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Florais de Bach

Florais de Bach

| Sally | | 22 comentários em Florais de Bach

Descobri esta semana que o tem escolhido não é homeopatia, é uma categoria autônoma, tão ineficaz quanto. Como vem sendo cada vez mais difundido e oferecido, desde farmácias até pet shops, achei que valeria a pena falar um pouco mais dessa… categoria: Florais de Bach.

Não, Florais de Bach não são uma ópera. Antes fossem. O inventor dos florais foi um homeopata inglês chamado Edward Bach, por isso o nome. Apesar de terem sido “criados” por um homeopata, os Florais de Bach são uma dissidência da homeopatia.

A diferença fundamental da homeopatia para os florais é a premissa. Pata falar de um, é preciso explicar o outro. Como já temos diversos textos sobre homeopatia, serei breve para não me repetir.

A homeopatia parte do princípio de que “semelhante cura semelhante”. Se você achava que a definição de homeopatia era usar “algo natural” para curar, “feito com substâncias naturais”, vai pro cantinho da vergonha ler os nossos textos sobre o assunto. “Semelhante cura semelhante” não quer dizer que sempre se usam substâncias naturais para isso.

Por exemplo, existem “remédios” homeopáticos feitos com restos do Muro de Berlim para cuidar de ansiedade de separação (não, não é piada). Existem outros feitos com penas de coruja para cuidar de insônia. Essas matérias primas são diluídas muitíssimas vezes, até que as moléculas que a mistura original continha desapareçam e você fique apenas com o solvente, que, segundo eles, guarda a “memória” do que já esteve nele um dia.

A dissidência dos Florais com a homeopatia se deu justamente pela premissa: o pessoal dos Florais não acredita que semelhante cura semelhante. Eles acreditam que a essência contida em algumas flores pode trazer benefícios para as pessoas. Mas, via de regra, dissolvem a porra toda até não sobrar nada, acreditando na “memória” da água. Haja paciência.

Então, no que a terapia com Florais acredita? Bem, os deixo com as palavras de seu criador, sobre onde se busca a cura. Bach disse que curas só são realmente possíveis quando o “bem substitui o mal, a luz substitui as trevas”. Muito científico. Nada contra quem quer acreditar nisso ou em qualquer outra coisa, tudo contra quem reveste isso com o manto da ciência, pois não é ciência.

Daí você deve estar pensando, com quais critérios se definiu a essência de qual flor cura o quê. Estudos? Experiências com voluntários? Análise química da composição de cada flor? Não, meus amores. Novamente, deixo que as palavras de Bach lhes expliquem a metodologia usada para definir qual flor curaria cada problema: “através de uma sintonia intuitiva e mediúnica com a essência das plantas”. Isso mesmo. Zero testes, apenas uma sintonia intuitiva e mediúnica. Dá para dizer que isso é ciência?

Neste ponto, em meio a tanto obscurantismo, você pode estar se perguntando se não tem o risco até de um envenenamento ou disso fazer mal a alguém. Dependendo de como o floral foi feito, sim, tem riscos.

Florais são essências à base de flores e ervas destinadas a modificar estados mentais específicos. Para começo de conversa não há provas de que a essência de uma flor possa modificar um estado mental de alguém. Desculpa, mas esse atalho é muito conveniente. Se você tem fobias, depressão, ansiedade ou estados mentais alterados, seu caminho é uma terapia séria, não beber aguinha de flor.

E, mesmo essências à base de flor pudessem mudar um estado mental, assim como a homeopatia, o processo de preparo dos Florais de Bach costuma trabalhar com uma diluição até que não sobre nada das moléculas acrescentadas à mistura original, alegando que a água (o solvente) guarda a “memória” da molécula que um dia esteve nela. Então, na melhor das hipóteses, você vai pagar muito caro por um líquido sem essência alguma. Na pior… bem, já vamos falar disso.

Obviamente, também não há qualquer prova científica de que a água guarda memória de moléculas que estiveram nela. E esperemos que não guarde mesmo, caso contrário a água que você bebe, mesmo muito filtrada e purificada, deve guardar a “memória” de inúmeros coliformes fecais que um dia estiveram nela, não é mesmo?

“Mas Sally, quem disse que água não tem memória? Há estudos que comprovam que a molécula da água reage a emoções humanas”. Há estudos sérios? Sérios eu não conheço.

Há estudos famosos, como o de Masaru Emoto, japonês que teria “comprovado” que moléculas de água reagem a palavras, imagens e músicas. Um estudo com zero credibilidade, pela forma como foi realizado. Por sinal, o próprio Emoto, quando foi “apertado” pela comunidade científica disse que ele não era cientista, que seu objetivo não era provar nada, que seus estudos não tinham qualquer validade científica e que os fotógrafos que captaram as imagens das moléculas de água foram instruídos a selecionar “as fotografias mais bonitas”.

Desculpa os termos, mas “tem estudo provando” é o caralho. Se eu quiser, escrevo dez páginas dizendo que a terra é plana, chamo de “estudo” e divulgo. Estudo só tem validade científica quando atende a uma infinidade de requisitos e a única forma de você ter certeza de que ele atendeu a esses requisitos é que seja feito com duplo cego, revisado pelos pares e publicado em uma revista científica de renome. Nestes termos, não há estudo algum provando que o solvente guarda a memória do que já esteve nele. Muito pelo contrário, há estudos provando que isso é um tremendo charlatanismo.

Agora vamos falar do que pode acontecer na pior das hipóteses. Dependendo do “médico” e do problema apresentado pelo paciente, não se faz essa diluição absurda igual à da homeopatia. É possível que se coloque a essência da flor (as pétalas são fervidas ou deixadas ao sol em água por horas) com outro conteúdo curioso: metade essa aguinha de flor, metade conhaque. Em alguns casos, é isso que se dá ao paciente, sem diluição. Isso significa que, dependendo da situação, alguns florais podem ter concentração alcoólica de 25% a 40% por volume, algo próximo do teor alcoólico do uísque (43%). Excelente para crianças!

Vamos entender o motivo de querer beber água de flor para mudar o estado mental. O Dr. Bach partia da seguinte premissa: todas as doenças são causadas por desequilíbrios psicológicos ou emocionais, logo, como flores podem agir nas emoções, seriam capazes de curar tudo, até mesmo câncer, pois atuam na causa de todos os males. Quimioterapia para quê, se você pode ferver umas flores do quintal e curar tudo?

E se você ainda tem dúvidas da temeridade que é este “tratamento”, vou transcrever aqui a introdução de um dos livros mais famosos de Bach, para que você entenda a mente da pessoa que criou os florais: “Este sistema de tratamento é o mais perfeito jamais dado à humanidade. Tem o poder de curar doenças; e, em sua simplicidade, pode ser usado no ambiente doméstico. Em sua simplicidade, combinada a seus efeitos de cura total, é muito maravilhoso. Nenhuma ciência, nenhum conhecimento são necessários, além dos métodos simples ensinados aqui”.

Ou seja, ele disse que não é necessária ciência, estudos, antibióticos… nada além de uma sintonia intuitiva e mediúnica com a essência das plantas. Meu Senhor, que vergonha! Não dele, pois considerando que era um homeopata, esse tipo de devaneio é coerente. Vergonha eu tenho de quem usa e ainda dá isso para seus filhos. Vai ser New Age na pqp, se informe antes de pingar algo na boca de uma criança!

Eu não sou cabeça fechada, eu acredito que a mente humana é muito mais poderosa do que nós podemos supor. Eu consigo conversar sobre a ideia de uma pessoa se curar com algum tipo de poder que ela tem dentro dela e consegue acessar. Mas dizer que a cura vem de um drink de flor? Não, não. Vai enfiar margaridas no rabo. Quem tem o poder interno de operar mudanças, milagres, curas ou como queira se chamar, o tem inato, independente de um suquinho de planta ou qualquer outra alegoria à qual se pretenda imputar esse poder.

“Mas Sally, tem estudos comprovando a eficácia de Florais de Bach”. Estudos científicos só tem validade caso atendam a uma infinidade de requisitos, para assegurar que não darão um falso positivo ou um falso negativo. E a única forma de ter certeza de que esses requisitos foram atendidos, é que eles observem aquilo que vocês já estão cansados de escutar: duplo cego, revisado pelos pares, publicado em uma revista científica de credibilidade.

Sem atender a todos os requisitos, eu posso fazer um estudo hoje e te provar por A + B que eu sou um rinoceronte. Existe um motivo para que se estabeleçam regras para que um estudo seja levado a sério: sem elas você consegue promover qualquer distorção dos resultados. Os estudos que atendem aos requisitos mínimos para serem levados a sério que existem são, curiosamente, TODOS provando a ineficácia dos Florais de Bach. Eles não provocam nenhuma melhora maior do que qualquer placebo.

E se vai ter aquela alegação de que “funcionou para mim” ou “funcionou para a prima da minha vizinha” (a isto a ciência dá o nome de “evidências anedóticas”) ou “funcionou para o meu cachorro” (a isto, a ciência dá o nome de “placebo por procuração”) há explicações para isso.

São muitas e complexas: regressão espontânea da doença, efeito placebo, regressão à média, evidência anedótica e outros fatores que fazem com que uma coisa pareça funcionar. Porém, só podem ser compreendidos por aqueles que conheçam um mínimo de método científico, de pensamento crítico e racional.

É óbvio que fica muito mais fácil acreditar que funciona, pois a amiga da prima se curou: é intuitivo. Você vê a melhora e presume a eficácia. Método científico é muito mais trabalhoso, você precisa entender o funcionamento e, no geral, os resultados não são o que as pessoas queriam escutar.

As pessoas caem sempre para o lado mais fácil. Podemos inclusive fazer um texto sobre isso explicando em detalhes, da forma mais simples possível, o que são essas “curas”, para que todos entendam. Hoje, infelizmente, é impossível entrar nesse nível de detalhe.

Daí você pode se perguntar, se está comprovado cientificamente que não funciona, por qual motivo tantas pessoas usam essa e outras porcarias ineficazes? Vale perder uns parágrafos falando sobre isso, pois entender o motivo pelo qual as pessoas acreditam também mostra o que deve ser corrigido para que as próximas gerações não venham tão ignorantes e influenciáveis.

Primeiro temos uma falsa presunção de que isso funciona: todo mundo usa, o SUS fornece, só pode ser verdade. Então, antes de mais nada, é preciso um debate público. Pouco se debate sobre a ineficácia dos tratamentos alternativos, apenas se presumia que eles funcionavam.

Uma busca rápida no Google sobre homeopatia ou florais vai ter dar uma noção do que eu estou falando: você vai encontrar mil sites falando das maravilhas da homeopatia e um ou dois dizendo que a ciência já comprovou que não funciona, com link para vários estudos em inglês ou em espanhol. Poucos brasileiros seriam capazes de ler e compreender um estudo em português, quem dirá em outros idiomas. É preciso trazer essas informações científicas de forma palatável para todos.

Além disso, é preciso ensinar o brasileiro a ter pensamento crítico e racional. Sim, isso se ensina. E, de preferência, enquanto ainda são pequenos, pois é mais fácil de assimilar. O adulto tem medo de largar velhos pensamentos e admitir que é ignorante em algo, que precisa aprender. É preciso focar nas crianças, estas sim com a capacidade e flexibilidade mental para aprender e exercitar bastante este pensamento crítico e racional até chegarem à idade adulta.

A ciência não floresce mais em um país do que em outro por acaso. A Universidade de Oxford, a favorita para dar ao mundo a vacina contra o Coronavírus, tem uma cátedra (que já foi ocupada por grandes nomes como Richard Dawkins) de “Ciência e sociedade”, onde investe em ensinar pensamento crítico e racional, educar e capacitar o povo para aprender e exercitar esta forma de pensar. Iniciativas como esta (e muitas mais) são indispensáveis no Brasil. Não é só cientista que precisa entender de ciência, todos precisam, se queremos uma sociedade desenvolvida.

Todos nós, diariamente, precisamos tomar decisões com base no pensamento crítico e racional e com base na ciência, por mais que não percebamos. Quem o tem, toma melhores decisões. Quem não o tem se ferra sucessivas vezes e não entende o motivo (daí culpa a inveja, a macumba, o encosto e etc). Desde vacinar os filhos até o grau de cuidado que se terá no meio de uma pandemia, tudo depende da capacidade de pensamento crítico e racional, do entendimento de método científico, da ignorância a respeito de ciência. Isso demanda anos para ser aprendido e exercitado. Compreender como a ciência funciona não pode ser explicado em poucos meses.

É por isso que apesar de infinitas tentativas de conscientização, não dá para ensinar em alguns meses o brasileiro a se portar como deveria em uma pandemia. É como querer ensinar alguém a ler em uma semana. Não dá. Leva tempo, precisa de prática, é uma construção. Enquanto isso não for feito desde a infância e estimulado, alimentado e praticado até a vida adulta, o Brasil vai ter esse povo ignorante de dar pena no resto do mundo. E, enquanto esse trabalho de ensinar pensamento crítico racional não for realizado institucionalmente, não vai alcançar a todos e não vai ter continuidade.

Voltando ao assunto, em momento algum queremos instituir censura ou proibir o uso de nada. Usa quem quer. Nada contra usar essas porcarias que a ciência já provou que tem a mesma eficácia de um placebo, a minha bronca é que sejam jogadas no mesmo saco de substâncias que estudos científicos sérios e se apropriem da credibilidade da ciência. Homeopatia ou Florais de Bach não tem a mesma validade de um antibiótico, pois centenas de estudos científicos provam que o antibiótico faz efeito, acredite você ou não nele, enquanto os outros dependem da sua crença, pois são meros placebos.

Mais: acho revoltante que no Brasil 29 práticas sem comprovação científica sejam fornecidas pelo SUS, ou seja, pagas com o dinheiro de vocês. Quer usar remédios que já foi provado serem ineficazes? Usa. Mas paga do seu bolso, não obrigue o resto da população a pagar por curandeirismo. Sobretudo em um país onde não raro, falta o básico no SUS: antibiótico, anestésico etc. Que prioridades são essas? Não tem anestésico para operar mais tem dinheiro para terapia complementar e integrativa? Não dá para investir no complementar quando não se tem o básico.

A título de curiosidade (pegue um saquinho para vômito), estas são as práticas sem comprovação científica disponibilizadas pelo SUS com o seu dinheiro: Apiterapia, Aromaterapia, Arteterapia, Ayurveda, Bioenergética, Biodança, Constelação familiar, Cromoterapia, Dança circular, Geoterapia, Hipnoterapia, Homeopatia, Imposição de mãos, Medicina antroposófica, Medicina tradicional chinesa, Meditação, Musicoterapia, Naturopatia, Osteopatia, Ozonioterapia, Plantas medicinais/fitoterapia, Quiropraxia, Reflexoterapia, Reiki, Shantala, Terapia comunitária integrativa, Terapia de florais, Termalismo social/crenoterapia e Yoga. Sim, você, brasileiro, financia isso com os seus impostos. Todas desmentidas pela ciência.

Além de ser grave não ter o básico e usar o seu dinheiro para obscurantismos que se dizem “complementares” mas que não tem comprovação científica, oferecer este tipo de charlatanismo pelo SUS lhe confere uma credibilidade não merecida: o leigo pensa que se o governo gasta dinheiro com isso e disponibiliza no SUS, deve haver alguma comprovação de um benefício nestas práticas. Não há. E não é que não se conseguiu provar a eficiência destas práticas, se conseguiu provar a INEFICÁCIA TOTAL delas. Mais ou menos o que acontece com a Cloroquina, rejeitada pelo mundo todo (exceto pela China, logo o país que o governo mais critica), mas que ganhou status de remédio eficaz pois “se o governo recomenda, deve dar certo”. Que falta faz um povo que saiba executar um pensamento crítico e racional!

Para fechar com chave de ouro, gostaria de lhes contar que Bach, o criador dos florais, morreu jovem e de câncer, a mesma doença que ele disse que poderia curar com seu método. Quem rir vai pro inferno, me fazer companhia.

O mais engraçado, entretanto, nem é esta chapoletada que o universo deu na cara deste senhor, e sim seus seguidores fazendo uma tremenda ginástica mental para explicar por qual motivo os florais milagrosos não curaram o próprio criador do câncer que o matou.

Entre todos os argumentos vergonhosos, o menos vergonhoso é o de que ele não morreu pelo tumor em si, e sim de exaustão. Ora, então seria conveniente perguntar por qual motivo ele não usou florais para tratar a exaustão? Algumas opções são hornbeam (cárpino), olive (oliveira) e oak (carvalho).

E, se depois disso tudo, você ainda não se convenceu, estamos diante de uma bifurcação: se você é um dos poucos brasileiros que foi ensinado a ter um pensamento crítico racional, existem diversos estudos que provam de forma cabal a ineficácia dos florais, procure e você vai encontrar. Se você não foi ensinado a ter e exercitar um pensamento crítico racional, eu sinceramente não sei o que você está fazendo aqui, só pode ser masoquismo.

Para finalizar, sempre tem essa reverência vira-lata ao médico no Brasil: “mas foi o MÉDICO quem prescreveu, você quer saber mais do que o médico?”. De forma alguma. Não sou eu refutando, é a ciência, são estudos científicos sérios. Médico não é Deus, OMS não é Deus, ninguém, eu disse ninguém está acima da ciência. Pautem suas decisões pela ciência, a ciência real. Aquela baseada em estudos dentro dos padrões científicos para um resultado verdadeiro. Todo o resto que conflitar com esses estudos, meus queridos, joguem no lixo.

Se você usa Florais de Bach é um idiota. Se você dá isso para uma criança que depende de você para ter sua saúde cuidada, você é um irresponsável e, em muitos países, poderia até perder a guarda do seu filho.

Para dizer que não tem ideia do que sejam metade desse show de horrores de terapias alternativas do SUS, para se perguntar como pessoas com nível universitário se tratam com essas coisas ou ainda para dizer que devemos continuar desmentindo esses obscurantismos durante o ano todo: sally@desfavor.com


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