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500 mil.

500 mil.

| Sally | | 28 comentários em 500 mil.

O Brasil chegou ao lamentável número oficial de 500 mil mortes por covid (o número real é muito maior). Acreditamos que tudo que precisava ser dito sobre responsabilidade e formas de reverter esse quadro já foi dito, então, este texto é apenas para tentar dar uma real dimensão do que está acontecendo.

Quando falamos em cifras, em números, é muito fácil abstrair o que eles realmente significam. Às vezes é necessário levar para o mundo concreto para que o cérebro processe e compreenda a dimensão do que está acontecendo.

Lembra quando caía um avião e morriam todos os passageiros? Lembra o absurdo que isso representava e o choque pela grande quantidade de mortes? Pois é. Hoje, o maior avião utilizado por cias aéreas brasileiras é o Boeing 777. Nele, cabem 368 passageiros. Então, se a gente fizer as contas, vamos descobrir que as mortes no Brasil equivalem à queda de 3 Boeing 777 por dia, desde março de 2020, sem nenhum sobrevivente.

Se a gente pegar como referência a população de cidades, municípios e estados, morreram, no Brasil, o equivalente a Florianópolis. Se pensarmos em países, morreu quase uma Suriname inteira. Morreu mais de uma Islândia. Morreram mais de 6 Andorras. Morreram 625 Vaticanos.

Quando pensamos em estádios de futebol, morreram mais de seis Maracanãs lotados. Morreram quase sete Morumbis lotados. Imagine a comoção que seria se um, apenas um destes estádios lotados sofresse um ataque e todos morressem. Pois bem, morreram Marcanã + Mané Garrincha + Morumbi + Mineirão + Arena do Grêmio + Arruda + Castelão lotados de gente.

O número de mortos no Brasil é maior do que o de 8 grandes genocídios ocorridos desde o começo do século XX somados. São mais de 300 Titanic, quase três Hiroshimas e, pasmem, morreu mais brasileiro de covid do que de Gripe Espanhola (a pandemia mais mortal da história), que ocorreu em 1918. Parece que em vez de melhorar, o país piorou.

Falemos de tempo. Se a gente pudesse distribuir de forma proporcional cada morte de março de 2020 até hoje, fazendo uma média uniforme, o Brasil teria hoje um morto por covid a cada um minuto e 18 segundos. Em média, três pessoas teriam morrido desde a hora em que você começou a ler este texto até agora e, até o final do texto, mais de dez pessoas teriam morrido.

Coloquemos estes números em contexto global. A população brasileira corresponde a 2,7% da população mundial. Isso significa que, se calcularmos todos os óbitos por covid no mundo e o Brasil ficasse com sua parte proporcional, 2,7% dos óbitos, deveria ter 92 mil mortos. O Brasil tem mais de cinco vezes o número de mortos esperados: 12,8% dos mortos do mundo.

O Brasil tem mais óbitos proporcionais do que muitas ditaduras, países em guerra e países onde as pessoas passam fome sem recursos básicos como hospitais e água encanada. A Índia tem pouco mais de 6% dos mortos do mundo, a Rússia pouco mais de 3%, por exemplo. Ambos os países castigados pelo clima e com imensa desigualdade.

Como dissemos, a média de mortes que seria considerada “normal” para o Brasil seria de 92 mil mortos. Portanto, no barato, morreram 408 mil pessoas que não teriam morrido se o país tivesse adotado cuidados básicos que foram implementados pelo resto do mundo.

Porém, o número de mortos seria ainda menor se cuidados mais avançados fossem implementados, coisa que o Brasil tinha total condições de fazer e não fez. Por exemplo, se as vacinas tivessem sido compradas assim que oferecidas, em maio deste ano todos os brasileiros estariam vacinados. De maio deste ano em diante, quem morreu, morreu de forma desnecessária.

Em números absolutos, ou seja, olhando apenas para o número de mortos, sem levar em conta o tamanho da população, o Brasil só perde para os EUA, e não por muito tempo, uma vez que os casos lá estão diminuindo e no Brasil estão aumentando. Em breve, o Brasil pode se tornar o país do mundo onde mais morreram seres humanos por covid-19.

Quando falamos em números relativos, ou seja, levando em conta a proporção entre mortos e número de habitantes, o Brasil também está em segundo lugar, perdendo apenas para o Peru, segundo levantamento da Universidade Johns Hopkins. E deixo clara a fonte pois no Brasil esse dado é frequentemente distorcido, deturpado e camuflado para fazer parecer que o Brasil não está tão mal.

E não é como se estivéssemos falando sobre uma fatalidade, algo inevitável. Sim, “morreu gente no mundo todo”, como adoram dizer os passadores de pano generalistas do clubinho “problema todo país tem”, mas, como morreram e ainda vão continuar morrendo no Brasil, ninguém chegou perto ainda. Talvez a Índia chegue lá.

Não custa lembrar, mais uma vez, que 500 mil é um número muito camarada, que nem de longe corresponde à realidade. Tanto óbitos como número de casos estão subnotificados. Na média mais otimista, o Brasil tem 30% mais mortes e 60% mais casos de covid do que é divulgado. Façam as contas e percebam que estão mais perto de um milhão do que de 500 mil.

Isso acontece por uma escolha política: divulgar apenas os casos confirmados reduz muito o número de mortes e contágio. É só não testar, que não morreu de covid. Mas, isso aparece nos números de mortes em excesso (quando se compara as mortes daquele período com as mortes em um período de normalidade). E também nas certidões de óbito e enterros.

E, já que um certo grupo de brasileiros parece ter uma predileção por motos, vamos usar motos como referência. A moto mais vendida no Brasil tem praticamente 2m de comprimento. Se colocássemos o número de mortos como motos, em fila, teríamos uma motociata de 900km, um trajeto maior do que a distância entre São Paulo e Goiânia (926km) ou Rio de Janeiro e Curitiba (916km).

O mais triste é que não está acabando. O país está vacinando mal (pouco mais de 10% da população vacinada com segunda dose) e ainda parece estar se esforçando para enfiar primeira dose no máximo de pessoas que consegue, o que gera um ambiente propício para criar variantes resistentes à vacina.

Além disso, as pessoas continuam saindo de forma desnecessária, aumentando o número de contágios, permitindo que o vírus sofra todas as mutações que puder. Não há qualquer indício que, se seguir no ritmo atual, vejamos uma melhora a curto prazo.

Muito pelo contrário. Já temos variantes que escapam parcialmente às vacinas, tudo indica que o vírus pode mutar até conseguir um escape total. Quem está comemorando vacina, achando que vai abolir máscara e retomar a normalidade ou não entendeu nada, ou está iludido. Vacina funciona sim, se for criada e distribuída a tempo, antes do vírus “aprender” a escapar dela. E não parece ser o caso.

Continuam morrendo mais de duas mil pessoas por dia no Brasil. Isso é aberrante. Não acabou, está longe de acabar. Não se deixe anestesiar. Não há perspectiva de melhora a curto prazo. A variante Delta (indiana), que escapa parcialmente às vacinas já está no Brasil e estamos observando um aumento significativo (em alguns lugares de até 20%) nas internações hospitalares e óbitos.

Continuem se cuidando muito e não deixem que números frios removam a sua humanidade. O número de mortos no Brasil pela covid é 100 vezes maior do que as estrelas visíveis a olho nu no céu. Pensem nisso quando olharem para cima.

Para dizer que esse bolo não é só do Bolsonaro, é do povo também, para dizer que nada vai mudar não importa a quantidade de mortos ou ainda para dizer que está ainda mais indignado com a Copa América: sally@desfavor.com


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