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Astrologia

Astrologia

| Sally | | 34 comentários em Astrologia

Para que a sociedade funcione de forma minimamente sustentável, seus membros convencionaram fazer alguns pactos que devem ser respeitados por todos, traçar linhas básicas. Um exemplo clássico são as leis, um apanhado de coisas que devemos fazer e que não podemos fazer. Dentro do possível, esses pactos sociais procuram assegurar a sobrevivência humana, ao menos dos mais aptos.

Uma dessas linhas traçadas diz respeito à aplicação da ciência: só será aplicado em larga escala quando for cientificamente provado, pois achismos, cogitações e suposições podem fazer mais mal do que bem. Infelizmente estamos cruzando essa linha. Cada vez mais coisas sem comprovação científica ganham status de ciência e o poder de reger a vida das pessoas.

Podemos citar inúmeros exemplos: homeopatia usada como tratamento principal para doenças, pessoas que se recusam a vacinar seus filhos e muitos outros. Porém, hoje quero falar sobre um tema específico, que parece ser alvo de uma condescendência especial: astrologia.

Astrologia é o terraplanismo da psicologia e do comportamento humano. Apesar da premissa ignorante de afirmar que todos aqueles que nasceram em determinado período terão características semelhantes, a astrologia exerce cada vez mais fascínio no ser humano e vem sendo institucionalizada. Por exemplo, muitas empresas se baseiam nela para fazer contratações de seus funcionários. Passou da hora de se colocar um ponto final nessa ignorância e jogar a astrologia no mesmo cesto de lixo de todas as outras práticas medievais sem comprovação científica para as quais a humanidade decidiu virar as costas.

Acreditar que o temperamento e/ou o destino de uma pessoa estão relacionados à posição planetária no momento do seu nascimento não faz o menor sentido. Quando o ser humano vivia em sociedades rudimentares onde o único recurso era olhar para o céu e ver a influência da lua nas marés e do sol nas plantações até se entende, mas hoje em dia? As pessoas têm que se “desiludir” (no sentido de acabar com a ilusão) com a astrologia. É só começar a encará-la à luz da ciência e da matemática que você verá como ela se desfaz.

São 12 signos, certo? Portanto, pela lógica da astrologia, 1/12 da população está vivenciando os mesmos traços de personalidade, as mesmas experiências, fases, tendências todos os dias. Quais são as probabilidades de que 666.666.666 pessoas no mundo estejam experimentando as mesmas coisas todos os dias? Por mais que não sejam previsões precisas, e sim tendências genéricas, não é muito simplista acreditar que, de acordo com o dia em que você nasceu está amarrado a experimentar o mesmo que todos os demais que nasceram nessa data?

Astrólogos afirmam que suas previsões vêm se concretizando por muitos séculos, que é uma ciência milenar, etc. Alguém já parou para se perguntar como é que esta “ciência” acertava antes de alguns planetas serem descobertos? A posição dos astros no momento do nascimento são a base de tudo e Urano, Netuno e Plutão somente foram descobertos em 1781, 1846 e 1930, respectivamente. Como os astrólogos conseguiam acertar antes disso?

Até quando pensamos de forma puramente conceitual surgem problemas. A premissa da astrologia é repudiada nos dias de hoje quando aplicada de outras formas. Esse generalismo de “todo mundo que tem tal coisa é de tal maneira” é visto como um discurso limitador, preconceituoso e raso. Diga que todo mundo com tal cor de pele tem tais características de personalidade e observe a revolta social contra sua afirmação. Escolher alguém, ter simpatia ou antipatia por alguém, querer ou não se relacionar com alguém, atribuir características a alguém por causa de signo é o mesmo que fazê-lo com base na cor da pele, só que em um caso é preconceito e no outro é tolerado.

Olhando pela ótica da física, também seria impossível que os planetas exerçam qualquer influência sobre as pessoas. “Mas Sally, a lua afeta as marés”. Ok, todos os corpos no Universo exercem algum tipo de gravidade sobre outros, mas você já comparou o tamanho de um oceano com o tamanho de uma pessoa?

Os planetas estão muito distantes de nós, longe demais para que possa haver alguma influência em seres tão pequenos. Do ponto de vista das forças gravitacionais, a passagem do Sol pela constelação X ou Y é absolutamente irrelevante. Nas palavras de Richard Dawkins: “Um planeta está tão distante de nós que sua atração gravitacional sobre um recém-nascido seria anulada perto da atração gravitacional causada pelo tapa do médico”.

“Mas Sally, não é só sobre o signo, tem outras variáveis que influenciam, como o ascendente”. Certo. Essa é uma bela rota de fuga usada por vários astrólogos: as variáveis. Quanto mais variáveis, mais difícil provar que algo não funciona. Pensando nisso, a revista Nature resolveu fazer um estudo científico onde os participantes davam todas as informações necessárias para um horóscopo completo (com signo, ascendente, lua e o caralho a quatro) e, ao mesmo tempo, os fez preencher um complexo questionário psicológico, que traça o perfil, a personalidade da pessoa.

Diversas instituições renomadas de astrologia foram convidadas a analisar os questionários (sem o nome dos participantes) e compará-los com as informações “astrológicas”, para ver se podiam dizer, pela posição dos astros, a quem correspondia aquela personalidade. Ao todo, foram 28 astrólogos profissionais, que receberam apenas três perfis psicológicos diferentes e uma informação “astrológica”. Seu trabalho era apontar a qual das três fichas correspondiam aquele posicionamento de astros. Um terço de chances de acerto. Molezinha, né?

O resultado, entretanto, foi decepcionante. Os astrólogos haviam garantido publicamente que conseguiriam mais de 50% de acertos, mas a realidade bateu à porta: apenas 34% de acertos, menos do que uma pessoa conseguiria chutando aleatoriamente, mesmo com toooodas as variáveis inerentes a astrologia sendo levadas em conta. É uma proeza você ter que acertar um em três e só conseguir pouco mais de 30% de sucesso.

Outro estudo pedia que astrólogos acertem a profissão de sete voluntários, baseado em seus dados astrais e um questionário que os próprios astrólogos puderam desenvolver. Para ficar mais fácil, as sete profissões também foram disponibilizadas de maneira que o trabalho era apenas atribuir a carreira certa a cada voluntário. Cinquenta astrólogos ajudaram a desenvolver o questionário, que acabou ficando com 25 perguntas pessoais e 24 perguntas de personalidade. A pedido dos astrólogos, datas importantes dos voluntários (casamento, divórcio, nascimento dos filhos etc.) também ficaram à disposição.

Com todas essas informações em mãos, os 50 astrólogos tiveram dez semanas para chegar às suas correlações. Os resultados foram frustrantes. Nenhum astrólogo conseguiu relacionar mais de três pessoas a suas profissões, e metade não acertou nem sequer uma. Mais do que isso: apenas dois astrólogos concordaram entre si, o resto escolheu combinações completamente diferentes umas das outras, indicando que nem os próprios “especialistas” concordavam na interpretação dos astros. De novo, o resultado final foi pior do que um simples chute aleatório, mesmo com todas as variáveis astrológicas levadas em conta.

Pode ter quem pense que esses estudos (são muitos e todos com resultados pífios) podem ter sofrido algum tipo de manipulação para desacreditar a astrologia. Mas, mesmo quando o assunto é público, a taxa de erro é enorme. Astrônomos famosos se deram ao trabalho de analisar mais de 3 mil previsões de astrólogos famosos, feitas de forma pública, envolvendo pessoas públicas e as acompanharam para ver quantas se concretizavam. O resultado foi pífio: apenas 10% de concretizaram. Mas, curiosamente, são essas 10% que ficam marcadas na cabeça das pessoas, pelo assombro e deslumbramento de vislumbrar a possibilidade de prever o futuro.

Isso acontece graças a dois mecanismos psicológicos que todos nós temos: o viés de confirmação e o viés de retrospectiva. O viés da confirmação descreve a nossa tendência a preferir informações que combinem com aquilo que já sabemos ou acreditamos. Quando escutamos algo com que concordamos, aquilo se sobrepõe a informações discordantes e fica marcado. Então, se um astrólogo te diz que você é muito criativo, generoso e sensível, por mais que você não seja sensível, o que vai ficar marcado na sua cabeça é o quanto ele acertou que você é criativo e generoso.

O viés de retrospectiva explica por que nos lembramos com mais facilidade dos acertos do que dos erros. As pessoas encaixam os acontecimentos nas previsões astrológicas, e não o contrário. Previsões vagas confirmarem os acontecimentos depois que eles ocorreram. Por exemplo, se alguém te disser que esta será uma semana onde você vai enfrentar desafios, basta furar um pneu do carro para que você relacione o fato com a previsão e a confirme retroativamente.

Há quem se ache um floquinho de neve muito especial e acredite que não está sujeito a esses mecanismos. Todos estamos, em maior ou menor grau, a diferença é que quem tem consciência disso consegue se safar de armadilhas como a astrologia. Um estudo interessante mostra como todos somos afetados pela indução e tentação de acreditar em qualquer coisa que nos envaideça e nos dê a sensação de controle e poder de antever o futuro.

“Mas Sally, comigo dá super certo”. Sim, mas não por precisão do método. Muitos estudos já comprovaram que, desde que a pessoa sinta que as previsões foram feitas de forma personalizada, especial e focadas nela, tendem a concordar e encontrar pontos de identificação. Some-se a essa “boa vontade” de partida o fato de que, no geral, essas previsões astrológicas costumam ser vagas, imprecisas, podendo ser flexíveis e se encaixar de diversas formas na realidade de qualquer pessoa. Como disse Stephen Hawking: “Astrólogos sabiamente fazem previsões tão vagas que podem ser aplicadas para qualquer acontecimento”.

Essa hiperflexibilidade protege o charlatanismo astrológico. Se você não se identifica com seu signo, deve ser seu ascendente que preponderou. Se não, é a lua, ou o planeta que está em tal casa. Com tantas rotas de fuga realmente fica difícil para o leigo provar que não funciona. Mas, quando levamos a coisa para o campo objetivo, para a matemática, fica provado que o índice de acertos é ridículo, mesmo levando em conta as variáveis.

Um exemplo de como estamos propensos a nos identificar com algo feito especialmente para a gente é um famoso estudo que pegou o mapa astral de um dos piores assassinos da história da França e o deu para vários astrólogos interpretarem, como sendo o mapa astral de voluntários. Foram 500 pessoas diferentes, tendo o mapa astral de um assassino psicopata interpretado como se fosse o seu e 94% disseram se identificar com as características narradas. Sim, 94% das pessoas super se identificaram com o que foi dito sobre um psicopata que matou mais de 27 pessoas.

Daí depreendemos que quando olhamos de uma forma objetiva, fazendo uma análise matemática, o índice de acertos é muito pequeno, eu diria até vergonhoso. Mas, quando entra o subjetivismo, o índice de acertos aumenta muito, por mais bizarra que seja a realidade, como no caso do mapa astral do assassino. Isso é fruto da mente humana, não mérito da astrologia.

Consciente ou inconscientemente, astrólogos que fazem avaliações personalizadas utilizam os mesmos recursos que cartomantes e videntes em geral: simpatia, empatia, observação e previsões genéricas e adaptáveis. Nesse combo, a principal arma está na observação e é algo chamado de “leitura fria”.

A leitura fria consiste em obter o máximo de informações possíveis daquela pessoa que está se consultando com você sem que ela perceba que está passando essas informações. Pode ser induzindo sutilmente a pessoa a falar coisas que te façam depreender outras (“vejo um homem na sua vida…” – “sim! É o Fulano!), pode ser observando as roupas e acessórios ou de inúmeras outras formas. E nem sempre quem o faz o faz conscientemente. Tem gente que jura que tem algum grau de vidência, mediunidade ou leitura astrológica, mas apenas é muito bom em “ler” os outros sem sequer perceber o que está fazendo.

Também é importante levar em conta que dificilmente quem está bem resolvido, feliz e emocionalmente estável recorre a esse tipo de ajuda externa. Quem procura astrologia, ou qualquer outra muleta desse tipo, geralmente está com alguma questão para resolver, com medo, fragilizado e gostaria de saber o que os planetas têm a dizer sobre isso. Assim, a pessoa recebe uma “ajuda” para tomar grandes decisões ou lidar com tristezas, desilusões amorosas etc. Não são todos que tem a força e a confiança de decidir sozinhos, é muito confortável delegar a responsabilidade por decisões (e dividir a culpa caso tudo dê errado) com seres místicos ou planetas.

Some-se a isso a vaidade humana. O fato de ter alguém te observando, falando sobre você, te fazendo acreditar que você pode antever o seu futuro dá uma falsa sensação de segurança e conforto. Quanto mais coisas boas um astrólogo falar, mais satisfeita e feliz a pessoa sai da consulta. Pode reparar que eles tendem a reforçar os aspectos positivos. Ninguém de diz que sua mãe vai morrer este ano ou que sua vida profissional vai ser um fracasso. Escutar coisas boas sobre si é mais fácil do que fazer uma terapia e resolver suas questões.

Acreditar que os planetas estão traçando de alguma forma a rota da sua vida alivia a responsabilidade da pessoa por suas escolhas erradas, por sua acomodação e por seus defeitos. A culpa não é sua se você é uma pessoa neurótica e ciumenta, nativos de escorpião são assim mesmo. A culpa não é sua se você não se aprimora, não melhora seu currículo e não consegue emprego, Mercúrio Retrógrado é quem impede. Assim como qualquer religião ou culto nocivo ao desenvolvimento pessoal e à autorresponsabilidade, astrologia retira parte do poder das mãos da pessoa e o recoloca nas mãos dos planetas. Um tremendo desfavor.

Fora que é muito cool essa aura transcendental, holística, de se conectar com os planetas. Dá uma falsa impressão de mente aberta, quando, na verdade, só se muda a alegoria: monstro do macarrão, INRI Cristo ou Plutão, tanto faz a divindade para a qual você se submete: se parte do poder é retirado de você e recolocado em qualquer coisa externa (planetas, unicórnios, Sergio Mallandro, tanto faz), é nocivo. É isso que as pessoas devem entender de uma vez por todas: parem de delegar poder para fora de vocês.

A pior parte é que muitas pessoas se deixam influenciar ou sugestionar por aquilo que estaria supostamente determinado para elas. Já vi muitos imbecilóides que se portam induzidos conforme o que se espera do seu signo ou que criam para si mesmos sem perceberem uma série de transtornos em períodos em que assim é esperado, como por exemplo em seu “inferno astral”. É aquela frase que vocês estão cansados de escutar nos meus textos: VOCÊ cria sua realidade, consciente ou inconscientemente. Não delegue nada para os astros, está tudo nas suas mãos mesmo.

Então, não é que não existem provas suficientes para constatar que astrologia funciona, a verdade é que a ciência já provou que ela não acerta. A questão não está em aberto, como muitos gostam de fazer parecer. Já foi provado que o movimento dos corpos celestes não afeta em nada nossa personalidade ou nossas vidinhas mundanas, muito menos podem prever nosso futuro. Pois é, você não é assim tão importante, Saturno está cagando pra você.

Os deixo com um parecer de Michael Shermer, fundador da Skeptics Society (Sociedade dos Céticos), respondendo se astrologia de fato funciona: “É claro que ela não funciona. Ela é um retrocesso à Idade Média. Você gostaria de se tratar com a medicina ou a odontologia de 500 anos atrás? É óbvio que não”. Sua vida está nas suas mãos e só nas suas mãos.

Para dizer que não quer ter tanto poder sobre a sua vida, para dizer que este texto é fruto de Mercúrio Retrógrado ou ainda para dizer que não adianta escrever este tipo de texto pois negadores negarão: sally@desfavor.com


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