Skip to main content
W.O.

W.O.

| Somir | | 18 comentários em W.O.

Simone Biles é uma ginasta profissional dos EUA, e não é qualquer ginasta, desde sua estreia no cenário mundial em 2013, a moça ganhou tudo! Considerando seus resultados, pode-se argumentar que é a melhor de todos os tempos. Chegou como favorita disparada para as Olimpíadas de Tóquio, mas desistiu de competir após chegar às finais das categorias nas quais competia. Motivo: a saúde mental não estava em dia.

Sempre uma pena quando um exemplar desse nível de excelência humana não consegue demonstrar suas habilidades. As Olimpíadas e o esporte perdem mais um dos shows de Biles com os quais nos acostumamos nos últimos anos. Em 2016 já tínhamos visto a última prova de Phelps, em 2021, não temos mais Usain Bolt. O tempo passa para todos, e eventualmente chega a hora de um desses grandes ícones se aposentar.

Mas Simone só tem 24 anos. Ela não estava no ocaso da sua carreira. Esperava-se dela um desempenho de auge de carreira dessa vez, ninguém sequer considerava a desistência em Tóquio. Não estamos falando de uma atleta que já sofre com a falta de capacidade física, no caso de Simone Biles, estamos vendo uma questão psicológica.

Ela disse não se sentir bem com a pressão durante a prova por equipes da ginástica artística, e deixou de competir após o primeiro exercício, no qual cometeu um erro. Com isso, os EUA ficaram sem o ouro por equipes pela primeira vez em décadas. E há poucas horas, disse que não vai competir também nas finais individuais, onde se esperava mais uma chuva de medalhas douradas dela. Em 2016, no Rio, foram 4 de ouro e uma de bronze!

Novamente, Biles se diz num estado mental incompatível com a competição. Sorte das outras ginastas, que podem finalmente sonhar com o ouro, considerando o quão favorita era a atleta americana. Quase sempre o ouro olímpico tem favoritos, mas raramente nesse nível. É que nem um corredor descobrir que o Bolt não vai mais correr os 100 metros rasos horas antes da final. Caiu no colo de alguém. Talvez até de uma brasileira.

Mas voltemos à Simone: eu não faço pouco de questões psicológicas, podem ser tão devastadoras para a performance como contusões em outras partes do corpo. Eu entendo, de verdade, a consternação com a situação da atleta americana, perdendo a capacidade de competir em cima da hora, prestes a disputar as finais. Você não vai me ver no time de quem está criticando Biles por uma suposta “frescura”.

O psicológico não é frescura.

Mas problema é problema. E é aí que me incomoda o rumo pelo qual muito da cobertura da notícia tomou nos últimos dias. O tom não é de preocupação com uma situação terrível que fez uma das melhores atletas do mundo desistir da maior competição do mundo, e sim de… celebração da coragem dela de desistir? Espera… espera… tem algo de errado aí!

Ser compreensivo com fracassos pode ajudar bastante, desde que não se ignore o fracasso. A pessoa com a maior capacidade do mundo de realizar uma tarefa não foi capaz de realizá-la. Algo deu muito errado! Simone Biles fracassou retumbantemente nas Olimpíadas de Tóquio. Não apaga seu passado vitorioso, mas é algo problemático. Sim, a pessoa estar bem se sobrepõe ao atleta performar, mas não faz sentido sair contando para o mundo que ela fez algo poderoso ao não tentar sequer competir.

É um momento terrível. Ela não deveria ter feito isso. O que se espera de uma pessoa que se propõe a realizar uma tarefa é realizar essa tarefa. Simone Biles deixou na mão sua equipe e todas as pessoas que trabalharam para colocá-la naquela posição. Não precisa ficar com raiva da mulher, problemas acontecem, mas é insanidade fingir que o problema é na verdade uma atitude positiva! Qual é a mensagem que se passa? Que perder é melhor que ganhar? Então, temos Olimpíadas para quê? Medalhas servem para que função?

O espírito olímpico é competir. É testar seus limites e por vezes, vencê-los. É terminar a corrida mesmo com as pernas doloridas, é levantar um peso que você nunca achou que conseguiria levantar, é estar lá para ajudar seus colegas de time mesmo que esteja no seu limite. Se você foi ao extremo das suas capacidades e esse extremo foi mais longe que seus competidores, você ganha uma medalha. Quase todos os momentos realmente valiosos das Olimpíadas têm a ver com alguém que gastou aquela última gota de energia que nem sonhava que tinha. O medalhista é recompensado, mas todo mundo tem um lugar no coração para quem perdeu, mas perdeu dando o máximo que tinha.

Simone Biles, até onde entendemos, estava tão mal da cabeça que não conseguiu entregar nem a competitividade. Ou talvez pior: achou que não daria o show esperado e resolveu nem tentar. A maior atleta da ginástica artística do mundo falhou na sua missão olímpica. Não tem nada de bonito nisso. Não é heroico, não é corajoso, é um desastre. E deve ser tratado dessa forma.

Que a moça tenha todo o cuidado e o tratamento necessário para ficar de bem com a própria mente. Não é normal, não é para achar que está tudo bem e que é aceitável desistir dessa forma. Ou chega à conclusão que competir faz mal para a mente dela (e competir faz mal para a mente de muita gente), ou tenta de todas as formas recuperar aquela pessoa que conseguia ir para as finais e arrebentar com a concorrência com sua habilidade ímpar. Ficar nessa lenga-lenga de “corajosa” é péssimo para a pessoa sofrendo com o problema psicológico e é uma merda de uma mensagem para se passar para o mundo.

O que se espera do atleta é competição. E competição exige esforço. Uma analogia com a vida real, onde as pessoas mais dedicadas e resistentes tendem a conseguir resultados melhores e viverem vidas melhores. Não queremos que jovens assistindo as Olimpíadas achem que está tudo bem desistir quando algo dá errado. Essa não é a mensagem que o evento se presta a passar para o mundo. Estamos falando de tentar até seu corpo e mente chegarem no limite. E de encontrar novos limites depois disso!

Se tem uma mensagem nessa história, é de que problemas mentais são terríveis e te impedem de alcançar seu potencial se não forem tratados. Simone Biles falhou por causa da mente, cuide da sua. Porque se até uma das pessoas mais capazes do mundo numa atividade pode ser vitimada por um estado mental sombrio, todo mundo pode. Cuide da sua saúde mental para não falhar na hora mais importante. O que aconteceu com ela é exemplo do que não fazer. Ela precisa melhorar, seja por tratamento para voltar a fazer o que faz bem, seja por chegar à conclusão que aquela atividade é tóxica e precisa ser extirpada de sua vida.

O papo mole de que desistir é “poderoso” joga no lixo as alternativas saudáveis para lidar com a situação. Desistir é uma merda, e se você chegou nessa situação, alguma coisa precisa ceder. Desista por que não quer mais, desista porque não vale o esforço, desista para poder cuidar de um problema antes de tentar de novo, mas nunca desista para ganhar biscoito de uma sociedade que parece ter perdido a mão da função da tolerância. Porque aí você não sai do lugar ruim onde se enfiou.

Eu torço para Simone Biles nunca mais precise ficar nessa situação terrível. Eu tenho empatia pelo problema dela, é claro. Eu só não torço para que ela ache que esse povo passando a mão na cabeça para ganhar pontinhos de tolerância na internet represente alguma forma de solução para o problema. Quem se importa quer ver a pessoa bem. Quem quer usar o outro para sinalizar virtudes não liga para nada, talvez até celebre fracassos para poder extrair mais vantagens da pessoa caída.

E numa nota menos tolerante: reza a lenda que muitos atletas americanos estão sofrendo no Japão porque vários dos remédios que seus médicos receitam como se fossem balas são proibidos (mesmo com receita médica) em terras orientais. Especialmente os estimulantes derivados de anfetaminas como Aderall e Ritalina. Não se pode provar ainda, mas a cada dia que passa mais e mais sinais dessa deficiência podem ser notados. Vejamos na hora do atletismo.

Seja como for, é um bom momento para se falar sobre saúde mental, precisamos que mais e mais pessoas entendam como isso pode afetar suas vidas, mas não é com uma mentalidade derrotista que celebra fracassos que vamos conseguir alguma melhora. Trate de sua saúde mental para conseguir fazer as coisas que quer e não para fracassar com gente passando a mão na sua cabeça. O objetivo é fazer, não desistir.

Para dizer que eu sou um insensível, para dizer que aposta tudo na falta dos remédios no Japão, ou mesmo para dizer que quanto menos pressão melhor: somir@desfavor.com


Comments (18)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.

Relatório de erros de ortografia

O texto a seguir será enviado para nossos editores: