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Organização.

Organização.

| Desfavor | | 20 comentários em Organização.

O assalto a duas agências do Banco do Brasil no centro de Criciúma (SC) provocou terror na cidade na madrugada desta terça-feira. Além de rajadas de tiros, os criminosos fizeram barricadas com carros, espalharam explosivos e usaram reféns como escudo para evitar a aproximação de policiais. LINK


Uma quadrilha com pelo menos 10 criminosos assaltou uma agência do Banco do Brasil no Centro de Cametá (PA), a 235 km de Belém. (…) Os bandidos usaram moradores da cidade como escudo humano e atacaram o 32º Batalhão da Polícia Militar do Pará. LINK


Ainda bem que votamos em candidatos duros contra a criminalidade, não? Desfavor da Semana.

SALLY

Enquanto o cidadão comum bundeava, xingava muito no Twitter, postava foto sensualizando no Instagram, tentava mendigar algum contato humano no Tinder e enganava o chefe fingindo que trabalhava, um grupo de brasileiros decidiu se aprimorar, se organizar e ir além do habitual em suas atividades: os criminosos.

Estamos começando a ver atividades criminosas dignas de filme em cidades relativamente grandes, que deveriam ter aparato de segurança pública para assegurar que isso não aconteça. Fechar Moçoró do Cu do Mundo e levar todo o dinheiro do banco é compreensível, mas fazer isso em grandes cidades? É, parece que eleger bravateiros que ficam gritando que “bandido bom é bandido morto” não ajudou em nada a segurança pública, não é mesmo?

Primeiro diziam que melhorariam a segurança pública, com mais policiais, melhor equipados e melhor remunerados. Não rolou. Diante deste fracasso com a segurança pública, que deveria ser o ponto forte do atual governo, agora parecem querer delegar o que deveria ser uma prestação de serviço público para a população, com a falácia de que se as pessoas estivessem armadas, poderiam evitar esse tipo de coisa.

Eu não tenho nada contra permitir que pessoas andem armadas, inclusive sou entusiasta de armas. Mas estamos falando do brasileiro médio, um tosco incompetente que não faz nada direito. Não consegue sair com um guarda-chuva sem provocar um acidente por imbecilidade. Arma, para ser uma ferramenta de defesa (e não agente do caos) requer treinamento, controle emocional e disciplina. Tudo que brasileiro não tem.

Além disso, se nem a polícia consegue conter esse grau de criminalidade com suas armas, imagina cidadão comum, com as arminhas merdas que lhe são permitidas. Janderson, aposentado, terraplanista, acredita que a vacina é uma conspiração do Bill Gates, morador de M´Boi Mirim, vai enfrentar quadrilha com fuzil de guerra e lançador de míssil que derruba avião com um 38? É pra rir, né? Eu estou rindo.

Eu sei que isso não funciona, são mais de 40 anos de Rio de Janeiro, onde esta grande “novidade” que o resto do país experimenta estarrecido, é regra. Armar o povo não funciona no Brasil, não pelas armas ou por ser contra armas, mas sim pelas pessoas. Um povo tosco, descontrolado, passional, com baixa autoestima e que cada vez nega mais a ciência armado seria o equivalente a um macaco com uma navalha. E seria uma puta covardia, pois as armas permitidas para cidadão comum não têm qualquer condição de fazer frente às armas usadas pelos criminosos atualmente.

Quando você negligancia um setor que precisa de atenção, como é o caso da segurança pública no atual contexto, a coisa desanda. Aí não adianta querer empurrar a responsabilidade para o povo e sugerir que eles, armados, vão poder se defender. Isso é discurso de quem não entende absolutamente nada de armas e/ou do povo brasileiro.

Boa sorte tentando acertar um bandido que atira diariamente com AR-15 desde os 13 anos, sendo você muito menos experiente e estando com uma arma muito inferior. É como dizer que se você pegar seu fusca pode vencer uma competição de Fórmula 1 com pilotos e carros profissionais.

O que sim deveria ser feito é frear esse processo de riodejaneirização do Brasil. Não é de hoje que isso acontece, e acontece em vários aspectos: na baixaria, na lacração, na falta de cultura, na burrice, na falta de educação… e agora está acontecendo na violência. Bem-vindos ao que foi meu mundo por 40 anos. Spoiler: vocês não vão gostar, não é agradável.

Vamos trabalhar com a realidade aqui. Fazer uma mudança social profunda, acabar com a desigualdade, dar oportunidade a todos, educar a população e todo o resto que precisa ser feito para reduzir a criminalidade, ou seja, para que ela não valha a pena, não vai acontecer. Demandaria décadas e não há nenhum movimento nesse sentido por parte do Poder Público. O material humano do Brasil só tende a piorar. O crime tende a ser cada vez uma opção mais atrativa.

E se armar a população não é a saída, esse papo de intelectualóide do Leblon que faz revolução com dinheiro dos pais de dizer que não tem que ter repressão policial também não é a solução. O criminoso brasileiro é brutalizado, bárbaro, se comporta como bicho, se deixar mata, degola, trucida quem quer que cruze seu caminho: uma idosa, uma mãe com um bebê no colo, um deficiente físico. São pessoas que não tem qualquer limite. Não dá para levantar a bandeira do policial desarmado interagindo com essas pessoas.

Vamos admitir que o Brasil negligenciou e maltratou tanto seu povo que alguns descambaram para uma psicopatia violenta (tanto na polícia como nos bandidos) e agora estão fora de controle. Não é hora de falar em medidas a longo prazo, não é hora de falar em educação, em medidas sociais. O problema está na frente de vocês e é grave. Não dá mais para idealizar, conjecturar, pensar em soluções utópicas e a longo prazo.

É como se um leão fugisse do zoológico, estivesse solto na cidade fazendo inúmeras vítimas e um grupinho de pessoas reunidas para solucionar o problema viesse com aquele discurso de “animais selvagens não podem ser mantidos em cativeiro, o lugar deles é na natureza”. O leão já foi mantido em cativeiro, tarde demais. E agora ele está solto comendo gente, caralho. O que deveria ter sido feito antes não importa, parem tudo e pensem em uma forma de evitar mais vítimas.

Tem um embrião de algo se formando. Se for devidamente abortado, pode ser que esse tipo de ação não se torne corriqueira. Caso contrário… boa sorte pra vocês. Há inteligência e aparato suficiente para adotar medidas preventivas que coíbam esse tipo de ação? Se há, sugiro que o façam logo. Se não há (spoiler: não há) vão ter que combater isso da forma mais dura que lhes é possível dentro da realidade da força policial hoje em dia. É o ideal? Óbvio que não. Mas é o possível. É a única forma possível.

E quando o possível é feio, muita gente o refuta. Ninguém quer admitir que seu país chegou num ponto de negligência e danação tão grande que, para colocar um freio, terão que fazer e passar por coisas horríveis. Mas, infelizmente, a realidade não está nem aí para o que a gente pensa. Ou freiam isso agora, ou vai sair (mais) do controle. E se o preço para frear é fazer algo feio, eu deixo a pergunta no ar: faz o que? Deixa continuar para não precisar fazer algo feio?

O Brasil está flertando com caos social muito de perto, achando que ainda dá para esticar a corda um pouco mais. Uma hora a corda arrebenta. Façam o que estiver ao alcance de vocês para parar o processo de riodejaneirização do Brasil ou, se não puderem fazer nada, ao menos não atrapalhem quem pode. Infelizmente a solução não é nem armar a população nem desarmar os policiais. Caiam na real, a solução é feia, horrível, mas necessária.

Para dizer que eu estou incitando a violência (como se precisasse de alguém incitar no Brasil), para dizer que se explodir o Rio de Janeiro corta o mal pela raiz ou ainda para dizer que como ainda não chegou na sua cidade, você não se importa: sally@desfavor.com

SOMIR

O ser humano vem programado de fábrica para confiar. Crianças tendem a acreditar cegamente nos adultos, e crescer é basicamente um processo de perder essa confiança absoluta no outro em troca da própria percepção de mundo. Mas, é claro, como tudo o que envolve o ser humano, é mais complicado do que uma explicação generalizada: algumas partes dessa confiança se perdem com o tempo, outras acabam se transformando… e varia de indivíduo para indivíduo. Não dá para resumir tudo isso numa série de livros, quem dirá num mero parágrafo…

Mas podemos pinçar uma dessas questões de confiança residual da infância para analisar a relação do brasileiro médio com seus políticos. Os fatos da vida nos deixam amargos com quem exerce posições de poder no nosso sistema político, da aula de filosofia à mesa de bar, a maioria concorda que é um bando de ladrões que não liga para o povo. Mas, de novo… é mais complicado do que isso: são uns inúteis, mas eventualmente essa confiança no “adulto que sabe o que faz” se manifesta no processos democrático. Votam no pastor para defender valores morais ou votam no militar, policial ou no juiz para vencer a criminalidade.

Como os últimos ciclos eleitorais nos mostraram, havia um último atalho para conquistar essa confiança do povão: políticos fantasiados. Se o candidato estivesse usando a roupa de uma figura de autoridade respeitada pela população, conversava direto com aquela parte do cérebro das pessoas que só quer de volta a paz de ter por perto um adulto de confiança. O problema é que o sistema eleitoral brasileiro continua sendo um concurso de popularidade altamente baseado na capacidade de um candidato entregar vantagens para quem o financia. No final das contas, os candidatos religiosos ou militares estão mais para uma stripper vestida de freira ou um go-go boy com roupa de policial. É só fantasia mesmo, porque para exercer a função, importa o que está por baixo.

Não sei quanto tempo esse truque eleitoral vai continuar valendo, mas enquanto isso, continuamos vendo os problemas de sempre. No país que resolveu votar em peso em candidatos prometendo linha dura contra a criminalidade, a criminalidade vai muito bem, obrigado. Assaltos de grandes proporções do Norte ao Sul, com armas militares e estratégias de guerra? Isso é prova que pelo menos alguém estava tentando melhorar ao invés de ficar prometendo isso sem parar. Azar nosso.

Sim, eu sei que é meio preguiçoso colocar isso na conta do Bolsonaro e os inúmeros políticos supostamente linha-dura que o brasileiro elegeu há tão pouco tempo atrás, a criminalidade não começou ontem. Mas o ponto não é bem esse, e sim a futilidade do processo todo. Voltando ao exemplo das fantasias, pedir para esse tipo de governante resolver o problema da violência é mais ou menos como pedir um curativo de uma garota de programa com fantasia de enfermeira. Não é o que a pessoa é.

Policial ou militar não sabem como coibir violência na sociedade como um todo, sabem resolver problemas pontuais. O encanador não projeta sistemas de distribuição de água e coleta de esgoto para uma cidade… o pedreiro não define o zoneamento das construções… então por que tanta gente acha que o policial vai saber como reduzir a violência urbana?

Tanto que a grande solução de Bolsonaro e muitos de seus defensores para tornar o Brasil um país mais seguro é armar a população. É o dançarino vestido de bombeiro sugerindo como apagar um incêndio! Vai sugerir a coisa que lhe parece mais óbvia, sem considerar as consequências. Qualquer brasileiro médio pode chegar nessa conclusão de armar a população para coibir a criminalidade. É instintivo, até. Homem das cavernas ter medo de pedaço de pau na mão do inimigo, homem das cavernas pegar um pedaço de pau também! Uga uga!

Se fosse tão simples assim, as coisas já estariam resolvidas há séculos. Arma de fogo pode te salvar em situações pontuais, mas não é um fator determinante em segurança coletiva de uma sociedade. Os EUA são o país mais violento entre os desenvolvidos com armas vendidas em supermercado, a Suíça é um dos mais seguros, e o governo dá um rifle de alta capacidade para cada cidadão. Segurança pública é muito mais do que armas. No Brasil, o mais provável com a liberação total de porte de arma para o cidadão médio seria o aumento exponencial de crimes passionais e a manutenção de praticamente todos os outros.

Porque como toda pessoa que estuda a área pode te dizer, é muito mais complicado que um só fator. Linha dura contra a criminalidade pode funcionar sim, da mesma forma como uma postura tolerante também já se provou eficiente em alguns países. Não é só uma coisa ou outra. Mas, na confiança quase que infantil que o brasileiro deposita nos mesmos políticos que xinga sem parar, o importante é bravatear uma solução rápida para ninguém pensar no tamanho do buraco onde nos enfiamos.

O crime organizado continua evoluindo, mesmo que seu integrante médio não seja nada mais sofisticado que um maluco com uma AR-15 na caçamba de uma pick-up. Não precisa ser um gênio para perceber que um ataque rápido contra uma força policial absolutamente sucateada por décadas de negligência é uma forma eficiente de ganhar muito dinheiro. Não é como se esses bandidos estivessem escolhendo entre uma vida estável de classe média e os riscos da criminalidade, já estão na merda mesmo, melhor estar na merda com dinheiro para torrar.

O ser humano das cavernas não tinha estudo nenhum, mas dado tempo suficiente, acabou pisando na Lua. Não subestimem o que gente marginalizada pode fazer com o passar das décadas, ainda mais numa era com comunicação instantânea à distância e virtualmente todo conhecimento humano na tela de um celular. O crime organizado vai crescendo dia após dia, e como vimos recentemente, essa evolução começa a colocá-los num campo parecido com grandes empresários, e veja só, políticos. Quando Bolsonaro desmonta estruturas de combate aos crimes financeiros para salvar os filhos, desmonta também uma das formas de pegar as facções e máfias que se formam no país onde mais dói: no bolso.

Existem muitas formas de combater quadrilhas dessa proporção, mas a maioria delas já começa a se misturar com formas de combater a corrupção. E por mais que seu político de estimação esteja usando a fantasia de delegado ou capitão, o que está por baixo é muito mais obsceno.

Para dizer que não sabe mais qual o nosso lado, para dizer que ia enfrentar um lança-mísseis com uma pistolinha, ou mesmo para dizer que o país já está perdido: somir@desfavor.com


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