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Castigo brasileiro.

Castigo brasileiro.

| Desfavor | | 58 comentários em Castigo brasileiro.

O Brasil deixou a pandemia chegar onde chegou, e estamos pagando o preço imediato. Mas tem outro preço, o de longa duração. Quais vão ser exatamente ainda não sabemos, mas podemos discutir qual deles seria o castigo mais dolorido. Os impopulares sofrem junto.

Tema de hoje: qual seria o pior castigo para o Brasil, diante de tantos erros dos governantes e passividade do povo no combate à pandemia?

SOMIR

Um desastre econômico ainda maior. O povo brasileiro é pobre em sua grande maioria, isso não podemos negar. Mas existem níveis de pobreza ainda piores. A grande dificuldade nacional é a desigualdade: o país tem riquezas, mas elas são muito mal distribuídas. Nem é conversa comunista: até mesmo para ter um sistema capitalista decente, é necessário poder de compra para girar a economia.

A desigualdade nos atrapalha imensamente, reduzindo muito as oportunidades de gerar valor dentro do país. Pouco estudo, pouca inovação e pouca capacidade de investimento formam uma corrente que prende o desenvolvimento econômico brasileiro. Mas, tenham em mente que o Brasil ainda tem de onde tirar alguns recursos.

Por mais que acabe concentrado nos lugares errados, esse dinheiro existe sim. Alguns setores da nossa economia são grandiosos, especialmente os de extração de matéria prima básica e agronegócio em geral. Essa economia disfuncional permite, mesmo que num volume pequeno, que algumas pessoas consigam escapar da pobreza total de tempos em tempos.

E permite também que o país arrecade valores exorbitantes em impostos, o suficiente para “colar com cuspe” a infraestrutura e os serviços básicos para o povo. Como já disse várias vezes, o Brasil merece muitas críticas sim, mas poucos países do mundo têm tanto de onde tirar como ele. Somos um tipo um pouco diferente de terceiro-mundistas: um que se der uma organizada na casa, tem força-bruta o suficiente para se tornar um país desenvolvido.

Não tem a capacidade ainda, mas tem de onde tirar os recursos. Já tem muita coisa construída aqui. Já tem gente o suficiente para tocar uma economia grande e um grau mínimo de aderência ao paradigma social do mundo moderno para manter as coisas funcionando. Incompetência e corrupção nos puxam para baixo constantemente, mas se precisar pagar o preço para se tornar uma nação realmente desenvolvida, o Brasil teria os recursos básicos.

Em vários dos outros países pobres desse mundo, essa não é verdadeiramente uma opção. Locais desérticos, isolados, destruídos por guerras… o que não falta nesse mundo são projetos complicados demais para tocar para frente. E nesses lugares, não há muita esperança. As pessoas continuam vivendo suas vidas porque é tudo o que sabem fazer, mas sem prospectos claros de crescimento.

O brasileiro vive há séculos com a sensação que “agora vai”, porque até mesmo o mais simplório de nós consegue enxergar que falta de potencial não é o nosso problema. O material humano atrapalha, mas o natural mantém a esperança viva. O problema é que mesmo assim, tem pra onde cair. Tem um lugar abaixo de onde estamos, especialmente no campo econômico.

E não é um lugar com o qual estamos acostumados. Quando a economia colapsa de verdade, não é só o dinheiro que some dos bolsos, é a perspectiva de futuro também. É uma redução brusca de oportunidades que vai complicando o funcionamento do país como um todo. As pessoas não podem mais consumir, e toda indústria acima do estritamente essencial começa a perder sua capacidade de manutenção.

Não é só que pessoas do esporte, entretenimento e afins comecem a perder suas fontes de renda, é todo um sistema de crenças que fica sem uma divindade. Se o jogador de futebol e/ou a funkeira não tem mais a oportunidade de ostentar, muita gente deixa de sonhar com essa vida. Por mais bregas que sejam esses sonhos, são eles que mantém o barril de pólvora da desigualdade social com menos risco de explosão.

Ser o “país do futuro” é uma indústria por si só no Brasil. As pessoas acreditam que tem muito dinheiro para ser captado por aí, basta dar um pouco de sorte. Isso mantém muita gente trabalhando por salários baixos, isso dá a coragem para muitos empreendedores, isso até controla um pouco a criminalidade. Faz parte da identidade brasileira acreditar que a fartura e a riqueza são possíveis.

Mas se essa noção se quebra, estamos num país absurdamente desigual, atrasado em quase tudo e sem perspectivas de melhoria. A foto sai sem filtro e o povo vê pela primeira vez como a coisa está feia. Colapsos econômicos são terríveis até mesmo em países que não tinham muita esperança para começo de conversa, mas no Brasil teria um toque de crueldade todo especial: mexeria com a alma tupiniquim.

E é por isso que eu acho o castigo mais dolorido pós-pandemia. A realização de que empurrar com a barriga e torcer para dar sorte no futuro não funcionou, e pior do que isso: causou ainda mais problemas. O brasileiro médio mal sabe falar português, quiçá outras línguas. Mal perceberia uma mudança de tratamento internacional. Mas ver seu país do futuro atolado num presente sem perspectivas poderia ser um choque de realidade valioso.

Esqueçam o Tiririca, pois pior que está… fica. Quando a economia brasileira ficar fraca até mesmo para os padrões do brasileiro médio, a alegria desse povo vai desaparecer rapidinho. Infelizmente, acho que desaparece culpando quem tentou salvar o país do desastre, por ser mais fácil. Mas que vai ser dolorido, ah, vai…

Para dizer que o pior castigo é ficar no Brasil, para dizer que logo melhora 1% e fica todo mundo feliz de novo, ou mesmo para dizer que pensou logo em umas bombas atômicas: somir@desfavor.com

SALLY

Qual seria o pior castigo para o Brasil, diante de tantos erros dos governantes e passividade do povo no combate à covid?

Perder a imagem que acha que tem de “país gente boa do mundo”.

O brasileiro, por algum motivo que eu desconheço, acreditava, até então, que o Brasil era visto no exterior como um país alegre, cheio de belezas naturais, habitado por um povo bonito, simpático e alegre. Praticamente um paraíso admirado pelo mundo todo, com apenas um algumas pequenas ressalvas no estilo “problemas todo mundo tem”.

O brasileiro, por algum motivo que eu desconheço, não sabia que o país era visto como uma latrina do terceiro mundo, sem higiene e precário, habitado por um povo desonesto, burro, onde mulheres são vistas como prostitutas vulgares e homens como malandros estelionatários. Mas isso está prestes a mudar, já se escutam algumas vozes muito putas pelo mundo soltando a opinião real.

Apesar de ter uma falsa autoimagem de como é visto no exterior, o brasileiro se apega a ela, depende dela para ter autoestima e a cultiva com todo amor e carinho. Seria engraçado de verdade se a imagem real que os outros países fazem do Brasil fosse massivamente divulgada e soterrasse essa ilusão de ser bem-quisto que o brasileiro tem.

Melhor ainda se a imagem piorasse ele fosse tratado pelos próximos cem anos como o idiota da vila, como leproso do mundo, como símio que atira fezes. Quem sabe assim baixava um pouco a bolinha desse povo arrogante que se acha no direito de prejudicar os vizinhos, todos com um povo muito mais agradável, bonito, culto, honesto e higiênico que o Brasil. Basicamente, o que eu gostaria de ver é um choque de realidade.

O Brasil parece aquele homem feio que, para compensar uma baixa autoestima fica dizendo para todo mundo que um monte de mulher dá em cima dele o tempo todo. Acho que todos vocês conhecem um tipinho assim. Levar um sarrafo público da opinião internacional seria como se uma mulher chegasse para esse homem feio e falasse o quanto ele é barango e como ninguém dá em cima dele, só na cabeça dele.

Eu sei que para muitos quando eu exponho esse tipo de pensamento, parece algo pessoal, parece uma raivinha, parece sentimento de vingança. Não é. A pessoa (ou o país) só pode melhorar quando toma consciência dos seus defeitos e passa a observá-los e trabalhá-los. Parece que se você ama algo não pode criticá-lo, pois isso é sinônimo de desgostar. Para gostar ou querer o bem de alguém você tem que passar a mão na cabeça 24h por dia.

O brasileiro não lida bem com o sentimento de rejeição. E, na cabeça desse povo, crítica é rejeição (ou bullying, ou preconceito). Não conseguem ver uma crítica como oportunidade para rever e melhorar. Portanto, a única forma de fazê-lo olhar para si mesmo e, quem sabe, se mexer para melhorar, é se o mundo todo apontar seus defeitos, de forma massiva, obrigando o povo a fazer alguma coisa por não conseguir lidar com tanta “rejeição”. Seria o pior castigo, pois o povo tem autoestima frágil e mede seu valor pelo olhar de terceiros, mas também seria a melhor lição.

Ao não suportar o sentimento de rejeição, o brasileiro correria atrás de algum tipo de mudança, seja para parecer bem aos olhos dos outros países, seja para poder ir para a Disney. O sentimento de ficar para trás é um ótimo motivador. A arrogância, a certeza de se achar o alecrim dourado da América Latina e a negação acabariam rapidinho.

O brasileiro teria que se perguntar quem ele quer ser. Não dá mais para posar de bonitão alegre quando a máscara caiu e o mundo te vê como um imbecil subdesenvolvido e mal-educado. Não dá mais para fingir que é. Ou melhoram, ou continuam como pária do mundo. Acabou o jeitinho, acabou a maquiagem, acabou o “posar de” sem ser. Ou viram um povo melhor, ou serão rejeitados.

E aí, meus amigos, aconteceria o que o brasileiro tem mais medo: o de arregaçar a manga e ter que efetivamente fazer alguma coisa. Teriam que trabalhar para evoluir, teriam que melhorar, teriam que deixar de ser o povo que suborna o guarda, que fura a fila, que mete atestado para ir em um show no dia de trabalho, que paga por fora uma ligação clandestina de TV a cabo enquanto pedem mais ênfase no combate ao crime. Não existe povo mais ou menos correto. Ou é correto ou não é. Ou é ético ou não é.

Daí teríamos dois cenários: o brasileiro descobre que é incapaz de melhorar pois simplesmente não sabe ser um povo correto, ético e responsável e se recolhe ao buraco de onde veio com plena consciência do que é, o que seria ótimo, pois ao menos se recolheriam e não encheriam o saco, ou o brasileiro dá um jeito de melhorar e, ao melhorar, para se comportar como um símio alcoolizado, o que também seria ótimo.

Francamente, eu não acho que pobreza afete o brasileiro. Se tiver o pagodinho, se tiver as baixarias, a amante, a cervejinha, o futebol… olha, o povo se vira. Parcela o que quer comprar em um milhão de vezes, ou compra no cartão, não paga e cinco anos depois tá com o nome limpo novamente. Malandro sempre tem um jeito, um golpe, para burlar as privações por falta de dinheiro. O que dói de verdade é ser confrontado sobre a verdade do que a pessoa é, uma verdade que a pessoa fugiu por uma vida dando uma série de desculpas.

As privações egóicas e cotidianas de ser um cidadão de terceira categoria, um pária do mundo, vão doer mais no brasileiro do que ficar devendo aluguel. E serão mais eficientes para esse povo repensar o comportamento bosta que vem adotando nas últimas décadas.

Para dizer que está ofendido com meu texto, para dizer que acha que eu estou certa mas ainda assim doeu ou ainda para dizer que o problema é que o brasileiro acha que todo brasileiro se enquadra no meu texto menos ele: sally@desfavor.com


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