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Tiktokalização da economia – Parte 1

Tiktokalização da economia – Parte 1

| Somir | | 32 comentários em Tiktokalização da economia – Parte 1

Ah, nada como alguém se aproximando rapidamente da meia idade para analisar um aplicativo usado prioritariamente por adolescentes… mas não revire os olhos e bufe de forma irônica ainda, afinal, eu coloquei economia no título; pode ser importante. Vamos reclamar dos jovens? Claro que vamos! Mas tem algo maior acontecendo ao redor disso, algo nefasto que não tem nada a ver com espionagem chinesa. Quer dizer… talvez tenha.

Com um primeiro parágrafo desses, temos direito a uma parada técnica para explicar melhor as coisas: o TikTok é um aplicativo chinês onde pessoas gravam e postam vídeos curtos, normalmente dançando. Adotado prioritariamente por adolescentes e jovens adultos, viu sua popularidade explodir mundialmente há mais ou menos um ano.

E vindo de onde vem, as polêmicas começaram a se acumular: na China, toda grande empresa tem alguma relação com o governo, em muitos casos os eminentes membros do Partido Comunista são acionistas (declarados ou não) das maiores empresas do país. Em tese, são empresas privadas, na prática… nem um pouco. Sem contatos e beneficiários no sistema político local, nenhuma empresa pode sustentar um ritmo de crescimento suficiente para se tornar uma marca mundial. Não é ponto deste texto discutir essa mecânica de funcionamento, é apenas um fato amplamente conhecido ao redor do mundo.

Tanto que quando o governo chinês se mete em uma disputa, outros países sabem onde apertar: nos seus braços empresariais. Na Índia, o TikTok foi banido como uma ameaça à segurança nacional depois da crise na fronteira entre os dois países. Trump está com o dedo coçando para assinar um decreto parecido, mas nos EUA a coisa é legalmente bem mais complicada. Boa parte da polêmica da Huawei e seus projetos do 5G tem a ver com a preocupação por parte de governos locais com o Partido Comunista Chinês ganhar, por tabela, meios de interceptar e manipular dados em outros países. Essa parte da conspiração do 5G não é conspiração: o risco é real e o governo chinês não tem moral nenhuma para dizer que não faria algo do tipo.

Vamos voltar ao TikTok: se você baixar o aplicativo, vai ter acesso a milhares de vídeos postados do mundo todo, normalmente por pessoas bem jovens dançando e fazendo graça em vídeos super curtos. Novidade não é, afinal, o finado Vine, o SnapChat e outros aplicativos muito parecidos já existiam antes, com mais ou menos a mesma base de usuários fazendo mais ou menos as mesmas coisas. A diferença dessa vez é que houve uma convergência de usuários num mesmo lugar. Nada garante que outro app praticamente igual tome conta do mercado nos próximos meses ou anos, é mais do mesmo. A bola da vez é o TikTok, eu talvez usasse outro termo no título se escrevesse esse texto um ano antes ou depois… tudo isso para dizer que não precisamos nos apegar ao TikTok, e sim ao que acontece nele.

Se você já teve contato com o conteúdo, corre o risco de achar uma gracinha e não ver problema nenhum da sua filha ou filho usarem. Mas se adolescentes usam, é sempre bom verificar um pouco mais… o que será que está segurando a base de usuários tanto tempo assim? Não vai ser surpresa nenhuma a resposta: 15 segundos de fama. Se um dos seus vídeos virar ganhar tração na plataforma, prepare-se para uma plateia gigantesca a espera da sua próxima postagem. Eu tenho a teoria que redes sociais vão perdendo o fôlego na medida em que os espaços para se tornar popular nela vão diminuindo. Não é a busca do novo pelo novo, é a busca de um palco vazio o suficiente para você ser notado. Redes como o Instagram estão chegando nesse ponto: quem domina a atenção do grande público está com as garras tão afundadas nessa popularidade que começa a ficar cada vez mais difícil para os novatos.

Você pode argumentar que usa redes sociais, mas não quer ser famoso ou famosa, e eu não estou disputando esse fato. Considerando os números de contas e postagens em virtualmente todas as redes sociais, a maioria é silenciosa, só está lá para rolar a linha do tempo e ser entretida. A questão é que a partir de um ponto de estagnação na criação de novas estrelas numa rede social, o incentivo para se expor vai ficando cada vez menor. Menos gente entra, menos sangue novo para produzir conteúdo. Uma hora ou outra você acaba seguindo essa gente em busca da sua dose de entretenimento. Os criadores levam os consumidores com eles.

No Instagram, por exemplo, foto do seu prato de comida ou de paisagem não resolve mais. A rede social entra numa fase muito mais agressiva de disputa por atenção, e você precisa de um diferencial que se torna progressivamente mais difícil de alcançar. O conteúdo começa a ficar apelativo. É bom você ter um belo decote ou tanquinho junto com um estilo de vida exagerado para se estabelecer numa rede social lotada de celebridades reais e pessoas que estão há muitos anos construindo seus públicos. Se o Instagram não te serve agora, é porque não vai servir mais, do ponto de vista de criadores e de seguidores.

Um exemplo de rede social que passou por esse processo e hoje em dia está vivendo no pós-apocalipse de limite de perfis e páginas populares é o Facebook. É o Mad Max das redes sociais. Quem ficou por lá já desenvolveu resistência ao inverno nuclear de desinformação, conspirações e conteúdo feito para desistir da humanidade em geral. No Facebook, nada mais se cria. Nenhum jovem vai querer começar sua vida digital nesse lugar maldito, mas boa parte dos usuários atuais não vai conhecer nada além do terror até seus perfis finalmente ficarem inativos…

Em várias indústrias do entretenimento, é comum dizer que todo dia alguém faz 12 anos de idade. Isso quer dizer que não importa se o seu conteúdo não cresce junto com o público, porque sempre tem mais gente chegando para ver algo pela primeira vez. Eu já não consigo ver filme da Marvel, por exemplo: é chato como eu sei tudo o que vai acontecer. Óbvio, eu consumo essas histórias há décadas, e não é só porque eu já sei o roteiro que um público novo vai saber também. Não, você não trocou de texto sem querer: estou falando disso porque além dessa questão de redes sociais ficarem com um espaço cada vez menor para acomodar novas celebridades, ainda temos um público de jovens que estão entrando nas redes sociais (sem supervisão paterna) pela primeira vez.

O que estamos vendo hoje em dia é uma separação cada vez mais clara entre públicos de redes sociais, inclusive em faixas etárias: a rede social mais antiga está lotada de gente que começou com ela e não quer mudar paradigma nenhum. Se está no Facebook quer ver conspiração, se está no Instagram quer ver gente seminua, se está no Twitter, bom, se o Facebook é o mundo do Mad Max, o Twitter é a Cúpula do Trovão. Desde que tenha sangue, ficam felizes.

Mas o que diabos tudo isso tem a ver com o título do texto? Essa diferenciação de públicos está diretamente relacionada à realidade do mercado de trabalho e da economia que cada geração encontrou no seu caminho. A história das redes sociais e seus públicos distintos reflete a história da mudança de paradigma socioeconômico humano nas últimas décadas. Vou repetir algo que digo há vários anos: o lançamento do Google vai ser um marco de mudança de Era na humanidade quando estudado no futuro. É quando acaba a Era Industrial e começa a Era de Informação. Facebook é a rede de quem ainda tinha os pés na Revolução Industrial, Instagram e Twitter são redes de millennials, que demoraram muito tempo para entender o que estava acontecendo.

TikTok é a rede social de quem vai herdar o mundo dos millennials. E como eu já disse, semana que vem pode ser um novo app, estou falando do conceito. E o conteúdo dessas redes reflete isso. Já falamos sobre pessoas de mais idade extremamente confusas com toda essa informação que caiu de repente em suas cabeças, o Facebook não é um poço de Fake News e conspirações à toa. São pessoas que ainda estão ligadas ao mundo pré Era da Informação, que tiveram empregos baseados no que estudaram ou tiveram experiência, de um tempo onde a informação vinha de lugares bem específicos. Não são tão focados em popularidade, tem suas funções na sociedade bem definidas. Ou em termos mais populares hoje em dia: são os boomers.

Quando você vai para as redes dos millennials, a autoimagem importa muito mais. Podemos dizer que Instagram é mais focado em imagem e Twitter mais no discurso, mas em ambos os casos, as redes sociais estão lotadas de gente disputando atenção, confusas entre sua função social e a necessidade de aprovação. Millenials podem ser terríveis, mas gerações de transição entre Eras são mais traumatizadas mesmo. Pessoas que não tinham mais um mercado de trabalho que os desse funções claras, sem espaço ou recursos para seguir para a vida adulta que aprenderam a desejar. Vivem uma adolescência interminável, em busca de afirmação pessoal, cheios de opiniões agressivas e vontade de mudar o mundo.

Mas a geração que se segue já entendeu esse novo mundo. O TikTok é o resultado de quem sabe onde está se metendo. Jovens, alguns muito jovens, jogando um jogo arriscado de exposição em busca de reconhecimento, porque eles depreendem da sociedade onde vivem que não tem uma estrutura pronta no mercado de trabalho para recebê-los. Claro que a menina rebolando num vídeo onde dubla uma música famosa não pensa nisso nesses termos, mas ela age nesse sentido do mesmo jeito. Não é mais um mundo de funções, é um mundo de personalidades. O número de empregos para pessoas mais limitadas diminui a cada dia. Um robô faz o trabalho de 20 pessoas sem estudo em menos tempo, mais barato e sem reclamar. Um aplicativo pode matar uma profissão em questão de poucos anos. Se você está se preparando para viver nesse mundo, é bom estar pronto para ser sua fonte de renda mesmo sem ter algo além da imagem para contribuir para a sociedade.

O ser humano vai se tornando redundante. Até porque as populações que mais crescem são as de baixa renda com pouca ou nenhuma oportunidade de estudo. E considerando como o movimento em direção à vida urbana cresce sem parar, a disputa por qualquer vaga de emprego de baixa especialização vai ficar mais e mais acirrada. O muro no qual os millennials bateram na transição da adolescência para a vida adulta vai estar ainda mais alto para a geração posterior. Os caminhos da turma dizendo que vacina faz mal no Facebook já estão fechados, agora o mundo vai ser disputado à tapa pela turma que tenta ser mais atraente que seus pares no TikTok. Mas só eu estou vendo uma armadilha das grandes se formando?

A ideia deste texto surgiu quando eu vi uma compilação de vídeos do TikTok no YouTube. Uma sequência aparentemente interminável de garotas bem jovens dançando e fazendo graça para a câmera de seus smartphones. Por sorte (ou azar), a idade chegou e eu comecei a me sentir meio mal por elas. Por mais que a maioria seja muito bonita e esteja só brincando na rede social, algo de podre se esconde por trás do comportamento. Não é como se alguma delas exibisse algum talento especial, não entendo muito de dança, mas decorar uma coreografia de 15 segundos ou esfregar a bunda no seu celular não configuram nada de muito especial. Só que isso não impede que tenham relativo sucesso: desde que o mundo é mundo, um rostinho bonito gera atenção masculina rapidamente.

Será que elas sabem no que se baseia essa fama momentânea? Adolescentes são mais espertos do que normalmente acreditamos, mas atenção é uma droga poderosa, conhecida por gerar alucinações de importância indevida. Quem está vendo esse admirável mundo novo digital a mais tempo como eu sabe de exemplos de gente que quis sair da sua rede social para buscar fama “geral” e voltou com o rabinho entre as pernas para seu formato original. Felipe Neto e Kéfera, por exemplo. Podem ser eficientes no YouTube, mas só passaram vergonha tentando repetir a fama fora dele (mesmo que tenham feito bastante dinheiro). Hoje em dia os famosos de redes sociais parecem entender melhor isso, mas como quem está no TikTok sequer fala alguma coisa nos vídeos, a não ser que surja uma forma muito boa de ganhar a vida só sorrindo e mostrando o corpo em vídeos curtos, estamos vendo algo muito escroto prestes a acontecer.

A geração Z vai se ver mais ou menos como os millennials se viram em relação à geração que os antecedeu: com um mercado que cresceram acreditando que substituiriam ainda fechado na vez deles. Se o mercado baseado em empregos clássicos estava fechado para a turma da virada do milênio, o mercado de empregos de fama digital já vai estar muito mais saturado quando esse povo do TikTok resolver transformar popularidade em renda. Gente que jurava que bastava ser atraente num vídeo vertical dando de cara com um mundo que exige muito mais do que isso para sustentar uma popularidade que pague as contas…

E aí… qual é o caminho para seguir? Já tem robô e software cuidando de boa parte das funções básicas da indústria (e cada vez mais do comércio), o mercado de influenciadores exige que você seja excepcionalmente atraente ou tenha um tino comercial acima da média… a resposta vai estar no setor de serviços. Mas só aquele que exige pouca ou nenhuma especialização. Até porque se você tem a ilusão de ser importante baseado nesse tipo de conteúdo que produziu para o TikTok e redes sociais similares, vai demorar para entender que a concorrência é enorme e precisa se vender muito mais barato. A geração dos millenials escapou por pouco disso, porque ainda tinha muito mais gente disposta a apenas consumir conteúdo e seguir em frente, mas uma geração de produtores de conteúdo (tão banal quanto rebolar por alguns segundos) vai se ver numa concorrência imensa por pouco espaço disponível em mídias de massa.

E isso vai ter repercussões econômicas… uma delas é um aumento exponencial da pornografia online. As profissões do futuro são programador e prostituta. Acha que eu estou maluco? No próximo texto eu vou falar sobre um site chamado OnlyFans. Outro site descartável que pode ser substituído por outro parecido a qualquer momento, mas que tem toda a cara do caminho para onde vai (uma parte considerável) da humanidade…

Para dizer que já sofreu quando leu “parte 1”, para dizer que eu sou um velho puritano (a bunda é delas, eu não ligo, mas a parte econômica é fascinante), ou mesmo para dizer que vai colocar sua filha num curso de programação hoje mesmo: somir@desfavor.com


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