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Se preparem.

Se preparem.

| Sally | | 58 comentários em Se preparem.

Este texto é desagradável. Se você está em um dia sensível, em um momento sensível ou simplesmente não quer levar umas porradas de uma estranha, volte amanhã.

Estou aqui para falar de uma combinação explosiva: o Brasil vai passar por momentos muito ruins, onde será necessário muito sacrifício e resiliência. O problema é que o país está composto, em boa parte, por uma geração mimizenta incapaz de lidar com contrariedade de frustrações. Vai dar merda. Vai ter muita gente passando mal, surtando, deprimindo. Não seja você essa pessoa.

Não há outra forma de lidar com o que está por vir do que uma quarentena muito severa. A única dúvida é quando ela vai acontecer. Mas ela vai acontecer, e pode ser que nem assim funcione. Um vírus que sobrevive 16h no ar pode ir parar na sua casa partindo da casa do vizinho, mesmo que você siga todas as normas de quarentena, então, nem a garantia de não adoecer o brasileiro terá. É fazer quarentena para, quem sabe, com sorte, não adoecer.

Hoje o Brasil não tem quarentena, tem uma mera recomendação de isolamento social. Quarentena é a proibição total de sair de casa, salvo em determinados dias, determinadas horas e por um curto período de tempo, apenas para determinadas atividades. Eu, por exemplo, só posso sair por dois motivos: ir à farmácia mais próxima da minha casa ou ir ao supermercado mais próximo da minha casa. E não pode ser todo dia, nem posso ficar muito tempo na rua.

Tempos difíceis exigem sacrifícios, mas o brasileiro está acostumado a sacrifícios seletivos: se odeia ir para a feira, não vai para a feira para prevenir o contágio, mas continua indo à praia, à banca de jornal e a vários outros lugares. Façam suas cabeças para restrições totais e façam as pazes com as restrições totais, pois brigar contra elas só vai tornar as coisas mais sofridas para você.

“Mas Sally, meu direito constitucional de ir e vir…”. Meu anjo, o direito à vida também é constitucional, se você ficar indo e vindo, vai privar a outros do direito à vida. Estamos em uma situação de exceção, não adianta ficar invocando direitos constitucionais tirados de contexto. Em uma quarentena um policial pode te prender e te multar se você sair de casa sim e isso não fere em nada à constituição, os direitos fundamentais, o estado democrático de direito nem a lei. Não passe vergonha reclamando dos aspectos legais. Para que o bem-estar coletivo prevaleça, serão sacrificados direitos individuais.

Acabou a vida como você a conhecia. Acabou vaidade. Chamar manicure para fazer sua unha em casa? Chamar cabeleireiro para cortar seu cabelo em casa? Isso é de uma desconexão com a realidade que não tem tamanho. O brasileiro não está percebendo, pois há uma normalização da irresponsabilidade aí. Será necessário que cada um de vocês enterre uma pessoa próxima morta por coronavírus para que adquiram consciência do grau de privação que terão que passar? Não tem máscara, não tem luva, não tem nada que te proteja o suficiente para chamar alguém para a sua casa.

Acabou vaidade. Quem não souber fazer sozinho alguns rituais de beleza em casa vai ficar “desleixado” e isso pouco importa, uma vez que estamos em uma guerra. Vai ficar peluda, vai ficar com cabelo escroto, vai engordar, vai passar por um período onde não vai se reconhecer no espelho. Mas estará majorando suas chances de continuar vivo, bem como a de seus entes queridos. Quem ainda pensa em vaidade em meio a uma pandemia, certamente não entendeu o alcance do problema.

Vocês serão privados de tudo que estão acostumados: socialização ao vivo, lazer ao ar livre, escolha do que comer, direito de ir e vir e mais. Algumas delas, inimagináveis em tese, são do tipo que a gente só percebe quando as portas de casa se fecham para não mais se abrirem. E, quer saber? Quem tiver consciência saberá que isso é a melhor coisa que poderia lhe acontecer.

Para os mimados, será uma proibição frustrante que vai arruinar a vida deles nesse período. Para os conscientes, será uma proteção muito bem-vinda. De qual lado você quer estar?

Agradeçam, agradeçam com as mãos para o céu que estão passando um perrengue onde o inimigo não vai te buscar em casa, é você que dá mole e leva ele. Se fosse uma guerra, a qualquer momento poderia cair uma bomba no seu teto ou sua casa ser invadida por soldados inimigos. Se fosse uma guerra, em vez de estar no conforto do seu lar vendo TV ou olhando o celular, você estaria enfiado em uma trincheira, todo molhado, com fome, com frio, com sede, sabendo que pode ser morto a qualquer momento de uma forma muito dolorosa.

Não abram a boca para reclamar. O sofrimento vem da não aceitação. Resiliência. Durante toda a vida de vocês, vocês fizeram o que vocês queriam. Agora chegou a hora de fazer o que tem que ser feito. Engole o choro. Não é nada tão sofrido, não é nada tão grave, certamente outras gerações passaram por coisa muito pior. Salvo que você comece a passar fome por não poder sair de casa, saiba que está sendo um bebê chorão se reclamar.

Vejo gente se queixando que não há nenhuma boa notícia sobre o vírus. Não vai ter. Vacina, se sair, demora pelo menos um ano até ser testada dentro dos protocolos e liberada para ampla utilização. Sabe o que é uma boa notícia? Olhe pro lado. Sua mãe está viva? Isso é uma boa notícia e não deveria ser necessário que eu ou que a imprensa o diga para que você valorize. Sua mãe está viva? Comemore. Encontre em você mesmo as boas notícias e o conforto que precisa, basta olhar a coisa pelo ângulo certo.

Brasileiro chora muito por muito pouco. Adora se dizer um povo guerreiro, mas nunca vi tanto mimimi, zero senso de sacrifício, tanta infantilidade. Gente que “não consegue” é a especialidade da casa: não consegue parar de fumar (majorando absurdamente suas chances de morrer), não consegue ficar em casa, não consegue ficar sem fazer a unha. Pois vão ter que conseguir, por bem ou por mal, pois não vai poder sair para comprar o cigarrinho, não vai poder sair para fazer unha, só vai sair para comprar comida e olhe lá.

Dá para encarar a situação da forma infantil, chorando, esperneando, se sentindo injustiçado, sacaneado, se revoltando, reclamando. Dá para encarar a situação de forma consciente: entender que isso é necessário e aproveitar essa nova realidade para tirar dela o que ela pode oferecer de melhor. Descobrir novas atividades, refletir, passar mais tempo com as pessoas que te cercam e aprender a conviver com elas de forma adulta ou, simplesmente enfiar o galho dentro e entender que adultos fazem o que tem que ser feito, não o que querem ou o que gostam.

Entendam: está acontecendo, é uma realidade que vocês não têm o poder de mudar e vai durar algum tempo, que vocês não têm o poder de controlar. Tudo aquilo a que você resiste, persiste. Não lutem contra, surfem na onda. Gastem energia em encontrar a melhor forma possível de passar esse período. Em vez de olhar para tudo que “perdeu”, olhem para as novas oportunidades que vão surgir. É isso ou passar muitos meses amargurado.

Faltam ao Brasil grandes guerras, grandes catástrofes naturais, situações extremas que imponham restrições extremas e a percepção que, ou o povo se une, colabora, se ajuda, ou tudo fica muito mais difícil. Parece que estamos vendo uma criancinha na primeira vez que leva um “não” de seus pais: atordoada, sem acreditar, se recusando a cumprir a negativa.

Não é momento de festa, de pegação, de consumismo, de vaidade, de querer individual, de aplacar sua angústia com nada externo a você. É momento de fazer o seu melhor para não morrer e para não matar mais ninguém. “Mas Sally, eu preciso fazer progressiva no meu cabelo, estou me sentindo muito mal com essa raiz”. Então aproveita o tempo livre e olha para esse seu problema de autoestima, que te faz precisar de um cabelo X para se sentir bem. Olha pra questão e resolve, em vez de continuar simulando bem-estar na base do formol.

Cresçam. Adquiram consciência. Chega de choro, chega de reclamação, chega de olhar tudo que foge ao seu querer perda. Estejam abertos ao que a vida vai trazer daqui pra frente: o que tem pra hoje é ficar trancado? Beleza, vamos fazer o que tem que ser feito. Não está confinado na situação mais confortável do mundo? Beleza, ainda assim, vamos fazer o que tem que ser feito. Sem reclamar, sem chorar, sem se sentir vítima. Se chiar adiantasse, sal de fruta não morria afogado.

Não é tão grave não pode fazer rituais de beleza. Não é tão grave não poder sair com os amigos. Não é tão grave não poder ir à academia. Não é tão grave não poder sair de casa nem receber ninguém na sua casa. Sabe o que é grave? Sua mãe morrer nos seus braços. Seu pai morrer nos seus braços. Seu filho morrer nos seus braços. Virem adultos, o quanto antes. Vai poupá-los de muito sofrimento.

Não adianta colocar a culpa em terceiros: fulano comeu morcego, tal país criou o vírus em laboratório, fulano viajou e trouxe o vírus para o meu bairro. Nada disso muda a realidade. “Eu não vou deixar de sair por causa de um idiota que comeu morcego”. Vai sim. Vai deixar de sair pois é o que tem que ser feito, independente de onde veio tudo isso. O foco não é no passado, na culpa. O foco é no futuro, em como resolver.

Para um eleitorado que, em boa parte, votou em um Presidente alinhado com a ditadura militar, o Brasil anda chorão demais. Um mimimi por abordagem policial mandando sair da rua. Dá uma olhada no artigo 268 do Código Penal. Saiu na rua? Cometeu crime. Como era mesmo aquele papo de que bandido bom é bandido morto? Que tem que apanhar? Que não tem que ter direitos humanos ou respeito por bandido? Pois é, o discurso radical está voltando para morder na bunda aqueles que o defenderam.

Só resta rir e sentir pena daqueles que se referem à proibição de sair como “ditadura” ou “autoritarismo”. Estão precisando passar por uma ditadura real para saber que, na primeira frase atravessada dita em rede social, homens armados arrombam a porta da sua casa, te levam, te torturam e te matam, talvez a você e à sua família. Ser removido da rua por uma medida sanitária decorrente de uma pandemia é cuidado, não ditadura. Nisso que dá um povo mimado que não tolera ser contrariado: qualquer medida estatal para tentar manter a ordem e salvar vidas vira “ditadura”.

Não sejam essas pessoas choronas, revoltadas, amarguradas, assustadas, resistentes. Faça sua limonada. Não importa o que venha acontecer, entendam que o que prevalece daqui pra frente não é a sua vontade individual, o seu achismo individual, e sim as recomendações de médicos, infectologistas e cientistas. Foda-se se isso te parece certo ou não, você não tem o conhecimento, o estudo, as ferramentas para opinar. Siga as instruções, cumpra quarentena sem brigar contra isso, encontrando mecanismos para que ela seja o menos sofrida possível.

Comecem a preparar a mente de você agora. Negação não protege, não ajuda e não muda a realidade. Acabem com esse desejo de criança de “mas eu não quero!”. A vida não está nem aí para o que você quer. Conselho? Deixe de querer qualquer coisa que esteja fora do seu alcance escolher ou mudar, aceite o que vier e passe por isso da melhor forma possível.

Para dizer que prefere continuar em negação, para dizer que não vê problemas em receber uma pessoa na sua casa se ela usar máscara ou ainda para dizer que acha que coronavírus é invenção da globo lixo: sally@desfavor.com


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