Skip to main content
Culpando e andando.

Culpando e andando.

| Sally | | 12 comentários em Culpando e andando.

Uma nova narrativa nasce no horizonte: “A culpa é de quem votou no Bolsonaro”. A premissa é velha: alguém tem que levar a culpa, e vamos jogá-la logo para outros, antes que nos responsabilizem. Há um movimento querendo imputar a culpa por todo o estrago que o coronavírus fez e vai fazer em quem votou no atual presidente, e isso, meus queridos, é puro suco de Brasil.

Querer dizer que as coisas chegaram onde chegaram por culpa exclusiva do Bolsonaro é admitir que as pessoas não sabem se regular sozinhas e precisam de um líder que lhes diga o que fazer e, quando esse líder falha, a população toda vai junto. Tenham vergonha nessa cara! Aqui não é Coreia do Norte, onde há censura a qualquer coisa que contrarie o governo. Todo santo dia a imprensa, cientistas, médicos, infectologistas, epidemiologistas e muitos outros alertam em peso sobre os riscos do covid-19.

As pessoas sempre tiveram os subsídios para tomar suas decisões. Informação nunca faltou. Até fontes básicas como o Jornal Nacional está marretando exaustivamente na necessidade de isolamento social, nas medidas de prevenção. E, mesmo assim, muita gente que poderia ficar em casa, optou por sair, por passear, por ir à praia, por se deslocar sem qualquer necessidade imperiosa de fazê-lo. A culpa disso é do Bolsonaro? A culpa disso é de quem votou no Bolsonaro?

Todo mundo sabia o que fazer. Todo mundo tinha acesso a informação, seja ela mastigada, resumida, seja ela na forma de pesquisas científicas. Bastava ter o interesse de procurar, ou, ao menos, de permitir que a informação chegue, pois foram feitas campanhas massivas divulgando tudo sobre coronavírus, monotematicamente. Existiam informações conflitantes? Sim, mas existia a possibilidade de optar por seguir a ciência, gritava em uníssono sobre a importância de medidas preventivas. Cada um tinha a liberdade de usar seu discernimento para fazer o que entendesse melhor.

Bolsonaro não colocou uma arma na cabeça das pessoas e as mandou ir para a rua. E podem parar com esse discurso triste de que as pessoas precisam trabalhar para comer, pois boa parte dos que furaram a quarentena o fizeram por motivos fúteis: ir a festa, ir a baile funk, ir a rave, ir a chá de bebê, ir a shopping, ir à praia e a muitos outros lugares de onde certamente não sai o seu sustento. Quem precisou sair para ter o que comer, obviamente, não teve escolha, mas muitos tiveram, optaram por sair e agora dizem que a culpa é de quem votou em Bolsonaro.

Não. A culpa é de cada pessoa que optou por não tomar as medidas necessárias para a disseminação do vírus. A culpa é de cada pessoa que não acreditou na ciência. Entre uma pessoa que votou no Bolsonaro mas respeitou uma quarentena (e existem muitas) e uma pessoa que votou no Haddad e foi para um baile funk (também existem muitas), quem tem mais responsabilidade pelas coisas estarem indo ladeira abaixo?

Todo mundo tinha livre arbítrio para fazer o que seu discernimento e sua consciência determinasse. Ninguém foi obrigado a nada, salvo, é claro, as pessoas que precisavam trabalhar para sobreviver. E isso não mudaria, se qualquer outro candidato tivesse sido eleito no lugar do Bolsonaro, essas pessoas teriam que continuar saindo para trabalhar. É muita ilusão achar que o Haddad pagaria uma quantia suficiente para sustentar uma família a todos os brasileiros durante meses. Ninguém pagaria.

“Mas Sally, se fosse outro decretava quarentena e salvava todo mundo”. Meu anjo, os Governadores se encarregaram disso. Como cansamos de alertar: Presidente da República não manda nada no Brasil. Os Governadores estão de cabelo em pé, há mais de um mês, pedindo que todos façam isolamento social. Infelizmente, a maioria não respeitou. Decretar não resolve. É como se matricular na academia e achar que vai emagrecer. Tem que colocar em prática. E isso, ninguém é capaz de fazer no Brasil, por falta de efetivo e muitos outros impedimentos que independem de quem está na presidência.

No começo, o isolamento social chegou a funcionar, tanto é que as previsões para o Brasil eram otimistas. Mas, o brasileiro médio é aquele tipo de criatura que para de tomar antibiótico no terceiro dia pois já se sente melhor, é aquele tipo de pessoa que se não sentir a danação concreta, visível e palpável, acha que não tem problema. Como o inimigo é invisível, o brasileiro médio acabou decidindo que já tava bom de quarentena e voltou para as ruas por conta própria. Mas não estava, ela ainda era necessária.

Vamos fazer um exercício imaginativo. Se em vez de um vírus, fosse um Kaiju, que abocanha as pessoas e as destroça com suas mandíbulas, que estivesse visível aos olhos da população, alguém sairia de casa para bundear na rua? Óbvio que não. O problema não é o eleitor do Bolsonaro, é a mentalidade inconsequente e negadora do brasileiro médio. Se ele não puder ver, sentir, tocar no perigo, o perigo não existe. Se a dor de garganta parou, ele suspende o antibiótico que deveria ser tomado por sete dias no terceiro dia, criando superbactérias. O brasileiro, meus amigos, é o maior inimigo do Brasil.

Digo mais: apesar do Bolsonaro, o Brasil teve um bom Ministro da Saúde. O Mandetta, dentro das possibilidades, fez bonito. Mas, como eu disse, ninguém, nem um super-herói, consegue confinar tanta gente em um país de dimensões continentais se essas pessoas não colaborarem. Não vai dar merda no país por culpa do Bolsonaro, vai dar merda no país por culpa do brasileiro, que sempre virou as costas para a ciência, para a realidade e para o bom-senso.

Bolsonaro também o fez, mas vocês não são ovelhas, não são obrigados a seguir um líder. Dizer que ninguém fez quarentena pelas falas e atos do Bolsonaro é dizer que o problema está no povo, que é um macaco de imitação retardado sem pensamento próprio, não no débil mental que dá um mau exemplo. Quem precisa de líder para seguir tem mais que aprender uma lição mesmo.

Passou da hora de assumir a responsabilidade pelos seus atos, a culpa não é de quem votou no Bolsonaro, é de quem descumpriu isolamento social. Fosse Haddad, fosse Dilma, fosse Papa Francisco, o brasileirinho com fogo no cu teria cansado da quarentena e descumprido da mesma forma depois de um tempo. E não haveria polícia suficiente para vigiar a todos, não haveria a menor infraestrutura para segurar em casa quem quer sair. É questão de consciência, não de condução política.

Mas culpar os outros é mais fácil, não é mesmo? Em vez de tentar reverter o estrago, se canalizar energia para encontrar soluções, dar sugestões ou fazer algo positivo, melhor sentar no sofá e começar a apontar dedos. Bora continuar dividindo ainda mais uma sociedade que está passando um perrengue, não há razões para se unir e tentar ficar mais fortes.

Achar que com qualquer outra pessoa no poder teria sido diferente é se iludir. Nem o melhor estadista do mundo consegue conter um povo ignorante que se recusa a fazer isolamento social. Nem o melhor estadista do mundo consegue comprar EPI e insumos quando o mundo inteiro está procurando e comprando. Eu sei que deve ser doloroso de admitir, mas a culpa da merda na qual o Brasil vai entrar, é dos brasileiros.

“Mas Sally, aí na Argentina o Presidente decretou uma quarentena precoce e os resultados foram muito melhores”. Mas não por mérito exclusivo do Presidente. Aqui tem muita fiscalização e punição, pois há um Estado aparelhado para isso. Aqui tem um povo unido que comprou essa briga como “os argentinos unidos contra o coronavírus”, onde 99% da população apoia incondicionalmente a quarentena. Aqui se prestigia a ciência. O povo está consciente e aderiu à causa. Joga o Presidente Argentino no comando do Brasil e você vai ver que não adianta absolutamente nada. Não é sobre o líder, é sobre o povo. Um líder não pode mudar a mentalidade de um povo, sobretudo quando é uma merda tão enraizada como no Brasil.

No que diz respeito à responsabilidade do Poder Público, foram anos sem investimento em ciência, anos sem investimento na saúde pública, anos sem investimento em educação pública de qualidade e tantos outros descasos jogaram o Brasil nesse atoleiro. E estamos falando de décadas, o que abarca diferentes partidos no poder. Isso que está acontecendo agora não é fruto de dois anos de Bolsonaro. É fruto de uma forma de funcionar cagada.

Bolsonaro é um idiota? Sim, de magnitude poucas vezes vista na humanidade. Mas mais idiota que o idiota, são os que seguem o idiota. Com um povo desse, não adiantaria nada decretar uma quarentena rígida se o povo não cumpre e o Estado não tem condições de fiscalizar. E se, para cumprir uma quarentena rígida, o povo depende do chamado de um líder, a culpa continua sendo do brasileiro, por se um povo idiota e pau mandando.

Não dá para culpar um político, não dá para culpar um grupo de eleitores, não dá para culpar fora. A culpa é do povo brasileiro que, podendo ficar em casa, optou por sair e colocar a todos em risco. A culpa é do povo brasileiro por ter a arrogância de achar que sabe mais do que a ciência. A culpa é do povo brasileiro nunca levar nada a sério.

Plantaram merda, vão colher bosta. Todo mundo que riu publicamente e debochou da previsão de infectados do Imperial College of London tem culpa. Todo mundo que não dispensou a empregada achando que era ok se ela trabalhasse de máscara tem culpa. Todo mundo que pede delivery tem culpa. Todo mundo que acha que dar só uma passadinha na casa de um parente não faz mal tem culpa.

Mas nunca vão admitir. A culpa é sempre dos outros. A culpa é sempre daquele que se nutre alguma antipatia. O grande problema dessa delegação de culpa é que impede uma autorreflexão e, portanto, uma evolução ou melhora. Continuarão merdando e depois jogando a culpa em quem está mais perto ou naqueles que antipatizam, em um infinito ciclo de danação. É a receita para a estagnação.

Só que dessa vez o mundo está vendo fotos de praias cheias, fotos de parques, shoppings e outras áreas de lazer abarrotadas. Por mais que o mundo critique e repudie as atitudes de Bolsonaro, todo mundo sabe que o povo tem escolha. Em países civilizados que não impuseram isolamento, como a Suécia, houve uma taxa de 70%, voluntário, feitos apenas pelo desejo do povo. Enquanto que no Brasil, que decretou lockdown, está abaixo dos 50%. É óbvio que a culpa não é toda do Presidente, muito menos de quem votou nele dois anos atrás.

Então, não seja imbecil de querer culpar o eleitor. Cada brasileiro teve autonomia para agir de acordo com sua consciência e a maioria foi para a praia e para o shopping. A maioria solicitou serviços para não ter que lavar as próprias calcinhas ou cozinhar. A maioria se portou de forma tão débil mental quando o Bolsonaro. O Presidente não é o responsável por esse comportamento idiota, os brasileiros sim. O brasileiro, não se enganem, é idiota com ou sem o Bolsonaro.

Hora se assumir a culpa, para, quem sabe, saírem um pouco mais conscientes desta pandemia. Chega de culpar fora, de culpar terceiros, de culpar quem está no poder. Podem culpar o Bolsonaro por muita coisa, ligada à gestão e administração, mas dizer que é culpa dele o povo estar nas ruas? Não, não. Nem dele nem do seu eleitor. Eu sei que dói, mas é hora de admitir que o brasileiro é um idiota, não apenas seu líder.

Para dizer que estou passando pano pro Bolsonaro (ignorando meus textos dos últimos dois meses), para dizer que a culpa é sempre de quem você desgosta ou para dizer que a culpa é sua e você bota em quem você quiser: sally@desfavor.com


Comments (12)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.

Relatório de erros de ortografia

O texto a seguir será enviado para nossos editores: