No final deste ano, o brasileiro vai escolher o próximo presidente. A situação parece bem definida, mas Sally e Somir discordam sobre possíveis surpresas no meio do caminho. Os impopulares respondem a pesquisa.

Tema de hoje: Bolsonaro vai mesmo ser candidato à presidência?

SOMIR

Sim. Uma pessoa mais inteligente e menos teimosa com certeza pensaria em alternativas no complexo jogo político brasileiro, mas, convenhamos: se Bolsonaro fosse capaz de fazer qualquer coisa diferente do primeiro impulso que tem, teria governado de forma totalmente diferente. O fato de continuar falando e fazendo as mesmas insanidades no ano final do seu mandato só indica que ele vai fazer exatamente o esperado dele.

Por isso, parece uma inevitabilidade que ele concorra para presidente. Desde que tenha capacidade física para isso, não parece existir plano B. Até porque normalmente com ele não existe nem plano A. É uma forma mais fluida de enxergar a política, um dia por vez, sempre jogando os dados para ver se vai dar certo. Não nego que exista uma chance de ele ganhar, apesar da vergonha que foi seu governo (se você concordava ou discordava das promessas que fez), o Brasil é terra de quem pensa no curto prazo.

Agora é hora de fazer campanha, manter a sua base de fãs fiéis empolgada para não começarem a procurar alternativas. Como Bolsonaro entregou o governo para o Centrão, tem bastante tempo livre para ficar viajando pelo país e falando mais do mesmo para seu público. Não é uma estratégia de longo prazo, antes que você venha pegar uma inconsistência com o parágrafo anterior: Bolsonaro precisa ser animador de plateia o tempo todo, falando o que os seus eleitores gostam de ouvir repetidas vezes.

Como ele representa um grupo de visões e desejos de um grupo da população que nem sempre se bica, não pode confiar muito na estabilidade “ideológica” de seus futuros eleitores. Eles estão com o Bolsonaro porque conseguem projetar nele a imagem que querem, mas não é como se o presidente fosse muito consistente em suas atitudes. Para tudo isso funcionar, ele precisa ficar entrando em polêmicas o tempo todo, para manter a população dividida e não deixar o seu gado pastar em outras paragens.

Esse é seu modo de operar desde que entrou na vida pública. Provavelmente a única coisa estável nele desde o começo é a defesa da categoria de militares e policiais, seja em forma de vantagens financeiras ou redução de responsabilidades por atitudes violentas. Até por isso, eu entendo muito mais o policial bolsonarista do que qualquer outra categoria: pelo menos para esse público ele costuma ser de confiança.

Para o resto do povo no trem bolsonarista, nunca se sabe em que estação você vai ser deixado. O pessoal do liberalismo econômico viu o trem sumindo no horizonte faz tempo. É assim que o bolsonarismo funciona: vai pegando e deixando pessoas pelo caminho, mas quase sempre só consegue carregar um número limitado por vez. Não é à toa que seus números nas pesquisas de intenção de voto ficam mais ou menos em um quinto da população. É todo mundo que cabe nos vagões. Enquanto ele estiver interessado em manter sua base animada, sabemos que ele quer chegar na eleição. E atualmente ele dá sinais claros disso.

E eu sei que ele vai para as eleições por outro motivo: o fascinante imediatismo futuro. Bolsonaro e seus asseclas colocam em dúvida o sistema eleitoral brasileiro porque precisam de alguma coisa pra fazer caso percam a eleição. Se ganharem, deixa de ser assunto até a próxima eleição, mas se perderem, já sabemos o que vai acontecer: Bolsonaro vai dizer que foi roubado assim como Trump fez. Não tem profundidade agora, tanto que ele bate e assopra no sistema eleitoral brasileiro, mas pode ser útil caso perca.

Se Bolsonaro tivesse a mínima intenção de não tentar a reeleição, falar de potenciais riscos de fraudes nas urnas eletrônicas seria um desperdício de energia. Pra deputado ou senador ele tem votos suficientes para nunca mais sair do cargo, não tem a menor chance de dar errado. Para presidente as chances são bem menores, por isso tem que ter o discurso de fraude pronto para tirar da manga.

Se ele tiver um quinto da população brasileira acreditando nessa baboseira, tem poder de negociação para escapar da cadeia. Temer saiu do poder todo sujo, mas é um excelente negociador político, conseguiu se livrar dos problemas e ainda ter seus brilharecos no governo bolsonarista. Bolsonaro já é mais dado a queimar pontes, e durante a campanha tende a bater muito em quem provavelmente vai assumir o cargo logo depois.

É muito útil ter tanta gente idiota disposta a lutar por você. O próximo presidente não vai querer um país com tanto maluco disposto a se rebelar, vai ter que negociar anistia não-oficial para os crimes do atual presidente. O plano não é necessariamente claro assim nem para Bolsonaro, mas ele vai se mantendo com opções a cada momento. Existe segurança em números. Mesmo que não sejam números suficientes para uma reeleição, são números suficientes para uma narrativa de fraude eleitoral e muita gente acreditando piamente nisso.

Bolsonaro quer seus números. Quer manter pelo menos essa base de 20% dos brasileiros, porque isso o protege das consequências pelos seus atos. Se ele não tentar a reeleição, por mais que acabe virando a pessoa mais votada da história para outro cargo, nunca vai ter o volume suficiente para impressionar aqueles que estiverem pensando em cobrá-lo quando deixar de ter imunidade. Seria demonstrar fraqueza.

O presidente confia mais em suporte popular do que em manobras políticas. Outros políticos não têm o mesmo nível de apoio, por isso se esforçam mais para ganhar suporte em Brasília. E ele só vai ter o peso do voto popular para se escorar se tentar a reeleição. Não se esqueça, pelas intenções de voto, pelo menos uma a cada cinco pessoas nesse país olhou para o governo do Bolsonaro desde 2019 e disse “eu quero mais disso”. É um povo assustadoramente fiel, e enquanto o presidente estiver animando essa gente, eles vão continuar assim.

Esse é o poder do qual ele não vai abrir mão. Um dia por vez, uma polêmica por semana, até chegar na eleição. E lá ele vê que bicho vai dar. O pior que acontece para ele é uma em cada cinco pessoas desse país acreditar que o Lula roubou a eleição. Isso é o suficiente para ter segurança pós-mandato.

Existem planos melhores? Com certeza. Mas desde quando isso foi impedimento para o presidente brasileiro?

Para dizer que a verdadeira fraude é achar que voto resolve, para dizer que ele não vai passar um dia a mais do que o necessário sem o cartão corporativo, ou mesmo para dizer que o brasileiro cansou dessa mosca: somir@desfavor.com

SALLY

Bolsonaro vai ser candidato à Presidência?

Eu já fui muito boa para entender e antever política brasileira. Hoje, felizmente, não sou mais, por não morar mais no Brasil. O que não me impede de opinar, chutar, tentar a sorte, sem qualquer certeza do que estou falando. Hoje eu tento a sorte e digo que não, no final das contas Bolsonaro vai retirar sua candidatura, mas, se você quer meu conselho, fique com a opinião do Somir, que é quem está vendo de perto o que está acontecendo.

Se Bolsonaro não ganhar ele fica sem foro privilegiado e se ele ficar sem foro privilegiado ele vai acabar preso. Por mais que ele seja uma ameba incapaz de entender isso, deve ter alguém que o cerca que possa compreender o que vai acontecer com ele se a oposição (cujo representante foi preso sob as gargalhadas dele) vencer.

A saída mais sensata para Bolsonaro seria renunciar meses antes da eleição, como manda o figurino, para poder se candidatar a um cargo menor e voltar a ser o clássico Deputado inoperante com seu foro privilegiado garantido. Isso eu acho um pouco menos provável de acontecer, pois requer um planejamento, uma estratégia que eu acho que nem ele nem os que o cercam tem.

O mais provável é que quando ele finalmente perceber que vai perder corra com uma manobra desesperada para assegurar impunidade por todas as bostas públicas e notórias que fez nos últimos anos. Tem material incontroverso de sobra para prender o Bolsonaro e tudo indica que quem vai ficar no seu lugar será o Lula, um sujeito que passou um tempinho preso e deve estar louco para se vingar. E, para cavar qualquer cargo, proteção ou fuga, ele não pode ser candidato à Presidência.

Os atos do Bolsonaro já indicam que ele está garantindo sua base aliada: seu discurso continua o mesmo, algumas vezes até mais radical do que era. Ele sabe fazer diferente, quando era candidato à Presidência ele fez diferente. Sua base aliada encolheu muito, só com ela ele não ganha eleições presidenciais. Entretanto, ele parece se dedicar dia e noite a manter essa base feliz. Me resta pensar que ele quer garantir os votos para um posto menor, como Deputado, por exemplo.

Outro indício é que o Centrão, a quem pertence a alma de Bolsonaro, já deu diversos sinais de que acha que ele não deve ser candidato. Uma oferta nesse estilo chegou a vir a público em setembro do ano passado, onde o Centrão garantia “imunidade” a Bolsonaro e seus filhos em futuros processos em troca dele não se candidatar e apoiar outro candidato. Seria uma forma de não ser preso sem precisar se candidatar a nada.

E, não vamos descartar nada, também pode ser que ele negocie algo com o próprio Lula. Não vamos esquecer que Lula foi preso no governo Temer e foi solto no governo Bolsonaro. Não se sabe que tipos de acordo esses dois tem costurado e, vindo desses dois, nada me surpreende. Então, é possível que Bolsonaro não se candidate em troca de não ser preso ou que se candidate de mentirinha, fazendo uma pá de bosta, cedendo a eleição para o Lula, com a mesma finalidade.

Eu sei que Bolsonaro tem uma tendência a imitar o Trump, mas situação é absurdamente diferente: Lula está quase 20 pontos na frente de Bolsonaro, enquanto Trump estava coladinho ao Biden. Bolsonaro teria que ser muito burro para arriscar sua liberdade tendo tão poucas chances de ganhar. Não que ele não seja, ele é burro o suficiente para fazer isso, mas, entre todos os que o cerca deve ter ao menos um que entenda o significado de porcentagem e diga “não faz isso não quer vai dar merda”.

Não que Bolsonaro escute, mas, em algum momento, ele vai perceber que vai perder. Trump só percebeu aos 48 do segundo tempo por estar praticamente empatado com Biden nas pesquisas. Ele tinha uma chance real, tanto é que quase ganhou. Bolsonaro não está nem perto de estar empatado e essa realidade vai bater à porta em algum momento antes de outubro.

E quando isso acontecer, ele vai ter que fazer uma gambiarra e encontrar uma saída. Talvez a saída dele seja outra, como por exemplo fugir do país, mas eu ainda aposto em uma manobra política para não ser preso.

“Ain mas Bolsonaro é burro, não vai fazer nada, vai achar que vai ganhar até o último minuto”. Sim, Bolsonaro é burro, Bolsonaro é um macaco com uma navalha. Justamente por isso vão obrigar ele a fazer algo. Ou vocês acham que Bolsonaro fez merda sozinho nesses 4 anos? Tem muita gente grande envolvida e ninguém quer ver um macaco com uma navalha sendo preso e correr o risco dele abrir a boca.

Mesmo que Bolsonaro não faça nada, farão algo por ele. Mesmo que todas as pessoas do partido dele sejam burras, tem raposa velha do Centrão que não é. Tem empresário que não é. Tem muita gente grande que não é burra e não vai se arriscar a ver o Bolsonaro bostejando e jogando nomes na lama quando for preso.

Então, não é sobre Bolsonaro. É sobre todo o entorno. Não cai só Bolsonaro, quando a pessoa que é presa é verborrágica, imatura e inconsequente, cai todo mundo à sua volta – e cai o esquema que gerou a corrupção também, obrigando a criar um esquema novo, algo que político odeia.

Por isso, em nome do status quo, em nome de gente corrupta inteligente, em nome do sistema, alguma forma vai se apresentar para que Bolsonaro não acabe preso. Até onde eu consigo ver (e sim, minha visão é limitada e posso muito bem-estar errada) a forma mais discreta e racional de fazer isso é arrumando uma desculpa para ele retirar sua candidatura e blindando ele de outra forma, provavelmente com algum cargo que o proteja.

E, que fique claro: essa é minha opinião, não o meu desejo. Meu desejo é que Bolsonaro passe o resto da vida preso, de frente para a cela dos seus filhos, igualmente presos. Só que eu não sou infantil de achar que meus desejos vão acontecer. Uma coisa é o que eu gostaria, outra muito diferente é a realidade.

Saberemos o desfecho dessa história em breve.

Para dizer que Bolsonaro pode ganhar, para dizer que o plot twist seria ele ser vice do Lula ou ainda para dizer que ele só ganha se levar outra facada: sally@desfavor.com