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12 anos polêmicos.

12 anos polêmicos.

| Desfavor | | 48 comentários em 12 anos polêmicos.

Hoje o Desfavor comemora 12 anos de existência! Depois de tantos aniversários, resolvemos celebrar as inúmeras amizades feitas nesse caminho. E por amizades queremos dizer gente descompensada que vem berrar aqui todos os dias…

E no primeiro texto da série especial “Fazendo Amizades”, Sally e Somir olham para seu imenso catálogo de textos em busca daquele que mais parece ter mexido com o emocional das pessoas. Os impopulares concordam, discordam ou dão um chilique ridículo.

Tema de hoje: qual o texto mais polêmico da história do Desfavor?

SOMIR

Minha missão de trazer algum refinamento para as massas descamisadas da internet continua firme e forte mesmo depois de 12 anos de trabalho não remunerado. Por isso, permitam-me fugir do óbvio de favelados perdendo a linha com textos que sequer conseguem ler e vamos falar de um que há quase uma década mexe com um tabu social da forma mais errada possível e ainda assim é um dos campeões de comentários: “Flertando com o desastre: Mortalmente eficiente.”

No já longínquo 2011, eu ainda estava numa fase experimental da minha carreira de colunista impostor: por vezes escrevia de forma extremamente obtusa para me provar como pessoa inteligente na internet (excelente objetivo de vida, não?), por vezes escrevia de forma rasteira e provocativa para demonstrar que não me importava com essas amarras sociais, bicho! Calhou do texto sobre métodos mais eficientes de suicídio estar nessa segunda categoria. Nada mais adequado…

Já quis renegar o texto, mas ele tem um charme próprio na sua insensibilidade calculada que o Somir de 2020 talvez não consiga mais repetir. Fica como uma relíquia do seu tempo. E é aqui que eu vou tentar convencer vocês a fugir do óbvio junto comigo na escolha: um texto pensado e montado para ser de mau gosto oferecendo sugestões para que uma pessoa tenha mais sucesso no seu suicídio passou por todos esses anos sem lidar com reações muito negativas.

Quem disse que polêmica é só briga de xepa na feira? Gente berrando e se estapeando? Polêmica é muito mais que essa baixaria, polêmica deveria ser tudo aquilo que gera uma reflexão e nos faz rever nossos argumentos e ideias sobre a vida. O Somir de 2011 queria ser chamado de pessoa horrível e insensível para validar sua masculinidade internética, mas acabou recebendo vários e-mails com agradecimentos com o passar desses anos. Sim, agradecimentos. E não por ajudar a pessoa a se matar, e sim por pelo menos segurar o impulso por mais um dia que fosse.

Acontece que a escolha do tom mais debochado do texto e o foco na nojeira e escrotidão relacionadas com a morte conseguiam abrir uma janela na cabeça de muitas pessoas para algo além do papo repetitivo de autoajuda e religiosidade barata que viviam escutando. Minha teoria é que o mundo do suicida acaba ficando muito viciado na análise de vida ou morte, mas pouco se fala sobre o ato que eles desejam. O texto não fica argumentando sobre motivos para viver ou não, ele fala do ato prático do suicídio. O que muito provavelmente dá contornos mais reais à situação da pessoa, criando uma oportunidade de quebrar o ciclo, mesmo que por alguns momentos.

Eu não tinha a menor ideia de que o texto funcionaria assim para tanta gente, não era o objetivo; era uma semana temática que Sally e eu disputávamos para ver quem podia ser mais mórbido. Polêmica não deveria ser só um exército de analfabetos funcionais xingando a autora do texto, deveria ser também um texto que nasceu para deixar todo mundo desconfortável, mas com o passar dos anos virou uma espécie de lugar seguro para quem está pensando em se matar. O tema é muito pesado para a gentalha média vir participar, a chance de deixar relatos anônimos é um alívio nesse mundo de evasão de privacidade.

Mas é obvio, tem gente sim que vem reclamar, chamar de insensível, dizer que vai denunciar e as inúmeras bravatas de internet que já nos acostumamos a ignorar seguidas vezes. Eu só não queria basear todo meu argumento nisso, até porque se formos ficar só com a pancadaria, o texto da Sally é completamente imbatível. Com o passar dos anos, é sempre o mesmo papo furado de que estamos brincando com coisa séria (eu sou desnaturado e a Sally acaba respondendo os comentários) e que um dia eu vou me arrepender de ter feito piada com isso.

Primeiro que a função do humor é justamente aliviar a seriedade da vida e nos dar mais liberdade para pensar. Num mundo onde não se brinca com coisa séria, as coisas ficam travadas para sempre. E pra falar a verdade, o humor da situação vem mais da forma sem cerimônia que eu tratei do assunto, porque o resto é informação bem realista. Parece que a única forma de não desrespeitar o problema é incentivar o suicida a perder completamente a leveza da vida. Eu aposto e ganho que a maioria dessa gente chata que vem reclamar do texto acha que tem que botar o suicida pra rezar e tudo se resolve. Egoístas que querem pontos com seu amigo imaginário e estão pouco se lixando para o sofrimento alheio.

Dizer para um suicida não fazer merda e ficar paralisado ou com outras sequelas para o resto da vida é muito mais ajuda que a lavagem cerebral que essas supostas “pessoas de bem” querem aplicar. Prova disso é que vem até o texto, cagam suas opiniões e somem para nunca mais voltar. É a boa ação do dia. Padrão “vou protestar aborto na porta do hospital para aparecer na Globo, mas a menina que se exploda depois”. Esse papo furado não cola aqui. A Sally sempre chega primeiro para dar uns tocos nesses babacas, mas eu me sinto representado.

E sobre a história de eu me arrepender um dia se algum conhecido, amigo ou familiar fizer isso, tenho certeza que não, e por um motivo muito simples: não tenho ilusão de controle sobre a vida alheia. Cada um de nós faz o que pode com suas habilidades e prioridades. Não é uma ideia geral de que glorificar suicídio é errado que vai mudar isso. Quando você tira essa escrotice egoísta de achar que o mundo gira ao seu redor da mente, começa a perceber que você é só uma parte do todo. Torço para que o texto tenha evitado muitos suicídios, mas se não evitou, que pelo menos tenha ajudado a evitar sequelas horríveis.

Um texto escrito para ser debochado acabou gerando resultados muito sérios em diversas vidas. Não sei quanto a vocês, mas pra mim esse é o tipo de polêmica que gosto de gerar.

Para dizer que sempre quer se matar depois de ler meus textos, para dizer que a formatação dos textos antigos te deixa maluco(a), ou mesmo para dizer que faz 12 anos que sempre discorda de mim aqui: somir@desfavor.com

SALLY

Qual é o texto mais polêmico de toda a história do Desfavor?

O texto chamado “O lado negro da gravidez”.

Nem era para ser provocativo, era um Desfavor Explica. Fatos médicos, científicos, descritos em livro técnicos foram narrados ali, mas, por algum motivo que eu ainda tenha dificuldade em entender (talvez pelas piadas de gosto duvidoso), despertaram a fúria de uma comunidade de mamães e futuras mamães.

Provavelmente ele é o recordista de comentários e de xingamentos nos comentários. Ele é de uma época feliz, onde não tínhamos tantos leitores e podíamos nos dar ao luxo de aprovar e responder qualquer coisa sem soterrar os comentários de quem realmente nos interessa e sem comprometer nossas vidas, nossos trabalhos e nossas horas de sono.

Esse texto despertou tanta ira que rodou em tudo quanto é grupo de redes sociais como uma referência de algo “errado”, de um desrespeito, de uma afronta. Teve também a participação especial de uma influencer famosinha, que o postou no Twitter me chamando de “lixo humano” e pedindo a seus seguidores que venham aqui me xingar. E não, ela não morreu de sunga branca, continua vivinha.

Curiosamente a intenção do texto era ajudar as mães, sobretudos as de primeira viagem, que acreditam em gestação “comercial de margarina” e, quando as dificuldades se apresentam, se sentem mal, se culpam e acham que aquilo só acontece com elas, que todas as outras mães são lindas e felizes como no mundo fantasioso do Instagram. Mas, tudo que consegui foi uma raiva desmedida e muitas pragas rogadas.

Ao que tudo indica, não se pode apontar que algo tenha um lado ruim, pois você, automaticamente, está falando mal desse algo ao fazer isso. E, spoiler, tudo na vida tem um lado negativo. Assim caminhamos, anos depois, para uma infinidade de mamães com depressão pós-parto, pegas de surpresa por uma demanda que nunca imaginaram ser tão exaustiva, por problemas que eram totalmente previsíveis, mas que se convencionou socialmente não falar.

Não são péssimas mães como elas mesmas pensam, não são fracas por não suportar tudo com um sorriso no rosto, cabelos escovados e pele impecável. São apenas mães pegas de surpresa, que se planejaram para uma coisa e receberam outra, que não foram informadas da verdade completa, que tiveram informações importantes sonegadas.

Além da quantidade de ofensas deste texto maravilhoso que engajou multidões, temos também a qualidade das ofensas. Não é aquele combo padrão com o qual se tenta ofender mulher: burra/feia/gorda/puta/encalhada/você escreve mal/é injeva. Não. São ofensas doídas.

Sabe quando a pessoa tenta parecer calma no que escreve, mas está tão nervosa que comete vários erros de digitação e se repete over and over mostrando o quanto ela precisa desabafar sobre a dor que você causou? Sabe quando a pessoa está tão transtornada de ódio que fica cega e sem critérios e chega a se contradizer na argumentação? Esse é o sinal de ofendimento (a palavra não existe, mas deveria) master, quando realmente doeu.

Por exemplo, vemos comentários que começam xingando pelo conteúdo e descrevendo o milagre maravilhoso que é ser mãe e ao final terminam rogando uma praga: tomara que você tenha muitos filhos. Ué, se é tão bom, por qual motivo me deseja vários? Vemos comentários com uma falsa superioridade de gente que gasta dez linhas. Se a pessoa é tão superior a mim, por qual motivo perde tempo me dando atenção? Mistérios da vida.

Outra incongruência comum é dizer que se eu não engravidei eu não posso falar sobre isso. Bem, não deveriam permitir obstetras homens, pois eles não sabem nada sobre gestação e parto, afinal, nunca engravidaram ou pariram. O ódio cega. O ódio impede de ver que há questões científicas comprovadas que independem de vivência, achismo ou opinião. Você precisa levar uma facada para saber que vai sangrar?

Nunca na história deste blog vimos tantos comentários nervosos, cheios de erros de digitação, onde a pessoa se repete, se repete e se repete por claramente precisar desabafar? Uma enxurrada de descontrole emocional, de pessoas apontando o dedo em reprovação para quem ousou criticar o santo estatuto da maternidade e, estas mesmas pessoas virtuosas e defensoras da família, me desejando uma morte dolorosa, que eu apanhe, que eu seja estuprada.

Foi nesse texto que eu percebi que a palavra escrita pode ter mais poder do que a falada. Me impressionou como tantas pessoas se deixaram afetar de forma tão visceral por um texto escrito por uma desconhecida. Teve gente dizendo que eu estraguei sua vida pois seu sonho era ter filhos e agora estava com medo. Quão merda tem que ser a autoestima de uma pessoa para abrir mão de um sonho por um texto que uma desconhecida escreveu? Mais: se o que eu escrevo é tão ruim, errado ou mentiroso, por qual motivo vir aqui ler e deixar comentários?

Esse grau de passionalidade eu nunca vi em nenhum outro texto. Mais nada do que eu escrevi doeu como aquilo doeu nas pessoas. Do Somir então, nem se fala, a escrita dele não desperta ódio. Nem poderia, esse público mais rasteiro que tem essas reações emocionadas não entende uma palavrado que ele diz, não sabem nem por onde começar a atacar.

São 12 anos aprovando comentários diariamente, acho que eu tenho bastante conhecimento para falar. Fizemos alguns textos que aborreceram muita gente, mas nada nem parecido com o que aconteceu nesse do lado negro da gravidez. Esse doeu, doeu lá no fundo. Doeu tanto que as antas divulgaram algo que odiavam e foi um grande salto no número de visualizações diárias do Desfavor. Nos fizeram ganhar um número significativo de leitores.

E, ao que tudo indica, é um texto dolorosamente atemporal, já que, até hoje, muitos anos depois, sempre aparece mais alguém para reclamar e xingar, deixando seu belíssimo comentário passional para passar seu recibo do quanto doeu. A diferença é que agora não aprovamos, pois a política de comentários do Desfavor mudou. Mas o texto continua doendo. É praticamente uma ofensa atemporal, que afeta todas as classes, raças, etnias e religiões. Seria este texto a salvação do Brasil? Seria este texto o único elo capaz de unir esquerda e direita e acabar com a polarização?

Se, um dia, estiverem com tempo sobrando, recomendo que leiam os comentários e as respostas. É engraçado. No começo eu estava com paciência, no começo eu era civilizada. O tempo foi passando e o descontrole continuou. No meio do caminho eu perdi a paciência e migrei para respostas atravessadas e, no final, é pancadaria pura.

Vale uma visita para entender o quanto as pessoas são e sempre foram vulneráveis à internet. E sim, eu continuo sem filhos, o que garante uma quarentena silenciosa e tranquila. Como foi, está e será a quarentena de quem tem filhos?

Para dizer que mãe é a raça mais passional, descontrolada e ofendida que existe, para culpar os hormônios das grávidas ou ainda dizer que é uma bela época para não se ter filhos: sally@desfavor.com


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