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Mais do mesmo.

Mais do mesmo.

| Desfavor | | 14 comentários em Mais do mesmo.

Qual o assunto da semana? A péssima gestão do governo e a terrível reação do povo brasileiro em relação à pandemia. A gente está falando sobre a mesma coisa há mais de um ano, e nada muda. Desfavor da Semana.

SALLY

Em mais de dez anos de Desfavor, é a primeira vez que isso acontece: não conseguimos definir um tema.

Desfavores relacionados à covid (assunto prioritário no momento) tem aos montes, mas, dentro da nossa proposta de trazer sempre um novo ponto de vista, se trazer sempre um enfoque diferente, não tem mais o que dizer. A realidade ficou tão grotesca que basicamente todo mundo que não está na bolha bolsonarista está dizendo o mesmo que nós.

Nunca antes na história deste país a nossa opinião convergiu com a de políticos dos mais diferentes partidos, Rede Globo e seus atores e da mídia em geral. É consenso que há má condução da pandemia, que as vidas perdidas poderiam ter sido evitadas e que são cometidas aberrações diariamente. Por hora, não resta nada de novo a dizer.

Sim, eu sei que novas aberrações aconteceram: CPI da covid, frases e atos bizarros do Presidente, problemas com vacinas causadas pela inépcia daqueles que governam, atrasos, erros, corrupção e incompetência. Mas são apenas releituras de tudo que falamos sobre o assunto. É mais do mesmo, e, francamente, não sabemos mais o que dizer.

Pode parecer pouco, mas não é. Quando duas pessoas passam mais de dez anos encontrando pautas diárias de temas (colunas regulares), de discordâncias (Ele Disse, Ela Disse) e de concordâncias (Desfavor da Semana) é por estarem muito investidas e treinadas para fazê-lo. Se estamos afirmando que não sabemos mais o que dizer, é um sinal contundente de que o país está repetindo os mesmos erros sistematicamente, sem que ninguém faça nada, sem que ninguém se mexa.

Avisamos sobre a primeira e a segunda onda monotematicamente, adianta ficar falando que vem uma terceira? Adianta repetir que a vacinação não está sendo feita da melhor forma? Adianta dizer que é um absurdo o Brasil ainda discutir o uso de Cloroquina? Nem nós aguentamos mais escrever sobre isso, quem dirá vocês, perdendo tempo de suas vidas lendo sobre algo que está em qualquer mídia.

Não tem mais o que dizer sem se repetir, sem repetir o que está no Jornal Nacional, sem repetir o que está em qualquer grande portal de notícias. O assunto é cíclico, as mesmas merdas se repetem, dia após dia (ainda que com nova roupagem) e nós sabemos exatamente quais são as consequências dela. É como ver e rever um acidente de carro em câmera lenta.

Informação assustadora só é produtiva quando serve para alertar e impedir que algo ruim aconteça. Nossos leitores estão mais do que advertidos depois de mais de um ano falando à exaustão sobre covid. Insistir em apenas repetir o que foi dito é estressar o cérebro de quem nos lê e jogar mais adrenalina e hormônios do estresse em geral no corpo de quem já está saturado. E, pior do que tudo, é pactuar com essa inércia. No momento em que começamos a nos repetir, entramos na mesma inércia do que cometem sempre os mesmos erros.

Então, sim, teríamos o que criticar, mas em essência, tudo já foi dito. Isso significa que não vamos mais falar em covid? Claro que não, infelizmente muitos desfavores novos acontecerão em breve. Isso significa que, quando não tivermos nada novo a acrescentar (assunto, ponto de vista, enfoque) preferimos não falar nada.

E não ter opção de assunto sem se repetir quando se trata de algo que acontece há um ano é o grande desfavor. A porra do país teve mais de um ano para se corrigir, para mudar, para melhorar. No entanto, estamos aqui, sem ter o que falar, pois os erros e as canalhices são exatamente as mesmas.

A total incapacidade de evoluir do Brasil fica estampada neste texto. A vocação para ficar estagnado, para se distrair do problema em vez de resolvê-lo, para esperar que outro o resolva e depois ficar culpando terceiros chegou no estágio máximo: em nome da acomodação morreram e estão morrendo muitas pessoas.

Morreu gente rica, morreu político, morreu famoso, morreu todo mundo que poderia dar o start para alguma ação ou indignação proativa. Todos os países próximos da América Latina entraram em algum tipo de convulsão social por revolta popular com a condução da pandemia ou assuntos relacionados (o país da vez é a Colômbia, mas vimos muitos outros). O único país que está em berço esplêndido é a Banânia, também conhecida como Brasil.

Nada do que aconteceu serviu para mudar uma vírgula. Nem todas as mortes, nem todas as denúncias, nem todos os alertas de pessoas da ciência, nem a péssima repercussão do Brasil no exterior. Os erros e as incompetências se repetem de forma cíclica. Nada muda. É um grande Dia da Marmota, mas dessa vez o filme é de terror.

Pela milésima vez fazem piada com a China espalhando vírus e a China retalia deixando de enviar insumos, o que atrasa a produção de vacina. Vamos dizer mais o quê? Pela milésima vez vagabundo é flagrado aplicando injeção de vento e guardando a vacina para levar para casa. Vamos dizer mais o quê? Surgiu mais uma porra de variante, dessa vez no Rio de Janeiro, uma mutação da variante P1 (de Manaus). Vamos dizer mais o quê? Que não pode aglomerar pois o contágio favorece o surgimento de novas variantes?

Não, obrigada. Não vamos tratar mal o tempo de vocês chovendo no molhado. Eu respeito muito quem abre mão de tempo do seu dia para vir aqui ler o que escrevemos para fazer texto de remendo e repetição.

Leia qualquer Desfavor da Semana dos últimos meses e você verá que ele se aplica perfeitamente para algo que aconteceu esta semana. É triste, mas também é risível ver a estagnação do país, chafurdando na merda, sem sair do lugar.

Eu sei que eu disse que hoje não temos tema, mas, na verdade, talvez seja o tema mais importante de toda a história do blog: o país está parado. E o que fica parado degrada, apodrece, putrefa.

E o motivo de estar assim não é só de governante malvado, o povo é um grande responsável. Vamos fazer um experimento mental? Se, amanhã, proibirem a venda de álcool, o futebol e as redes sociais no Brasil, quanto tempo demora para as pessoas se reunirem e criarem um verdadeiro problema pro governo? Não dou nem três dias. Não o fazem agora por um motivo muito simples: o povo quer continuar bundeando.

O povo quer que a atual realidade mude, mas sem ter que sacrificar nada em troca. Enquanto a solução mágica não vem (já já eles descobrem que vacina não é solução mágica), continuam onde estão, fazendo o que querem e culpando os governantes por uma escolha que também é sua, por inércia. Vamos dizer mais o quê?

Então, nós decidimos não participar desse jogo: querem ficar repetindo os mesmos erros meses a fio? Beleza, nós não vamos nos repetir meses a fio, pois não somos palhaços e o tempo do nosso leitor é preciso demais para o Desfavor cair nesse pântano de areia movediça de repetição.

Parabéns aos envolvidos.

Para dizer que o Brasil está ficando para trás até como tema, para dizer que a gente não precisa se preocupar pois a Índia vai fornecer material de qualidade para falar de covid ou ainda para dizer que este foi o texto sobre nada mais deprimente que você já leu: sally@desfavor.com

SOMIR

Decidimos nossas pautas baseados nas coisas que achamos interessantes e importantes. Especialmente no Desfavor da Semana, coluna focada no momento por definição. Mas, como a Sally bem disse, por mais que o coronavírus tenha feito por merecer interesse e importância, especialmente no caos que o Brasil se tornou por causa dele, já estamos no ponto de acreditar que falamos o que tínhamos que falar.

Parece seguro presumir que quem tinha que entender a gravidade da situação já entendeu, e que quem não entendeu não quer entender ou não tem sequer a capacidade de entender. O número de mortes diárias cai para 2.000 e parece que já é o suficiente para considerar tudo águas passadas.

O máximo que temos é o Circo Parlamentar de Inquérito, com corruptos se xingando e testemunhas com problemas imensos de memória. Ninguém viu, ninguém ouviu, ninguém agiu… o que às vezes até me soa como realista mesmo: o resultado da pandemia no Brasil combina com um povo que cruzou os braços o tempo todo.

Saber que os nossos leitores habituais foram informados com o melhor das nossas capacidades já é um excelente resultado. A pandemia obviamente não acabou e ainda temos que tomar cuidado, mas duvido que restem muitas dúvidas sobre o que fazer para ter esse cuidado, pelo menos para quem fez por onde e buscou a informação.

Vou manter minha rotina de pandemia, esperando uma inevitável terceira onda, e torcer para ficar tudo bem. Porque não tem mais muito o que fazer. Informação costuma ter um ponto de saturação em uma população, se tivéssemos uma campanha nacional de conscientização logo no começo, teríamos alcançado essa saturação muito mais cedo, é claro, mas mesmo depois de um ano de mensagens confusas e contraditórias do poder público tupiniquim, acredito que chegamos nesse nível.

Quem se arrisca hoje e arrisca outros por tabela sabe o que está fazendo. E essa gente está fora do alcance de qualquer um agora. Eu gosto de acreditar que não é maioria dos brasileiros que se encaixa nessa categoria de negadores convictos, mas mesmo que não sejam, quem o faz, faz com tanta vontade que acaba impactando todo o resto.

O evidente plano do Bolsonaro de tentar que todo mundo pegasse logo e a tal de imunidade de rebanho ativasse para nos fazer sair logo da crise funcionou. Não no sentido de nos fazer sair da crise, mas de ser adotado por gente demais desse país. Espalhar a doença virou uma declaração política contra os comunistas. E não importa o quanto você tente trazer o assunto de volta ao bom senso das políticas de saúde públicas, o lamaçal da ideologia e do culto à personalidade criado ao redor do presidente te prende em discussões vazias.

Quem tinha a capacidade de entender já entendeu. Quem não tinha repete traduções baratas de ideólogos e conspiradores americanos. Ficamos com a versão de camelô do conservadorismo ianque, com pitadas de sonhos ditatoriais de Repúblicas das Bananas para dar um tempero local. Se fosse apenas mais uma aventura econômica para aquecer o mercado por um tempo, vá lá, mas acho que essa parte era muito complexa pra entender.

Ficamos apenas com terraplanistas e antivacinas nessa história toda. Pudera, o nível intelectual por essas bandas nunca foi dos melhores. De resto, o povo assistiu bovinamente a doença tomar conta do país, como se fosse mais um probleminha cotidiano. Usar máscara no queixo num bar lotado com mesas um pouco mais afastadas já resolvia para o povo. Era o quanto estavam dispostos a fazer.

E aposto que muitos vão ser pegos de surpresa quando essa nova ilusão de fim da pandemia estilhaçar diante de seus olhos com uma terceira onda. Novamente, vai ser ato divino e imprevisível. Menos de quinhentos mil mortos nem e tão preocupante assim, tem centenas de milhões de ainda pra matar. O país aguenta se empurrar com a barriga por mais um tempo.

E se não aguentar, é só começar a reclamar até derrubarem o Bolsonaro, porque aí é eleger o Lula e esperar novamente até tudo dar errado de outra forma para reclamar de novo. Enquanto tiverem dedos para apontar e se eximir de qualquer culpa, tudo está funcionando como deveria.

A gente cansou da mesma ladainha toda semana. Mesmo sabendo que o assunto é dos mais importantes, enquanto esse povo achar que está tudo bem do jeito que a coisa vai, não há muita razão para repetir o que já se tornou óbvio depois de um ano. Imagina só voltar no assunto da cloroquina em maio de 2021? Não é possível.

O governo não queria combater a pandemia, o povo não queria combater a pandemia. Conseguiram exatamente o que queriam. Para os que continuam atentos e se cuidando, minha solidariedade. Mas é melhor aceitar logo que isso é escolha e aparentemente a maioria escolheu arriscar e torcer para dar sorte.

Infelizmente, a sorte não costuma ajudar nesses casos. Rumo ao meio milhão e rumo à terceira onda. A gente se vê por lá.

Para dizer que cansou da burrice alheia faz mais de ano, para dizer que a população brasileira diminuir é bônus, ou mesmo para dizer que brasileiro já está vacinado contra fracassos: somir@desfavor.com


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