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O tamanho do problema…

O tamanho do problema…

| Desfavor | | 18 comentários em O tamanho do problema…

Sally e Somir concordam que é um trabalho desumano cuidar de humanos muito pequenos, mas discordam quando é para definir qual é a idade mais complicada. Os impopulares educam.

Tema de hoje: o que dá mais trabalho, cuidar de bebê ou de criança?

SOMIR

Bebês. Essas coisas morrem por qualquer bobagem, e isso é assustador. Crianças são muito mais resistentes. É mais ou menos como perguntar o que é mais fácil de carregar entre um copo de cristal ou um copo de plástico.

Eu não gosto de responsabilidades, e quanto maior a responsabilidade, maior o incômodo. E eu nem considero isso sinônimo de ser irresponsável: a pessoa que não é confiável normalmente não é confiável porque não liga para o que vai acontecer. Eu ligo, eu me importo. Podendo escolher eu não me colocaria na posição de ter uma outra vida dependente da minha.

E na comparação entre bebês e crianças, essa dependência aumenta absurdamente no primeiro caso. Uma criança já tem alguns mecanismos de proteção em funcionamento, seus corpos são mais resistentes, e para muitas coisas, são até mais duráveis que adultos. Já bebês… caiu do jeito errado? Morreu. Dormiu numa posição ruim? Morreu. Entrou em contato com alguma substância nociva? Morreu.

Não quer dizer que eu seja retardado e vá facilmente deixar uma tartaruga fugir, ou no caso, um bebê morrer. Mas a pressão de ter em mãos uma forma de vida que incorre em punição legal caso seja negligenciada não me parece uma situação agradável. É um bebê, alguém tem laços muito poderosos com essa criatura e existem consequências severas para qualquer erro. Se fosse meu, então…

Sei que a maioria das pessoas entra no automático nesses casos, mas eu sou ruim nisso de entrar no automático: eu estaria sempre pensando no tamanho da responsabilidade e na fragilidade desse bebê sob meus cuidados. Não é um prospecto que me anima. Sorte da humanidade que eu não sou representante da maioria.

Crianças não evitam essa responsabilidade, é claro, mas o grau de tolerância para erros é bem maior. Crianças já tem o reflexo de se afastar de perigos imediatos, tem mais corpo para tolerar substâncias nocivas, já tem uma capacidade mínima de comunicação. Uma criança já é mais inteligente que o cão mais bem treinado do mundo, por exemplo. E em inteligência eu confio. Ela pode me avisar de muito mais coisas.

Novamente, eu sei o básico de cuidar de bebês e crianças por curtos períodos de tempo: atenção constante. Não quero que deixem bebês e crianças sob meu cuidado, mas se precisar muito, eu teria mais ou menos o mesmo grau de sucesso da maioria dos adultos (responsáveis) da minha idade. Não é um medo irracional de que o bebê ou a criança entrem em combustão espontânea, é só a constatação de uma tarefa estressante. Para ficar em paz com isso, só com experiência que eu não tenho.

Dito isso, o grau de estresse varia de um grupo etário para o outro. Muito embora eu não considere o ser humano muito interessante antes da idade adulta, podemos estabelecer também um grau de recompensa para diferentes idades antes disso. Bebês podem ser geneticamente criados para gerar afeto nas pessoas ao seu redor, mas para quem não está tomado por hormônios é uma coisinha bem chata. Come, caga, chora e dorme, não necessariamente nessa ordem. Claro, é bonitinho quando sorriem ou apertam sua mão, mas quantas vezes você vai achar graça na mesma coisa?

Imagina ter que dar toda sua atenção para um ser desses? Só com muita “droga” gerada pelo cérebro mesmo. Crianças já avançam uma etapa, também fazem muito do ciclo de comportamentos anteriores, mas já tem um grau de comunicação mais avançado e meio que sem querer, podem ser fascinantes. Eu considero o grau de desenvolvimento intelectual da criança um misto de robô e cachorro: as hilárias realizações da falta de lógica da sociedade que uma inteligência artificial chegaria com um desejo de aprovação e afeto típico desses animais.

Se criança fosse só essa parte, eu já teria uns 10 filhos. Evidente que não são. Não dá para desligá-las ou colocar no quintal quando estiverem enchendo a paciência, tem que formar um adulto viável ao mesmo tempo. É uma grande responsabilidade. Mas, no caso do texto de hoje, uma mais leve que a de bebês. Você não está lutando para manter vivo um ser absolutamente indefeso, está apenas preocupado com uma criança que normalmente pode ser controlada por comandos de voz.

E eu falo sobre esse aspecto porque trabalho se mede também pelo quanto você se diverte com a tarefa. Crianças podem oferecer uma conversa curta possivelmente muito engraçada, podem se distrair com jogos ou vídeos que às vezes podem te entreter também… bebês normalmente são preocupação aliada ao tédio. Se vai ter que ficar atento constantemente, que pelo menos mantenha a mente um pouco mais ocupada, não?

Mas é claro, no final das contas, o ponto mais importante continua o mesmo: a consequência de pequenos erros ou distrações. Um desses elementos morre fácil se você vacilar, o outro provavelmente pode ser consertado num hospital. Já faz muita diferença.

Para dizer que foi a análise mais insensível sobre crianças que já viu, para dizer que criança hiperativa é a pior coisa do mundo, ou mesmo para dizer que se criar filho fosse difícil a humanidade já tinha acabado: somir@desfavor.com

SALLY

O que dá mais trabalho: um bebê ou uma criança?

Ambos dão. Muito. Infinito trabalho. Mas, se tivesse que mensurar quem dá mais trabalho na minha opinião, acho que seria uma criança.

À medida que vão crescendo, deixando de ser bebês e passando a ser crianças, os pequenos seres humanos deixam de dar trabalho por um lado (ficam menos dependentes) mas passam a dar mais trabalho por outro (ficam mais demandantes). Só que a relação custo-benefício de uma criança é uma droga: continuam dependentes por precisar de supervisão para tudo só que agora os pequenos demônios esboçam opinião e demandam coisas.

Um bebê não faz absolutamente nada sozinho, ele depende de você para tudo, mas em compensação ele não fala, não têm querer, não tem condições de fazer exigências. Você troca a fralda dele quando ele faz cocô e não há qualquer chance de que ele se recuse a isso.

Já crianças conseguem fazer algumas poucas coisas sozinhas (na verdade, muito poucas, pois são extremamente idiotas e sem noção do perigo) mas, em compensação começam a ter vontade própria, a se recusar a algumas coisas impostas, a falar, perguntar, contestar. E isso, meus amigos, é a verdadeira visão do inferno.

O ganho em independência é muito pequeno quando comparado à perda colossal que se tem quando a criança externa sua vontade própria. Como eu disse, crianças não podem ser deixadas sozinhas nunca, um minuto sem vigilância e há grandes chances de que façam uma merdinha – e ainda por cima falam, contestam, se recusam.

Desculpa, mas se é para ter um trabalho do cão, que seja do meu jeito. Um bebê se sujeita aos comandos de um adulto. Você o coloca no berço e, querendo ele ou não, ele vai ficar no berço (no máximo vai chorar). Você bota uma criança na cama e, se ela não quiser, ela vai sair da cama. E aí a vida se complica, pois uma criança zanzando pela casa desassistida é um perigo. Assim, a criança obriga que você se levante junto.

Não gosto de negociar com terroristas. Me parece um horror ter que cuidar de uma criança, ainda mais do que ter que cuidar de um bebê. Bebê não tem autonomia e isso já alivia boa parte do processo. É demandante? Sim, é demandante, mas não tem a carga extra do pequeno meliante tentando fazer valer a sua vontade.

Se me deixar fazer as coisas do meu jeito sem me encher o saco, fica mais fácil para mim. Qualquer coisa, por mais sofrida que seja, se me deixar fazer do meu jeito e não me encher o saco, será menos pior. Por isso, prefiro ter mais trabalho, se for o caso, e poder fazer tudo do meu jeito e sem interrupções do que ter menos trabalho, mas ter que lidar com resistência, falatório e questionamento. E, na real, criança pequena dá todo o trabalho que um bebê dá, com a diferença que tem mais autonomia (anda, pega as coisas, quebra as coisas), tornando-se um perigo maior ainda.

Além disso, o que para muitos é um alívio (a criança começar a falar e poder expressar o que sente e o que quer), para mim é o inferno na Terra. Nesse momento a relação deixa de ser unilateral (o adulto responsável decidindo tudo) e passa a ser bilateral (o adulto responsável tentando obrigar/convencer uma criança sem a menor noção da vida a fazer o que é melhor para ela).

Zero paciência para isso. Educar dá trabalho, muito trabalho. Enquanto são bebês a tarefa dos pais é mais mantê-los vivos do que educá-los, e isso me parece muito mais simples. É como um Tamagoshi, só que você responde a um processo criminal se deixar ele morrer.

Prefiro tarefas braçais, esquematizadas, quase que automatizadas do que ter que lidar com a complexidade de ensinar o que é o mundo, valores, sentimentos e regras a uma criança. Eu diria que pelo simples fato do bebê não falar, ele já me ganharia, mas ainda tem a árdua tarefa de educar e disciplinar uma criança. Deus me dibre.

Se você não fornece ao bebê o que ele precisa para se manter vivo, ele morre: comida, água, higiene, cuidados básicos. Uma criança também, só que a criança parece que encontra centenas de novos jeitos de quase morrer. Sobe na janela, enfia coisas na tomada, enfia coisas no próprio nariz, come o que encontra pelo chão… O desafio só aumenta à medida que aprendem a andar. Não, obrigada, fico com o bebê.

Vocês já pararam para pensar o trabalho do cacete que deve ser ter que ensinar o que é o mundo a alguém? Quais são os perigos, quais são os códigos sociais aceitáveis, quais são as rotinas e tudo mais que uma criança precisa saber para viver neste mundo? Não, não. Muito obrigada. Eu fico com a troca de fralda, a mamadeira e o banho. Complexidade zero, uma vez que você pega o jeito da coisa, faz fácil, no piloto automático.

As necessidades de socialização, de educação, de estímulo intelectual, adequação, informação, afeto e tudo mais que você possa imaginar são escravizantes. Pessoas com crianças estão sempre correndo atrás de suprir isso tudo e sempre sentindo que não fizeram o suficiente. Mais uma vez: não, muito obrigada. Prefiro um mundo de papinhas e chupetas.

Quem tem filhos vai concordar comigo: você era feliz e não sabia quando vestia seu bebê com a roupa que você queria e ele simplesmente não podia reclamar ou se recusar a usá-la. Você era feliz e não sabia quando dava banho no seu bebê sem precisar convencê-lo a isso, era só pegar e colocar na banheira. Você era feliz e não sabia quando saía com seu bebê e ele ia sem reclamar onde quer que você o levasse. Com a idade, a coisa se complica.

Acho que o que quero dizer é que, pior do que ter que executar inúmeras tarefas de cuidado é a encheção de saco. É a encheção de saco que suga a energia vital de um ser humano, que dá realmente trabalho, que tira a sua vontade de viver. Me entupa de tarefas, eu não me importo, mas por favor, não me encha o saco.

Para dizer que ambos são um trabalho infernal, para dizer que com o tempo você se acostuma a ter sua vida desgraçada ou ainda para dizer que pior é cachorro: sally@desfavor.com


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