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Jeff Bezos no espaço.

Jeff Bezos no espaço.

| Somir | | 26 comentários em Jeff Bezos no espaço.

Foi ontem, o homem mais rico do mundo foi ao espaço num foguete construído pela sua própria empresa. Levou consigo o irmão e mais algumas pessoas escolhidas para dar uma graça publicitária e não parecer tão egoísta. O que claramente não resolveu: antes e depois do voo, recebeu uma chuva de críticas por estar torrando dinheiro para se exibir. Eu posso ser um babaca às vezes, mas graças à Gezuiz que eu não sou tão babaca quanto quem reclamou da aventura espacial de Bezos…

Mas, talvez eu possa ser um pouco mais compreensivo. Ao invés de xingar a turma do “tinha coisa melhor para gastar o dinheiro aqui em baixo”, eu vou tentar explicar porque esse argumento é furado e você deveria se sentir mal ao usá-lo. Sim, eu entendo que desigualdade é um problema sério na humanidade, que parece até estar aumentando com o passar dos tempos. Tem gente com dinheiro para mandar fazer um foguete para brincar no espaço por poucos minutos e tem gente que passa fome! Claro que isso não está certo.

Só que é importante colocar essas coisas em perspectiva. Ontem eu comprei uns chocolates amargos pela internet (eu escrevi amargo para vocês não me confundirem com um animal selvagem sem paladar) que custavam meio caro. Eu tenho plena consciência que eles não serão essenciais para a minha sobrevivência, e que eu poderia deixar de gastar esse dinheiro. Sei inclusive que poderia pegar esse dinheiro e doar para uma instituição de caridade que cuida de pessoas passando fome.

Desde o começo da pandemia, meu coração ficou um pouco mais mole com quem liga para pedir uma ajuda, eu tenho sorte por ter um emprego que podia ser realizado de casa, resolvi empenhar um pouco mais da minha renda para ajudar pessoas em maior necessidade. Só não resolvi empenhar toda minha renda não essencial nisso. Vai que eu quero comprar uns chocolates?

Será que eu sou uma pessoa ruim por não dar todo o dinheiro não essencial para entidades de caridade? Talvez esse dinheiro gasto com bobagem pudesse fazer uma diferença enorme na vida de alguém em situação de desespero. Pior: eu ainda consigo deitar minha cabeça no travesseiro de noite e dormir. Deve ter algo de muito errado comigo por gastar dinheiro com qualquer outra coisa que não seja essencial, não?

Claro que não. Ninguém pensa desse jeito.

Quando está falando do próprio dinheiro. Porque com o dinheiro dos outros, especialmente de quem tem mais que você, alcançamos o nirvana do altruísmo! Como ousa uma pessoa com mais dinheiro que você não dedicar todos seus recursos para causas nobres? “O quê? Porque eu assinei Netflix? Não muda de assunto!” Se tem uma pessoa que pode jogar essa pedra de não gastar seu dinheiro com coisas tecnicamente desnecessárias, eu duvido que ela esteja na rede social reclamando de bilionário.

É claro, quanto mais dinheiro você tem, maior a escala dos seus gastos. O meu chocolate é um carro esportivo para alguém muito rico. A quantidade de renda disponível impacta no preço do que você pode ter de supérfluo, mas a lógica é a mesma. E até falando de caridade, uma pessoa como o Jeff Bezos doa mais dinheiro para gente necessidade que todos os que reclamaram dele na internet… juntos. A sua doação de 50 reais para uma ONG que gosta é de 50 milhões para uma que ele gosta. Escala.

Em tese, é melhor que o dinheiro de um bilionário esteja dividido numa classe média do que concentrado, mas dado o problema da desigualdade, o bilionário não está quebrando o mundo por falta de doações. Bill Gates já gastou mais dinheiro com projetos públicos que muitos países no mesmo tempo. Jeff Bezos não é famoso por sua filantropia, mas isso não quer dizer que ele nada no seu dinheiro feito o Tio Patinhas. Todo mundo que tem muito dinheiro entra num ciclo interminável de doações, eventos de caridade e participações em projetos sem fins lucrativos.

Não é razoável esperar que um ser humano abra mão dos luxos que tem disponíveis para doar tudo para os mais necessitados. Alguma coisa ainda vai animar a pessoa. No caso do dono da Amazon, é ir para o espaço. Você vai para a praia, ele vai para a estratosfera num foguete particular. É a vida.

Numa análise mais histórica, durante a corrida espacial entre EUA e União Soviética, muita gente reclamava dos gastos com a NASA (talvez reclamassem na Rússia, mas não devem ter vivido para contar a história) enquanto muita gente sofria com a desigualdade. Parece algo muito lógico para reclamar: pra quem está passando fome, visitar a Lua é uma bobagem. Mas o mundo é muito mais complexo do que isso.

Não só o pouso na Lua cativou gerações e deu um senso de capacidade e propósito para muitas pessoas nesse mundo, como criou sua própria economia. Virou ferramenta de propaganda e ajudou a entrar muito dinheiro nos EUA, provavelmente mais do que foi gasto no projeto. Só de ter enfraquecido a imagem do adversário, já deve ter evitado muitos bilhões em prejuízo com guerras. Se você parar para pensar, foi um baita investimento em guerra não violenta.

Sim, muita gente passou fome enquanto se gastava os tubos com um foguete para visitar um lugar sem ninguém, mas quanta gente não ganhou a vida com tudo criado ao redor da viagem, e quanta gente não escapou de um fim violento com a guerra sendo travada no campo da propaganda? Investimento em conhecimento e tecnologia pode não matar a fome agora, mas evita mais fome no futuro. Coloca a humanidade num caminho que já se provou muito eficiente para aumentar a qualidade de vida do cidadão médio.

Assistencialismo é excelente para resolver questões pontuais, mas não gera muitos ganhos no longo prazo. O Brasil viveu um momento de euforia com maior redistribuição de renda no começo deste século, mas como não tinha investimento em mais nada, a coisa foi estagnando e muita gente pegou o caminho de volta da classe C para a D e E. É muito importante proteger pessoas de situação de vulnerabilidade, mas o mundo não pode ficar só nisso.

Alguém tem que inventar uma maluquice para animar esse povo a fazer mais com o que tem em mãos. Tecnologia é a melhor ferramenta que já encontramos para isso: a cada avanço, a qualidade de vida média aumenta um pouquinho. Muita gente ainda sofre, mas sofre um pouco menos. Parece que pegar todo o dinheiro que o Bezos gastou com o seu foguete resolveria muitos problemas da humanidade, mas novamente, é uma questão de escala.

O homem mais rico do mundo sustentaria a humanidade por algumas semanas, no máximo. Tem muita gente nesse mundo! E pra ser bem técnico, como essa riqueza está em ações, o valor real é muito menor na prática: quem vende muito de algo baixa o preço. Oferta e demanda. Se ele quisesse mesmo doar todo seu dinheiro, em minutos deixaria de ser o homem mais rico do mundo, as ações despencariam!

Esse tipo de reclamação é preguiça de pensar, ou vontade de aparecer como uma pessoa melhor do que realmente é. Se a humanidade realmente tivesse o problema de alocar recursos demais para pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias, você estaria reclamando disso num vôo rápido para Saturno. Quase todo o mundo é um pântano de gente semianalfabeta que acredita em amigo imaginário.

Quem me dera o nosso problema fosse um bilionário fazendo foguete para brincar no espaço. Quem me dera que Jeff Bezos pudesse melhorar esse mundo só mudando o foco de algo que acha divertido para algo que os outros dizem que é mais útil. Mas a verdade é que na média, não mudaria quase nada. Agora, se por um acaso a sanha dos bilionários de ir para fora do planeta iniciar uma nova corrida espacial, todos podemos ganhar, e muito.

Muitas vezes tudo o que a humanidade precisa é um foco. Ter o que fazer. Se a história de dominar o espaço realmente tomar conta de novas gerações e o esforço começar a ir nessa direção de novo, várias indústrias começam a se desenvolver, uma nova economia vai se desenhando, e talvez não precisemos mais de metade da população mundial disputando atenção em redes sociais. A verdade é que estamos vivendo uma crise de propósito junto com todos os problemas habituais.

O dinheiro “esbanjado” por Bezos, Musk e outros malucos não resolve nenhum problema imediato, mas pode ser a fagulha para animar nossa espécie a continuar evoluindo. Pode parecer uma bobagem para você, mas eu digo isso com todo o carinho: se te parece uma bobagem, você não tem que estar nessa conversa. Não desperdice seu tempo: concentre-se no que acha mais importante e deixa outras pessoas tocarem outros aspectos da humanidade.

Todo mundo ganha.

Para dizer que estou sendo pago para defender Bezos, para dizer que acha uma bobagem discutir se é uma bobagem, ou mesmo para me dizer que meu chocolate é um crime contra a humanidade (só se vier estragado): somir@desfavor.com


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