qualquer prato. Faz um enroladinho de ricota e chama de sushi!

Eu só vou falar por um móvito: está no Google, eu tenho provas. Fizeram uma coxinha de sushi. Já a pizza de sushi tem dois patamares de desrespeito: um grande sushi em forma de pizza, grande e amassado (ruim) e uma pizza mesmo, com massa, molho de tomate e queijo com uns sushis jogador por cima (inaceitável). Tem até sushi de feijoada (feijão mastigado envolto em couve refogada).

Você sabe que a coisa passou completamente dos limites quando é preciso começar a explicar entre parênteses o que é aquilo, pois uma pessoa de plena posse de suas faculdades mentais não consegue nem sequer entender o que diabos seria um sushi de feijoada. Fondue de sushi. Sabe o que é? Não sabe, pois o seu cérebro não possuí uma disritmia gastronômica para pensar em uma atrocidade dessas: faz um sushi com morango no meio e mergulha em uma panela com chocolate quente.

Tem a sopa de sushi. Você faz tipo um pirão de peixe, uma coisa meio líquida, meio pastosa (ainda acho que é maisena, água e caldo de peixe) e coloca sushizinhos boiando quando estiver bem quente. E nem me façam começar a falar dos Temakis. Os Temakis, como os conhecemos, nem são parte da culinária japonesa, mas abominações como o Strogomaki (arroz enrolando em alga com estrogonofe e batata palha no topo) é um combo que ofende mais de uma nação. Talvez Putin tenha declarado guerra depois de ver um desses e ficar de péssimo humor.

Eu juro, eu vi essa semana um TEMAKI NO OVO. Um “ovo de Páscoa” cujo recheio é uma gororoba de peixe cru, maionese e cebolinha. Para fechar, temos o sushi burguer: arroz moldado no formato de mão de hambúrguer, frito à milanesa + peixe cru misturado com maionese + outro arroz/pão.

É POR ISSO QUE OS ETS NÃO VÊM. Eles olham e pensam “não há qualquer condição, vamos para outro planeta”. Aí ainda fica filho da puta dizendo “se houvesse vida inteligente, já teriam entrado em contato”. Você acha? Você realmente acha?

Querem comer comida bosta? Façam com os pratos do seu país, ou, se pegarem a culinária estrangeira como inspiração, chamem de outra coisa. O que o brasileiro fez com a culinária japonesa é imperdoável. Sushi com azeitona, sushi com passas, sushi com batata palha… Numa boa, se um dia o Japão declarar guerra ao Brasil, eu estou do lado deles!

Para compartilhar outras modalidades de sushi hediondo nos comentários, para dizer que se fosse servir o sushi original como tem que ser o brasileiro não comeria ou ainda para dizer que eu não comentei sobre quem coloca ovo frito no topo do sushi: sally@desfavor.com


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