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Não é aceitável.

Não é aceitável.

| Sally | | 68 comentários em Não é aceitável.

Quando se vive em uma bolha, ambiente, país ou sociedade que normaliza certos comportamentos, fica muito fácil confundir o que é certo do que é errado, o que é aceitável do que o que é inaceitável e o que é normal do que é um abuso.

Acredito que esse seja um dos motivos pelos quais tantas pessoas que vivem no Brasil tem muita dificuldade em se adaptar quando vão morar no exterior (ou nem conseguem, e acabam voltando). É um novo código social, completamente diferente, a menos, é claro, que o país seja tão informal, bagunçado e eticamente flexível como o Brasil.

Então, a quem interessar possa, vou fazer um guia do que não é aceitável em países menos informais, bagunçados e eticamente flexíveis. Não para recriminar ninguém, mas para ajudar mesmo. Quando se cresce no Brasil, fatalmente alguns hábitos ruins entram no nosso dia a dia sem que a gente sequer perceba. Eu mesma tive que me reajustar depois que saí do país.

Se você faz qualquer dessas coisas, por favor, não se ofenda. Sagrado direito seu se comportar da forma que achar melhor. Apenas saiba que em outros ambientes isso será muito malvisto, fechará portas e, em alguns casos, renderá multa e um processo. Vamos ao guia.

Não é aceitável promover qualquer tipo de barulho que interfira na vida alheia como forma de lazer: botar música alta em casa de modo a que o vizinho escute, botar música alta no carro de modo a que a vizinhança escute, gritar, soltar rojão, permitir que um animal de estimação faça esse tipo de barulho ou qualquer outra fonte geradora de ruídos.

E, saibam, o limite de decibéis que o brasileiro considera aceitável é imprestável. Um ambiente salubre deve ter, segundo a Organização Mundial da Saúde, entre 60 e 70 decibéis, acima disso começa a causar danos. Então, se você pensa em sair do Brasil para algum lugar sério, faça um favor a si mesmo: baixe gratuitamente qualquer aplicativo medidor de decibéis no seu celular e deixe ligado.

Quando você passar de 60, no que quer que faça, está sendo mal-educado e inconveniente. Para a maioria das pessoas vai parecer impossível, mas, acreditem, é bem possível e bem agradável viver em uma casa de 60 decibéis.

Não é aceitável furar fila, em nenhum momento, sob nenhuma justificativa. Você pode me contar a história mais triste do mundo, a pior urgência, que não vai me fazer mudar de ideia.

Se realmente aconteceu algo de grande porte, a coisa educada a fazer é explicar a situação para as pessoas que estão na fila e, caso alguém queira ser gentil e trocar voluntariamente de lugar com você, tudo bem. Se não, vá embora e volte outro dia com mais tempo. Uma vida civilizada requer planejamento.

Falando nisso, é mal-educado se atrasar. Sempre. Esse papo de “tolerância de 15 minutos” é uma aberração. Marcou tal hora? Chegue tal hora. Imprevistos acontecem com todo mundo, eu entendo que não dá para ser pontual em todos os compromissos da sua vida, mas, senso o caso, ligue e comunique o atraso e ofereça a pessoa a possibilidade de te esperar o remarcar.

E tenha em mente que imprevistos acontecem raramente, atraso crônico não é imprevisto, é erro na administração do seu tempo, o que também é muito malvisto: coisa de adultinho que não é funcional, que não sabe administrar sua vida.

Vale o mesmo quando você for anfitrião. No Rio e Janeiro, quando te chamam para uma festa às 20h, se você chegar às 20h encontra o anfitrião no banho e a comida ainda cozinhando. Isso não reflete a regra mundial de boa educação. Se você estiver em um lugar civilizado e marcar às 20h, esteja com tudo pronto para receber a pessoas às 20h, pois provavelmente é a hora em que a pessoa vai chegar.

Ir a uma festa/evento sem ser convidado é inaceitável. Isso quer dizer que se convidar para qualquer coisa também é. Você pode ir como acompanhante de alguém, caso o convite tenha essa previsão (como é o caso, no geral, de convites de casamento). Caso contrário, o mais longe que se pode chegar é que a pessoa que conhece o dono da festa, se tiver muita intimidade com ele, ligue e pergunte se pode te levar.

Se você nem conhece ninguém relacionado com o dono da festa e não foi convidado, não apareça no lugar e se poupe do vexame. Essa coisa de “onde comem um comem dois”, esse constrangimento em barrar pessoas, essa permissividade de querer seu evento lotado com qualquer merda, não é regra mundial. Você vai ser barrado ou vai passar uma vergonha ainda pior.

E, mesmo convidado, se for a uma festa onde há obrigação social ou lista de presentes (como costumam ser as festas de casamento) não vá sem comprar nada da lista. Não quer comprar? Beleza. Não vá. É uma troca, uma contrapartida: a pessoa gasta em comida e evento e espera que você gaste em presente em troca. Sua presença não é um presente e não é relevante para valer o gasto que a pessoa fez.

Não vá à casa das pessoas sem ser expressamente convidado. E se for, apareça na hora marcada. Não apareça de surpresa, nem mesmo ligando para dizer que “está passando lá”. Nem todas as pessoas do mundo são aborígenes 100% disponíveis o tempo todo. E se uma pessoa te convidar para ir à casa dela para jantar ou algo do tipo, a coisa educada a fazer é retribuir o convite.

A lei é flexível no Brasil, em países sérios não. Não tem “só dessa vez”, não tem “mas é que”, não tem jeitinho. Estacione só onde pode, circule só onde é permitido, cumpra as regras de vestimentas. Não concorda? Não vá. E, importante ressaltar, normas implícitas e de bons costumes, bem como regras de cada estabelecimento são quase como lei. Se você não concorda, simplesmente não vá.

Chegar bêbado nos lugares não é aceitável, salvo lugares trash onde o nível é esse mesmo, como puteiros ou surubas. Apesar de que eu tenho um amigo que foi expulso de uma suruba em um país escandinavo por estar bêbado, mas, bem, vocês entenderam meu ponto. É vergonha chegar ou sair bêbado de restaurantes, clubes ou qualquer ambiente minimamente respeitável.

Não grite. Nunca. Talvez só em caso de incêndio. Se está interagindo com alguém e a pessoa te desagradou, te ofendeu ou te chateou de alguma maneira, não grite. Em alguns lugares isso dá até polícia. Não há necessidade de se portar como um símio em conflito com um bando rival na floresta.

Converse abaixo dos 60 decibéis e seja civilizado. E não permita que seus filhos gritem também, esse papo de “ah mas é criança” só cola em shithole, existem centenas de países no mundo onde as crianças são educadas e não gritam. Eu fui uma criança que não grita. As crianças da minha família não gritam. Portanto, não venham dizer que isso é impossível. Não é. Inclusive, em muitos países, crianças que não gritam são a regra.

Por falar nisso, quem anda com filhote a tiracolo é canguru e coala. Não leve crianças para programas inadequados. Resolveu ter filhos? Adeque-se e faça os sacrifícios necessários, como por exemplo só frequentar lugar de adultinho quando não estiver com crianças. Quem leva uma criança pequena para assistir um drama de Shakespeare em um teatro merece apanhar com um gato morto até o gato miar.

Certos ambientes mais formais, como por exemplo alguns restaurantes, nem mesmo permitem a entrada, então, a coisa vai bem além do vexame de ter todos os clientes olhando feio e o restaurante pedindo para a pessoa se retirar: nem ao menos entra. Vai comer na calçada como o Bolsonaro.

Lugares que demandam silêncio, como cinemas, teatros e ambientes mais sofisticados (que promovem conteúdo para adultos) não combinam com crianças, pois crianças não sabem se portar neles, ficam entediadas e fazem da vida dos pais um inferno. Melhor não ir, por você e por eles.

Não fale mal das pessoas por suas costas. Isso é esporte nacional no Brasil, mas não costuma ser muito bem-visto em culturas mais aprimoradas. Eu disse cultura aprimorada. Não adianta vir citar aqui países ricos que tem cultura merda onde pessoas falam mal das outras adoidado. A questão não é dinheiro. China é um país rico e as crianças cagam no chão do shopping. Estou falando de ambientes de cultura mais evoluída.

Ficar falando mal dos outros pelas costas passa a impressão ao interlocutor de que, assim que ele virar as costas, você vai falar mal dele também e te torna uma pessoa não confiável. Se não tem nada de bom para falar sobre alguém, seja civilizado e cale a boquinha. Guarde seus comentários desagradáveis apenas para pessoas com as quais você tenha muita, mas muita intimidade.

O mesmo vale para fofoca. Enquanto no Brasil fofoca é um lubrificante social, em lugares melhores ela é vista como algo baixo, mesquinho e desinteressante. Ninguém quer saber quem tem um caso com quem, quem engravidou de quem, quem é gay. As pessoas não terão nem tempo nem interesse nisso, então, tente buscar outras fontes de conversa mais ricas que a vida alheia. Não discuta pessoas, discuta ideias. Não desvalorize quem tem opinião diferente da sua.

E já que entramos no assunto: brigar por política, por futebol ou por qualquer assunto polarizado é coisa de gentalha. Eu sei que quase 100% dos brasileiros o fazem, mas não seja essa pessoa em um país civilizado. É feio, imaturo, é adolescente. Por sinal, qualquer comportamento intenso desse nível, seja briga, seja discussão, seja idolatria, é visto como um comportamento símio.

Essa passionalidade, essa intensidade, esse descontrole sem discernimento são muito malvistos, mesmo que seja para elogiar alguém. Ama o ator fulano de tal? Se controle. Fundar fã clube, tatuar o nome do ator na testa, ficar berrando na porta do hotel? Se você tem mais de 15 anos, vai pegar muito mal. Sentimentos ponderados, ajustados, maduros. Nada de extremos.

Pegar emprestado coisas e não devolver é inaceitável. E, se você não tiver muita intimidade com a pessoa, caso pegue algo emprestado diga o tempo que vai ficar com a coisa e quando pretende devolver. E cumpra, devolva a coisa, no prazo acordado. E se for uma coisa que, de alguma forma pereça, reponha o que você gastou. Ex: pegar emprestado um carro com tanque cheio e devolver com tanque vazio é inaceitável.

O que quer que seus animais de estimação ou crianças façam que interfira na coletividade, gera e você a obrigação de reparar e deixar como estava antes. Vale para recolher o cocô que seu cachorro fez na calçada, vale para pagar a janela do vizinho que seu filho quebrou chutando uma bola. Seus animais e suas crianças são sua responsabilidade, encare tudo que eles fazem como se você tivesse feito.

Palavras como “por favor” e “obrigada” não são opcionais. Olhar os prestadores de serviços nos olhos quando falar com eles também não e, se possível, chame-os pelo nome e trate-os como você gostaria que tratem a sua mãe. Em países civilizados ninguém é “inferior” por fazer este ou aquele trabalho. Não ouse abrir a boca para dizer falas pejorativas como “eu que pago seu salário” ou “por isso que é motorista de táxi”. Em alguns lugares (melhores) do mundo, todo trabalho é digno. Indigno é quem pensa o contrário.

Não mexa no celular se: estiver trabalhando ou no seu ambiente de trabalho no seu horário de trabalho (a menos que seja uma emergência), se estiver conversando com outras pessoas, se estiver dirigindo ou se estiver fazendo qualquer coisa que demande a sua atenção por questões de segurança. E não deixe uma campainha alta tocando, daquelas que quando alguém te liga, meia dúzia de pessoas no entorno infartam de susto. Se for de fato uma emergência, peça licença e atenda o celular ou troque mensagens distante do resto das pessoas.

Não mastigue de boca aberta. Não arrote. Não assoe o nariz à mesa. Não faça barulho mordendo os talheres quando levar comida à boca. Limpe a porra da boca com guardanapo antes de beber no copo. Na sua casa, sozinho, você faz o que quiser, mas na rua tem que agir de forma educada. E, é aquela conversa de mãe: se você fizer errado em casa, inevitavelmente vai acabar repetindo o erro na rua.

Ser amante de alguém casado não é tão natural quando no Brasil. Não dá para dizer que não acontece, mas saiba que as chances de ser um escândalo que deixa sequelas na opinião das pessoas sobre você são grandes.

O mesmo vale para outras infidelidades, em outras áreas: meter atestado falso para não ir trabalhar, mentir para o Governo e coisas do tipo: se descoberto, as consequências costumam ser bem mais graves do que no Brasil. E não fique achando que você é mais esperto que os outros e ninguém vai descobrir, em lugares onde as coisas funcionam direito, fatalmente as pessoas descobrem.

Olha, eu achei que conseguiria, mas já se passaram seis páginas e eu mal comecei a pincelar os comportamentos indesejáveis, então, este texto vai precisar de várias continuações. Mas, posso adiantar que o cerne da questão é uma mudança de mindset, de forma de pensar: “eu faço o que eu quiser” não existe mais na sua vida se você se mudar para um país civilizado. Esqueça.

Você não faz o que você quiser, nem mesmo dentro da sua casa. Existem normas, regras e leis que valem para todo mundo, em todos os lugares e, se você fizer o que quiser dentro de casa, mas violar essas regras e alguém se incomodar, na melhor das hipóteses você pagará uma multa cara – e na pior pode ser preso ou até deportado de volta para o Brasil, o castigo mais cruel do mundo.

“Eu faço o que eu quiser” é o caralho. Você vai fazer o que não foi proibido fazer, o que não prejudicar a coletividade fazer. Não tem essa de “mas eu não concordo com essa lei” ou “mas eu não vejo problema em fazer isso”. Foda-se o que você acha, o que você concorda e o que você vê: a regra é clara e é uma só para todo mundo e você, assim como todos os outros, vai ter que seguir, sem deturpar, sem flexibilizar, sem distorcer.

Inclusive no que diz respeito a hábitos culturais: quando você muda de país, é VOCÊ quem tem que se amoldar à cultura do novo país, e não as pessoas, os estabelecimentos e o poder público do país que tem que se adaptar a você. Vá ciente de que você vai ter que fazer muitas adaptações em seu jeito de viver, em sua rotina e em suas escolhas de vida.

Eu sei que vai ter algum espírito de porco nos comentários para dizer que não sei onde uma pessoa fez não sei o quê que contraria o que eu estou escrevendo. Bem, gente mal-educada tem em qualquer lugar do mundo, mas, felizmente, em alguns países eles são minoria. Não seja você o mal-educado da vez.

Continuamos em um futuro breve, se vocês tiverem interesse no tema.

Para dizer que o certo seria colocar tudo isso me prática no Brasil mesmo, para dizer que ninguém consegue viver assim (spoiler: consegue) ou ainda para desacreditar do que estou falando por achar que o mundo é sua bolha: sally@desfavor.com


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