Skip to main content
Não-binariedade binária.

Não-binariedade binária.

| Somir | | 34 comentários em Não-binariedade binária.

Hoje apareceu uma matéria no UOL ensinando a usar linguagem neutra de gênero para acolher pessoas que se identificam como não-binárias. Aquela história de “todes”, “elus” e outras coisas que já comentamos antes. Não vou voltar exatamente no assunto da linguagem neutra, mas sim fazer uma pergunta… vamos mesmo ter que fingir que pessoas que se dizem não-binárias são claramente binárias?

Para esclarecer: binário significa uma divisão entre dois estados claramente definidos. O que é binário tem duas opções. Nessa nova onda de sexualidades livres, a “luta” é contra a obrigatoriedade de ser masculino ou feminino, pleiteando a possibilidade de existir fora dessa dualidade. A pessoa não quer ser definida como homem ou mulher pelos outros, quer ter o poder de estar em qualquer ponto entre as duas coisas quando quiser, ou até mesmo fora dessa categorização.

Ok, eu não sou uma pessoa burra, eu consigo lidar com conceitos mais abstratos. O “em tese” de não ser binário entra na minha cabeça. Posso até não ter o sentimento, mas o racional aceita a possibilidade. O problema é que todo meu sistema de definição de significados através de imagens espera algo que a realidade dos não-binários simplesmente não consegue entregar.

Parece complicado, mas não é: imagine que temos, lado a lado, um quadrado e um círculo. Sua mente identifica as linhas do quadrado e do círculo como elementos diferentes. Se te pedirem para imaginar algo diferente desses dois elementos, você pode pensar num triângulo, num losango, numa estrela… se te disserem para pensar num meio termo entre as duas formas, você talvez pense num quadrado com os cantos arredondados. O cérebro tem essa capacidade de enxergar além.

Quando se fala em pessoas não-binárias, o cérebro espera uma mistura entre homem e mulher, ou algo completamente diferente. Mas na prática, é realmente difícil que uma pessoa consiga se parecer com algo alheio à dualidade masculina-feminina. Não sei quanto a vocês, mas eu sempre vejo um gênero disfarçado de outro.

Como se tivessem desenhado um quadrado dentro do círculo, ou um círculo dentro do quadrado. Eu acho que é politicamente incorreto dizer isso hoje em dia, mas… na maioria absoluta das vezes, é muito fácil saber qual o sexo original da pessoa. Mas muito fácil mesmo. Eu fico me perguntando se quem é transsexual ou não-binário tem noção disso. Que salvo alguns casos extraordinários, todo mundo sabe qual é a especificação de fábrica da pessoa.

E não é um talento meu, é coisa que até criança faz sem pensar meia vez. O ser humano tem uma noção claríssima de que existem dois tipos de corpos bem definidos. Pode ensinar pra criança que um é “Glargh” e outro é “Glurgh” se quiser, mas ela vai ver duas coisas obviamente diferentes. Você está vendo que é uma mulher de cabelo curto e roupas largas, é óbvio que é um homem com cabelos longos e implantes. Sua visão não corrobora com a ideia abstrata de gênero fluido. Você sempre vê um ou vê outro, mesmo em casos de androginia, você define mentalmente como homem andrógino ou mulher andrógina.

Não existe um estado de aparência humana que seja não-binário. Aliás, sinto dizer, não existe sequer a possibilidade de se tornar visualmente indiferenciável do gênero oposto, por mais que alguns transsexuais cheguem muito perto. Não com a tecnologia disponível atualmente. O sistema de compreensão da realidade dentro do seu cérebro não consegue evitar de definir um dos dois estados possíveis de gênero humano.

E não existem exemplos visuais do que seria uma mistura perfeita ou mesmo algo fora dessa dualidade. É mais ou menos como imaginar uma cor nova: eu consigo conceber a ideia de uma cor que nunca vi antes, mas não tem nada na minha memória ou capacidade de imaginação que consiga dar conta disso. É puramente abstrato. Eu não consigo demonstrar para outra pessoa como seria essa cor, e não consigo tomar decisões baseadas nela.

O “espectro de cores” da sexualidade humana vai de homem até mulher. Não estamos equipados para perceber algo além disso. No máximo tons médios entre as duas cores. Só que ao contrário das cores, não existe um estado médio perfeito entre homem e mulher como o roxo existe entre vermelho e azul. O ser andrógino nunca está exatamente no meio, sempre parece mais vermelho ou mais azul do que propriamente roxo.

Talvez com mais tecnologia, avanços em genética e cirurgias plásticas, consigamos criar esse híbrido perfeito e dar um nome, mas no final das contas, só vamos ter um caso de sistema trinário. Ainda vamos ter nomes para cada uma das etapas. Vai existir o exemplo esperado de meio termo e vamos pensar em homem, “Glergh” e mulher. E aí, vamos ter pessoas não-trinárias?

Estou falando tudo isso para passar a mensagem escrota deste texto: por mais que eu queira que as pessoas sejam livres e felizes, quando me pedem para lidar com a não-binariedade na vida real, estão fazendo um pedido muito mais complicado do que simplesmente usar vogais mais inclusivas. Estão pedindo para que eu traia o mecanismo de funcionamento de um cérebro baseado em reconhecimento de padrões. Coisa que eu até gostaria de ter o poder de fazer, mas infelizmente não tenho.

Eu estou vendo uma mulher disfarçada de homem ou um homem disfarçado de mulher. Até aqui, podíamos usar palavras como transsexuais para definir o que nossos olhos estavam vendo, mas quando se coloca nesse pacote pessoas não-binárias, a sua percepção não corresponde mais à realidade. Você não tem dúvida alguma sobre qual o gênero da pessoa, mas deve suspender essa percepção até que ela comunique para você como quer ser tratada.

O que muitas vezes pode “esticar a corda” do que estamos dispostos a fazer. Um homem barbudo dizendo que se sente mulher no momento tem o direito, mas não cumpre os elementos básicos do acordo social humano sobre ser uma mulher. Não quero que ela seja infeliz, mas se for uma forma obviamente masculina pra mim, é evidente que eu não vou conseguir adaptar todo o meu cérebro para enxergar uma mulher ali. Eu jogo junto se a pessoa souber que existem limites.

Mas quando a conversa avança para “educar as pessoas” a usar linguagem neutra como se fosse o mínimo esperado para ser educado, eu começo a duvidar se as pessoas que defendem isso entendem esses limites. Se viver numa bolha de aceitação não pifou alguma coisa na cabeça delas e elas realmente acham que não estamos vendo o gênero de nascença delas. Pessoas podem se iludir se acabarem convivendo apenas com quem faça suas vontades.

Eu sei que gênero a pessoa é, eu sei o que isso implica em elementos como força física… me adapto aos desejos dos outros como sempre fiz na vida, afinal, ninguém é uma ilha, mas simplesmente não dá para ignorar a realidade. Ninguém é tão bom assim em misturar elementos masculinos e femininos para criar algo realmente diferente das duas coisas. Todo mundo está vendo. Todo mundo sabe nos primeiros milésimos de segundo a qual dos lados do sistema binário de gênero a pessoa pertence.

Posso FINGIR que não estou vendo se isso deixa a pessoa feliz. Mas que fique claríssimo: é fingimento. É linguagem social. Como a gente não tem medo de cancelamento aqui (vai cancelar o quê? Só gastamos dinheiro com o Desfavor) podemos falar essas coisas, mas cada vez mais fica difícil dar esse choque de realidade em pessoas que não se identificam com o gênero genético delas. Se ser transsexual ou não-binário te faz feliz, seja! Mas existe um limite prático de quanto eu consigo partilhar dessa ilusão.

Já disse várias vezes aqui: a força dessa onda conservadora é diretamente proporcional ao grau de escape da realidade que muitos progressistas entraram nessa questão sexual. De uma certa forma, pessoas com a mente mais aberta tentaram compensar séculos de repressão “mimando” as pessoas que não se sentiam confortáveis com o próprio gênero. Sim, eu também quero dar sorvete e brinquedos para quem foi maltratado por gente estúpida, mas não podemos esquecer que existe um mundo difícil fora da bolha.

E nesse mundo difícil, coisas como linguagem neutra não se criam. O cidadão médio vai continuar olhando para a pessoa como ela realmente se parece, e vai ficar puto da vida com a obrigação de fingir que está vendo algo que não existe. O fingimento deles está do lado da religião, e já deve ser bem cansativo. Porque se eu estou vendo claramente, mesmo tentando manter a mente muito aberta, eles com certeza estão vendo também.

Transsexual e não-binário são conceitos abstratos que não refletem um objeto da vida real. É homem disfarçado de mulher ou mulher disfarçada de homem, é quase impossível criar o caminho neural que leve a pessoa a não categorizar dentro da mente. Se já é pedir muito de alguém que quer ter a mente aberta, imagina de quem sequer conseguiria ler esse texto?

Para dizer que eu sou transfóbico, para dizer que não concordar 100% é o mesmo que ser do Estado Islâmico, ou mesmo para dizer que é tudo para não ter que ficar digitando as palavras no celular tudo de novo: somir@desfavor.com


Comments (34)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.

Relatório de erros de ortografia

O texto a seguir será enviado para nossos editores: