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O mundo mudou.

O mundo mudou.

| Sally | | 42 comentários em O mundo mudou.

Graças ao Coronavírus o mundo mudou e mudará muito – e muito rápido. Vale a pena fazer uma reflexão sobre o assunto, pois quem não entender e se adaptar a esta nova realidade, vai passar por muito sofrimento. A regra é: desapegar de tudo que você sabia, conhecia ou aderia em matéria de conceitos sociais. Saiba desaprender para reaprender o que está por vir, pois o mundo, como o conhecíamos, já era.

Começo com um exemplo meu: vocês sabem, já faz muito tempo que eu queria sair do Brasil. Foram muitos meses de estudo, entendendo as oportunidades do mercado de trabalho, segurança, prestação de saúde pública, cultura e outros fatores de diversos países. Foi uma decisão muito estudada e pensada. Quando os fatores que me prendiam ao Brasil não estavam mais presentes, chegou a hora de partir.

Meu local de escolha era Europa, que, até o ano passado, era de fato um dos melhores lugares do mundo para se viver. Porém, tudo mudou muito rápido e a Europa, principalmente a Itália, país europeu que eu mais gosto, subitamente se transformou em um dos piores lugares do mundo para se viver. Algo que era uma certeza há muitos anos, ruiu em questão de meses. Os planos tiveram que ser mudados às pressas, mesmo com passagens compradas, mesmo com todo o estudo e cautela da minha escolha.

Isso está acontecendo com todo mundo, e vai acontecer muito mais. Se ainda não aconteceu com você, saiba que vai acontecer. Esteja aberto, esteja ciente da impermanência master na qual passaremos a viver. O que você queria ou planejou não deu certo? Tá tudo bem. Não se aborreça, não esperneie, não se frustre. Se não aconteceu, não era para acontecer. Talvez algo ainda melhor esteja esperando por você. Talvez as coisas dariam terrivelmente errado se você se mantivesse agarrado ao plano original. Vá fazendo sua cabeça para lidar com a impermanência a todo momento.

Estamos vivendo um período onde o mundo, as regras sociais e nossas vidas estão de cabeça para baixo. Se antes eram os pais quem cuidavam dos filhos, hoje são os filhos que cuidam dos pais, brigando cada vez que um deles quer sair de casa. Idosos tem menos flexibilidade para mudanças, geralmente se apegam a uma rotina e se sentem seguros nela. Dá trabalho aniquilar a rotina de um idoso e fazê-lo entender que, a essa altura da sua vida, tudo tem que mudar. Sim, ir à lotérica é um risco, ir ao mercado é um risco, sair de casa é um risco. Essa é a realidade que nos foi dada, não adianta lutar contra ela. Por agora, não está ao nosso alcance modificá-la.

Como vimos no meu exemplo, lugares que eram considerados bons lugares para se viver estão se tornando péssimos lugares para se viver. O sonho dourado do brasileiro de viver nos EUA se tornou um pesadelo, graças à alta propagação do Coronavírus somado à precariedade do sistema de saúde do país.

Europa também é um barril de pólvora, o que explodiu na Itália está se alastrando e já começa a contaminar Portugal e Espanha em proporções assustadoras. Mesmo em países muito desenvolvidos e civilizados, como a Alemanha, se espera que 70% da população seja contaminada pelo Coronavírus e se sabe que não haverá atendimento médico de qualidade para essas pessoas.

As relações sociais estão mudando. Acabou essa história de conhecer pessoas por aplicativo, de se envolver casualmente com alguém na balada ou no barzinho, de contratar uma prostituta para aliviar seus desejos sexuais. Relações descartáveis hoje representam um risco. Múltiplos parceiros representam um risco. Ou adultinho fecha uma parceria para a vida, uma relação sólida com alguém, ou vai ter que passar um bom tempo sozinho. A promiscuidade tão comum ao Brasil está encontrando um freio biológico, quem persistir nela, vai morrer ou matar seus pais e seus avós e muitas outras pessoas.

A ideia de diversão vinculada à aglomeração, também muito comum no Brasil, precisará ser repensada. Shows, praias e até cinemas são um risco que não vale a pena se correr. Lazer coletivo está inviabilizado e as pessoas estão colapsando por não saber lidar com isso. Para muitos, isso significa ter que passar bastante tempo consigo mesmos e a ideia desagrada. Quando você não trabalha o interno, só o externo, realmente deve ser muito ruim ter que ficar consigo mesmo. É como ser obrigado a morar em uma casa precária, sem infraestrutura.

A ideia do Governo como uma entidade que protege o cidadão também está ruindo lindamente. Sabemos que nunca foi verdade, mas muita gente acreditava nisso. Há uma tendência nacional a pensar no Governo de forma paternalista, como uma entidade que tem a obrigação de resolver os seus problemas. Se tudo mais der errado, se a coisa ficar realmente feia, um Governo não vai permitir que seus cidadãos morram como moscas, certo? Errado. Até países mais patriotas como os EUA estão com dificuldades de proteger os seus.

O Governo brasileiro nem se fala… joga contra a vida das pessoas, ou cada um se faz responsável por sua vida, ou vai morrer esperando uma atitude eficiente do Governo. Acabou, não dá mais para tapar o sol com a peneira, você é o único responsável por seu futuro. Suas escolhas, suas atitudes, seu senso de sacrifício determinarão se você vai morrer velhinho dormindo em uma cama confortável ou jogado em uma maca em um corredor de hospital transbordando de doentes, sofrendo e em isolamento. Cuidem-se, não é exagero, é indispensável se cuidar agora, é isso que vai definir sua vida ou morte, a vida ou morte dos seus familiares.

E não me refiro apenas a cumprir uma quarentena. É no geral. Na Itália, um dos fatores para a alta letalidade do Corona é o grande número de fumantes. Se você fuma com uma pandemia mundial que ataca os pulmões de forma impiedosa, saiba que Darwin está de olho em você. A forma como cada um cuida da sua saúde e imunidade (alimentação, horas de sono, uso de álcool, uso de drogas, etc.) vai ser crucial para definir quem vive e quem morre, pois, meus queridos, desculpa a sinceridade, infectados quase todos nós seremos. E muitos jovens estão morrendo, mesmo sem condições preexistentes.

Isso quebra a crença que temos desde sempre sobre jovens serem imunes a doenças, pois seu corpo se recupera rápido. Até então, salvo exceções que chocavam todos à sua volta, jovem morria de acidente de carro ou outra fatalidade externa. Acabou a imunidade. Além disso, jovens agora são vetores de transmissão, portanto, mesmo que não morram, podem matar seus pais, seus avós, seus vizinhos. Taí uma responsabilidade que o jovem brasileiro nunca enfrentou.

Agora vai ter que enfrentar, provavelmente sem estar preparado. Muitos negarão, acharão que nada vai acontecer e terão que lidar pelo resto da vida com as consequências se algo der errado e eles forem responsáveis pela morte de um ente querido. Muitos não suportarão o peso da responsabilidade ou das restrições e sucumbirão a depressão, levando, quem sabe, ao suicídio. Poucos passarão com a cabeça erguida por essa pandemia, pois não tem casca, não tem noção da realidade, não tem dimensão de problemas reais.

Então, apesar do Coronavírus ser vinculado a idosos, acredito que os mais impactados serão os jovens. Não por mortes, mas por ter sua realidade, suas crenças, brutalmente desfeitas sem ter ferramentas para lidar com isso. Não pode mais ser promíscuo, usar qualquer substância recreativa se tornou um risco pelos danos causados ao sistema imunológico, sair de casa para se anestesiar não é mais uma opção, mimizar diante de uma pandemia não vai ser endossado pois tem gente com problemas reais no mundo todo. Uma juventude sem senso de sacrifício vai ser exposta, de uma hora para a outra, a restrições imensas com força policial que as obrigue a cumprir. Vai ser um choque.

Já se vê que é uma gerção mimizenta e sem senso de sacrifício pelo grau de reclamações sobre “ficar preso em casa”. Esta semana vi uma entrevista com uma pessoa que lutou na guerra das Malvinas e contou que ficou 15 dias em uma trincheira, em um buraco úmido no chão, em um frio do cacete, bebendo água suja para sobreviver, com um fuzil nas mãos, esperando ser atacado a qualquer momento, tremendo de frio e passando fome, mandando que essa juventude de merda tenha vergonha na cara e não se queixe de ficar um tempo dentro de suas casas, com banheiro, cama e outros confortos. É bem isso, quem nunca fez sacrifício algum não tem ferramentas para lidar com isso.

Ficar confinado não é agradável, mas está longe de ser o pior cenário. Essa pandemia vai ensinar muito a essa geração lacradora vitimista. Agora surgiu um problema real. Agora não dá mais para reclamar do nome “tomara que caia” ou se revoltar por alguém se recusar a escrever em “linguagem inclusiva”. Suas causas (portanto, seus holofotes) foram todos para a casa do caralho. Sua gana, sua garra, sua militância também. Estão todos se cagando escondidos debaixo da cama dos pais. Bem vindos ao mundo real, a problemas reais. Será que terão estrutura para encarar essa?

E tem muito mais coisa para acontecer. Com tantas pessoas em quarentena e/ou fazendo home office no mundo é possível que haja uma crise, uma pane na internet. Já pensou? Preso em casa sem internet? Ter que conversar com a sua família? Ter que escutar o que sua mente te diz quando o quarto ficar no silêncio? Mas calma, que esse nem é o maior dos problemas.

Muitas empresas e instituições vão falir. O que ontem tinha muito valor, como ouro ou dinheiro, talvez amanhã não tenha. Quem acumulou riquezas depositando sua segurança nisso, pode aprender do pior jeito de que sua segurança nunca pode ser depositada em nada fora de você. O Coronavírus matou o presidente do banco Santander, então, acho que dinheiro não é mais garantia de nada. Quando todos os leitos de todos os hospitais particulares estiverem abarrotados, você pode jogar maço de dólar na recepção que morre do lado de fora do mesmo jeito.

Se espera uma grande recessão mundial e uma quebra em massa de pequenas e até médias empresas. “Mas Sally, sempre vai ter uma grande empresa para nos prestar serviços”. Sim, o problema é que, hoje, no mundo, pequenas e médias empresas são responsáveis por 70% dos empregos. Então, veremos um desemprego como nunca antes visto. Isso vai mexer com a dinâmica de trabalho, com o mercado financeiro e com muitos outros fatores.

Muita gente está passando por estes tempos difíceis se escorando na certeza de que, em algumas semana ou meses, o mundo voltará a ser o que era antes. Não voltará, como nunca voltou, desde sempre o mundo muda, em maior ou menor proporção, mas nunca retrocede. Grandes eventos como esse modificam o mundo, a dinâmica social e tudo que nos cerca de forma significativa. Não esperem que o mundo volte a ser o que era antes, o que veremos daqui pra frente é um novo mundo, com novas regras e novas dinâmicas. E talvez isso assuste mais do que pegar a doença em si.

Como é sua capacidade de adaptação? Como anda sua flexibilidade? Comece a trabalhar esses aspectos na sua mente. O que mais está desestruturando as pessoas é a falta de certezas. Coisas que eram dadas como certas, por exemplo, saber que tinha o sagrado direito de sair para tomar um chopinho com os amigos, ruíram. Sem certezas quem não mantém a mente em um bom lugar se desespera. Essa necessidade de ter controle de tudo, de acreditar que certas coisas são eternas, imutáveis, garantidas, vai levar muita gente à ruína, à loucura ou à morte.

Não sejam essa pessoa, estejam abertos para se adaptar a o que quer que aconteça e não tenham expectativas sobre o que vai acontecer: apenas se mantenham neutros e abertos, recebam a novidade e adaptem-se a ela. É isso que vai assegurar a sua sanidade mental nesses tempos difíceis que nos esperam.

Não sejam essa pessoa que pede o almoço, come o que quer e depois não quer pagar a conta. Nós, como humanidade, fizemos escolhas muito erradas por muitas vezes. Todos nós. A conta está chegando. Parem de choramingar, espernear, e se sentirem injustiçados. Não somos vítimas. Vamos encara a conta que chegou com o máximo de graça e dignidade que seja possível?

Os deixo com uma pichação em um muro de um país asiático castigado pelo Coronavírus: “Não podemos voltar ao normal, porque o normal era exatamente o problema”.

Sem medo, sem tristeza, sem desespero. Neutralidade. Aceitem o que não pode ser mudado e aprendam a conviver com isso. Aqueles que se mantiverem mentalmente sãos, são os que farão a diferença no mundo. A grande riqueza, daqui pra frente, é você dominar sua mente, e não ela a você.

Para dizer que não admite que o mundo mude, para dizer tá achando bacana ver o circo pegar fogo ou ainda para dizer que tudo isso é fantasia: sally@desfavor.com


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