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Hora da visita.

Hora da visita.

| Desfavor | | 6 comentários em Hora da visita.

A verdade está lá fora, e se a verdade for a existência de alienígenas, Sally e Somir discordam sobre a hora de uma visita. Os impopulares tentam um contato imediato.

Tema de hoje: agora seria um bom momento para sermos visitados por alienígenas?

SOMIR

Provavelmente não. Considerando a complexidade necessária para fazer uma viagem interestelar, estamos falando de turistas imensamente mais avançados tecnologicamente do que nós. E quase com certeza, num grau de evolução intelectual sem paralelos no nosso planeta (que muita gente ainda acha que é plano).

Se você estudou um pouco de história, sabe que contatos entre civilizações em estágios muito diferentes de desenvolvimento tende a não acabar bem para quem começa na desvantagem. E olha que nos exemplos humanos, ainda havia a humanidade compartilhada. Por mais que europeus tratassem os nativos que encontraram como inferiores, ainda sim eram a mesma espécie. Dava para reconhecer as similaridades e formar laços.

O que seria mais complicado no caso de não sermos a mesma espécie. Tem lógica a ideia de que os aliens sejam minimamente parecidos com a gente, considerando o que a gente sabe sobre evolução de vida inteligente, mas não é uma obrigatoriedade. Não é impossível que eles não se pareçam em nada com a gente, ou mesmo com qualquer coisa que achemos capaz de inteligência. E aí, por mais que exista boa vontade de ambas as partes, é bem mais complicado gerar qualquer relação de igualdade.

Outra possibilidade é que já tenham deixado pra trás toda essa coisa de vida orgânica. Se você quer passear pelo espaço, digitalização de consciências e corpos robóticos são uma vantagem tão grande que é difícil imaginar que não seja o caminho principal. E aí, são dois medos humanos em conjunto: alienígenas robóticos. Eu honestamente acredito que se já nos visitaram ou se vão nos visitar, estamos falando de formas de vida artificiais. Não tende a ser muito seguro para nós.

Não porque eu acho que virão com más intenções, mas porque é difícil acomodar os interesses de uma espécie tão inferior. Talvez queiram só estudar essas formigas de dois braços e polegares opositores, talvez queiram nos preservar em habitats artificiais, talvez só queiram saber o que acontece quando somos expostos a raios gama… seja como for, é bom entender essa relação como algo extremamente desigual.

Como eu já disse naquele texto sobre guerras espaciais, se alguma espécie alienígena quiser nos matar, vão fazer a hora que bem entenderem e não temos nenhuma chance de interferir no resultado. Só faz algum sentido pensar sobre visitas alienígenas se eles tiverem algum interesse além de nos eliminar. Nem sempre lógica funciona na vida real, mas um pouco de lógica sugere que ninguém vai fazer uma viagem longa e se revelar para os humanos se não quiser um mínimo de interação (supostamente) saudável.

Só que voltamos ao problema da disparidade de estágio evolutivo das espécies. O que eles podem considerar saudável não é o que nós consideramos. Humanos não ligam muito para o senso de liberdade de seus animais de estimação. Podemos até amar eles incondicionalmente, mas não é uma relação de igualdade. A humanidade sequer teria escolha nessa situação. Se eles quiserem nos controlar e tirar todas nossas liberdades, não seria muito difícil.

E talvez na mente deles, e no quadro geral, estivessem nos fazendo bem. Mas eu não gostaria de ser transformado em cachorro de madame alienígena. Muita gente gostaria, eu admito. Mas se estão me perguntando se essa é uma boa hora para recebermos essa visita, eu digo que ainda somos muito atrasados para formar qualquer relação decente. Só conseguimos colocar pessoas na Lua, e olhe lá, porque nem começamos a colonização ainda. Quase todo o sistema solar precisa ser explorado de forma decente ainda.

Nesse momento, somos uma espécie presa num mundo apenas, e não temos plano B para nada que impeça a vida na Terra. Ou mesmo que a torne incômoda. O índio brasileiro não estava pronto para receber os europeus, nós não estamos prontos para receber aliens. É meio que a história da bomba atômica: no mínimo os visitantes têm que saber que podemos causar um grande estrago em algo que eles se importam para termos alguma capacidade de negociação. Senão, na melhor das hipóteses somos pets, na pior, uma colônia de formigas.

E, é claro, tem a questão do avanço mental da espécie. Gente demais ia pirar com uma revelação desse tipo, num mundo onde a maioria ainda acredita em Papai Noel para adultos, é perigoso lidar com algo muito mais avançado. A desigualdade humana é tão absurda que eu não acredito que mais de um décimo das pessoas seria capaz de não complicar ainda mais um contato tão tenso como esse. A única esperança é que a tática dos aliens seja subornar as pessoas com riquezas e tecnologias a serviço da preguiça para acalmar o povo.

Qualquer exigência maior da parte deles e é certeza que vamos falhar. A humanidade não merece um contato com seres que viajam pelas estrelas antes dela mesma ser capaz disso. E se tem alguém nos observando, eu aposto que esse é o primeiro sinal que estão esperando para se revelar: antes disso somos muito atrasados para qualquer relação.

Para dizer que quer que explodam tudo logo, para dizer que podem só vir te buscar, ou mesmo para dizer que eles já estão entre nós e são bem retardados: somir@desfavor.com

Este seria um bom momento para a chegada de alienígenas na Terra?

Sim! Seja para ensinar uma lição aos humanos pela dor, seja para ajudar, estamos precisando de ambos.

Quando está tudo uma merda, a melhor coisa que pode acontecer é uma mudança grande, que tire as coisas dos lugares onde elas estão acomodadas e obrigue a todos a se mexerem. Se alienígenas pisassem na Terra amanhã, inevitavelmente muita coisa iria mudar. E mudança é sempre bem-vinda para aqueles que estão acomodados na merda.

Se for uma visita bacana, construtiva, cooperativa, eles podem compartilhar tecnologias avançadas, ajudar no progresso humano e até formar uma parceria permanente que dê um belo empurrão no nosso desenvolvimento. O ser humano faria um bom uso disso? Provavelmente não, mas viria um aprendizado novo, permitiria criações novas, abriria portas para que, quem sabe, em um futuro não muito distante algumas coisas mudem. Sempre tem ao menos uma pessoa capaz de fazer bom uso do aprendido.

Se for uma visita emputecida (e teriam todas as razões para isso, até saco de merda na lua nós deixamos), também traria aprendizado, ainda que na dor. Não que seja o melhor tipo de aprendizado, mas, cá entre nós, o ser humano, em sua maioria, parece só aprender na dor mesmo. Veríamos que não somos fodões, que desunião leva a extinção e que não adianta um país ficar ameaçando o outro, tem quem nos destrua por completo.

Perceba que não estamos perguntando se você quer que venham alienígenas. Não estamos perguntando se você gostaria dessa visita. Na nossa premissa, eles virão. A pergunta é: agora seria um bom momento?

Seria sim, mesmo que você seja um cagão com medo de invasão, o momento milita a seu favor. Imagina, ao chegar aqui e olhar para essa bagunça, para um planeta imundo, cuja principal espécie que o habita está doente, passando por uma pandemia de uma doença altamente contagiosa, mostrando desunião e belicosidade… Grandes chances de olharem para este lixão e pensarem “éééééé… não vale o esforço, melhor invadir Vênus”. É como olhar um apartamento caindo aos pedaços e, em vez de se mudar, continuar procurando outros.

E se você pensa que de alguma forma aliens são criaturas que nos guardam e nos cuidam, também seria um ótimo momento. Se, de alguma forma, se preocupam e cuidam da gente, venham o quanto antes, por motivos de: tá foda. Estamos precisando de cura do câncer, de tecnologia mais eficiente para vacinas e de formas de unir em vez de segregar. O ser humano obviamente está dando errado e está marchando para sua extinção, se os coleguinhas mais avançados puderem interromper o processo e colocar a nós, macacos pelados, na rota certa novamente, seria um progresso.

“Ah mas o ser humano não está pronto, mataria os alienígenas a pauladas”. Meu anjo, se chegaram até aqui, se viajaram milhões de anos-luz, se supõe que são muito superiores a nós em inteligência e tecnologia. Não acredito que fossem descer em um planeta para morrer a paulada, nem para ser capturados por governo algum. É como dizer que se você encontrar formigas na sua cozinha elas podem te matar a pauladas ou te sequestrar. Vamos aceitar nossa inferioridade com graça e dignidade, por favor.

Eu não tenho a menor ideia de qual interesse, propósito ou motivo faria alienígenas viram a essa pocilga, mas, se vierem, certamente vão sacudir as estruturas do pensamento e comportamento humano. E estamos precisando disso, seja através de um evento cooperativo, seja através de um evento de enfrentamento.

Seria interessante ver países que se acham a última bolacha do pacote, os reis do progresso e tecnologia, perceberam que são apenas macacos com navalha. Seria interessante ter uma nova perspectiva sobre ciência, tecnologia e até comportamento.

Mesmo no pior dos casos, seria interessante que o ser humano aprenda que, ou se une, ou percebe que somos todos iguais e que devemos empenhar nossos esforços para o mesmo ponto, para o coletivo, ou as chances de sermos dizimados aumentam. Talvez só assim para tirar esse egoísmo e individualismo da cabeça das pessoas: ou se unem e lutam pelo bem coletivo ou levam porrada, são dizimados ou dominados.

Quando se está na merda, qualquer sacudida no tabuleiro é bem-vinda. Principalmente quando se está na merda sem perceber que está na merda. Quando só se tem a capacidade de olhar para o seu umbigo e se perdeu a humanidade de olhar à volta e não conseguir estar bem se o resto não estiver bem também. Hora de acontecer alguma coisa que mostre que o mundo é muito maior que a casa da pessoa, seu bairro, sua cidade, seu estado, seu país, seu planeta.

Hora de relembrar o que realmente é importante. Hora de entender que se não nos unirmos e agirmos cuidando uns dos outros vamos morrer todos na merda, sejamos ricos ou pobres. Anseio por qualquer grande evento que traga esse pensamento de volta ou que, ao menos, induza a uma reflexão onde possamos nos perguntar se estamos do caminho certo. Hora de sair da anestesia, do piloto automático, do “eu”, do “meu”.

E, não se enganem: no estado de torpor, de inércia contemplativa, de cegueira que a humanidade se encontra, é uma questão de tempo até que algo muito ruim aconteça. Somos um motorista dirigindo em alta velocidade em direção a um muro, sem ver o muro, pois está muito contente com o ventinho que entra pela janela. Se pular algo na frente desse carro, pode ser bom ou ruim, mas, em qualquer um dos casos, vai nos obrigar a olhar para frente.

Sem querer desafiar o Universo, mas, pior do que está, não fica.

Para dizer que você está bem e por isso não quer nenhuma mudança, para dizer que provavelmente eles dariam meia volta e iriam embora ou ainda para dizer que cariocas sequestrariam os aliens e os assariam em uma fogueira: sally@desfavor.com


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