
Desfavor do Ano: 2019
| Desfavor | Desfavor do Ano | 6 comentários em Desfavor do Ano: 2019
SALLY
Para segurar uma democracia em um país, coibir abusos e manter uma sociedade minimamente distante da barbárie, o pilar fundamental é o Judiciário. Estudiosos técnicos te dirão que os três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) são igualmente importantes, mas eu te digo que não são.
Se um Legislativo cria leis ruins, o Judiciário pode adequar sua interpretação ou até mesmo declará-las inconstitucionais e remover sua validade. Se um Executivo comete abusos, o Judiciário pode processá-lo e até removê-lo do cargo via impeachment. O Judiciário é um superpoder que, se conduzido de forma íntegra, de acordo não apenas com as leis, mas com a realidade social e com a intenção das leis, levanta um país. Ou derruba.
Um Judiciário ruim não pode ser remendado pelo Legislativo nem pelo Executivo. Nem por ninguém. Um Judiciário que não age com integridade, que não mantém uma coerência entre o que pensa, o que diz e o que faz, que não respeita a realidade do país e que não zela como um cão de guarda pela Constituição, seja pelos seus artigos, seja por suas intenções, derruba um país.
Quando falamos em Judiciário, normalmente as pessoas pensam pequeno: prender bandido, punir quem não cumpre a lei. Não é essa a finalidade do Judiciário. Essas pequenas tarefas são apenas alguns meios para alcançar seu grande objetivo, que é a paz social. Sem limites, sem balizadores, nos mataríamos uns aos outros, pois o ser humano não é civilizado e é egoísta e burro ao ponto de se colocar em risco e colocar todos os demais em risco também.
O Judiciário é a cola que mantém uma sociedade unida e funcional. Para isso, sua principal arma é uma coisinha chamada “Segurança Jurídica”. Isso nada mais é do que um nome chique para um mínimo de coerência que faça o cidadão confiar que quando o Judiciário bate o martelo, é assim que vai ser, e vai valer para todo mundo.
Inicialmente, muitos e muitos anos atrás, as leis não eram escritas, eram verbais. Com o tempo se percebeu que palavras acabam deturpadas conforme a situação, conforme o réu, conforme o momento histórico. Não saber exatamente o que se pode e o que não se pode fazer (e quais são as consequências de fazê-lo ou deixar de fazer) tende a gerar um caos social.
Além do sentimento de revolta e injustiça, que nunca acaba de forma pacífica nem com final feliz, essa instabilidade nas regras gera muitas injustiças, favorecendo a uns e prejudicando a outros. A lei tem que ser clara e valer para todos. Não se muda uma lei ou o entendimento de uma lei, a menor que um evento novo e de grande impacto o justifique.
É o básico do básico, um pilar fundamental de direito, de qualquer sistema jurídico por mais rudimentar que seja. Desde aldeias aborígenes até Roma antiga, todo mundo sabia que sem Segurança Jurídica não há justiça e não há forma de se conter diversos tipos de barbáries sociais. E, ainda assim, os dotô ministro do STF estão limpando a bunda com ela.
Não é aceitável sob nenhum argumento que um tribunal superior mude de entendimento da forma como o STF muda, praticamente conforme o réu. É o tipo de coisa que, para pessoas inteligentes, não teria preço, pois não há suborno no mundo que faça um Ministro inteligente entre para a história com essa mancha no currículo e que contribua dessa forma descarada para a derrocada social que isso gera. Apesar de suas togas, apesar de seus seguranças, é questão de tempo até que isso exploda na cara deles.
Deixa eu te contar um segredo: os Ministros do STF não tem um bom conhecimento de direito, eles tem um bom conhecimento de pessoas, contatos. Para ser Ministro do STF você não faz uma prova difícil como, por exemplo, para ser um juiz de um tribunal comum. É indicação. Basta ser amigo de alguém, basta que alguém te deva um favor ou basta topar endossar o esquema de alguém. Tem alguns ali que eram advogados merdas, tem outros que nem isso.
A insegurança jurídica é apenas um dos problemas, que saltou aos olhos com as várias mudanças de entendimento durante o ano, por exemplo, sobre prisão em segunda instância. Como nós mesmos explicamos aqui, o certo é só prender com uma decisão definitiva, que não caiba mais recursos, se este fosse um país civilizado. Não é. Vai ter gente deturpando a intenção da lei, que é assegurar justiça, recorrendo eternamente, consolidando uma injustiça, pois nunca serão presos. Justamente por isso o STF permitia a prisão em segunda instância. Mas, sem que nada de extraordinário aconteça, no mesmo ano mudaram de ideia várias vezes. Agora tá aí essa belezura: quem for rico nunca será preso.
O que nos leva ao segundo ponto: não adianta fazer lei “para inglês ver”. Basta olhar para nosso sistema penitenciário, que, no papel, é belíssimo. Esse sistema focado na ressocialização dos presos é adotado pela maior parte dos países civilizados e com cultura. O Brasil está nesse nível? Não. Mas quer fingir que está.
O resultado é tenebroso: um sistema carcerário onde a pessoa sai muito pior do que entrou, vítima de infinitas violências e adesão obrigatória a organizações criminosas, e ainda sai rápido, pois, pela letra da lei, a pessoa estará ressocializada. O resultado é ruim para a sociedade, pois além de ser um dos maiores índices de reincidência criminosa do mundo, jogam de volta psicopatas brutalizados no convívio social.
Adianta defender com unhas e dentes a moderníssima ideia de ressocialização, quando a sociedade brasileira, no seu conjunto da obra, não vai conseguir implementar o projeto? Não. Dá merda. Se você vestir um porco de coelho, colocando duas orelhas de pelúcia nele, ele continua sendo um porco. O mal do brasileiro, em qualquer instância, é viver fingindo que é um coelho.
Os estudadíssimos Ministros insistem em ignorar a realidade e aplicar todas as leis moderníssimas que Tiririca e Cia “fazem” (na verdade, seus assessores cortam e colam a legislação de países modernos e tentam emplacá-la aqui), mesmo sabendo que não são compatíveis com a realidade. Aplicar uma lei belíssima mas que não é compatível com a realidade também é uma forma de burrice. Se os Ministros saíssem um pouco mais de seus palácios e vivessem um pouco mais a vida real, saberiam disso.
Por exemplo, decidir que presos homens que apenas se declarem trans serão transferidos para presídios femininos e ficarão confinados com mulheres é uma decisão belíssima que o STF tomou este ano, mas totalmente incompatível com o Brasil. Você, pessoa comum, sabe muito bem no que isso vai dar. Não colocar isso em prática não é ser transfóbico, é ser realista, conhecer a índole do brasileiro e agir conforme o que o país precisa para manter um mínimo de ordem e dignidade. Só se dá mais liberdade a um povo depois de educá-lo. Antes disso, é tiro no pé.
Temos um STF que acumulou muito poder, justamente por conseguir tirar o poder dos outros se isso for preciso, mas que decide mal, com uma teoria que ignora a prática e que se sente no direito de não aplicar a lei de forma igual para todos. Quando você permite que quem tem dinheiro recorra eternamente e nunca seja preso pelos crimes que cometeu você está perpetrando uma injustiça, por mais que, no papel, a intenção dessa lei seja ótima.
Quando você tem o poder de destituir um Presidente da República, mandar prender um Deputado ou um Senador, o mundo inteiro fica nas suas mãos. É preciso ter um caráter impecável para não sucumbir a tanto poder e não se corromper, de uma forma ou de outra. E como quem chega lá não chega por mérito, por conhecimento e sim por indicação, estamos presenciando um verdadeiro desastre: pessoas que perderam a referência entre o certo e errado com um poder absurdo nas mãos.
Junte-se a essa receita de desastre um Executivo e Legislativo frouxos e com o rabo muito preso, mais um povo desinformado que não entende o que se passa nem as decisões do STF, as quais os Ministros fazem questão de dar da forma mais ininteligível possível e você terá um grupo intocável: nenhum político compra briga com o STF pois todos já fizeram ou foram acusados de algo que pode leva-los à cadeia e o povo nem saberia por onde começar.
Esse STF, com as decisões que proferiram ao longo do ano, são uma punhalada mortal em qualquer resto de democracia. Não é sobre lado A ou lado B, eles beneficiaram e prejudicaram todos os lados. É sobre instabilidade, insegurança jurídica, injustiça. Só é sujeitado à lei quem convém para o STF. Só vale ou deixa de valer a lei que convém para o STF. As normas do país viraram algo randômico que venta para o lado de quem paga mais.
Se hoje se pode fazer tal coisa, amanhã pode não ser mais permitido pois prejudica o empresário X, que pagará uma fortuna por essa decisão, ou por um pedido do Presidente, que se compromete a aumentar seus salários, ou por um pedido de um alto Congressista que vai dar algo muito bom em troca. Isso não é justiça, é barganha. E todo mundo perde.
2019 foi o ano em que qualquer resquício de justiça se esvaiu por completo no Brasil. Resta me alegrar por ter visto esse barco afundando e ter pulado dele antes. Está over, está descarado, além da justiça, parece que se perdeu a vergonha também. Boa sorte pros que ficam, vocês vão ter que fazer muitas concessões éticas.
Para dizer que basta um cabo e um soldado, para dizer que graças a essa gracinha de segunda instância Flavio Bolsonaro nunca será preso ou ainda para dizer que a esperança é que eles briguem entre eles: sally@desfavor.com
SOMIR
O Brasil definitivamente não é para amadores. Assim como em vários outros países subdesenvolvidos, os sistemas que regem nossa sociedade estão cheios de atalhos e armadilhas que só a experiência revela. Burocracia, corrupção e incompetência generalizadas são ferramentas poderosas na mão de pessoas que querem explorar um povo: quanto mais confusos e ineficientes os processos, maior o incentivo para agradar aqueles que já detém o poder. A qualquer momento você pode ficar preso nas engrenagens da máquina pública sem alternativa a não ser pedir favores para aqueles que a mantém.
Historicamente, esse é o mecanismo mais eficiente para a manutenção de um sistema corrupto que já criamos. Quanto mais incoerente o funcionamento do Estado, mais fácil explorá-lo. Se você não consegue prever como os poderes que regem o país vão agir, precisa ter seus líderes próximos e satisfeitos. Toda a história do Departamento de Operações Estruturadas da Odebrecht era justamente isso: a oficialização do processo brasileiro. A corrupção é tão parte do processo que valia a pena ter um setor da empresa focado somente nisso.
Até porque se você não quiser partilhar dessa sujeira, acaba preso no lamaçal que é o funcionamento das instituições brasileiras. Em tese, sempre existe um caminho legal para fazer negócios no país, na prática, ele não é economicamente viável. O Executivo e o Legislativo são culpados por isso também, mas o Judiciário é quem realmente dá a base para essa corrupção institucionalizada: em última instância, é esse o poder que resolve qualquer discrepância entre as leis que nos regem e as ações que realizamos.
O Legislativo não pode criar leis confusas e contraditórias se o Judiciário não quiser validá-las. O Executivo não pode condicionar suas ações a vantagens pessoais se bastar um processo para forçá-lo a fazer seu trabalho. Essa bagunça que é o Brasil depende demais dos juízes, desembargadores e ministros para continuar nesse processo de disfuncionalidade corrupta. E em 2019, o Judiciário caprichou na manutenção da insegurança jurídica, para a alegria de todos que exploram o Estado para ganhos pessoais.
Passamos uma mensagem clara: o Brasil pode mudar de ideia a qualquer momento e dar de ombros para as práticas mais comuns do direito internacional. Ninguém está seguro, a não ser que saiba jogar o jogo. Um juiz pode decidir que liberdade de expressão é irrelevante e punir comediante por uma piada, um ministro do STF pode decidir que orientação sexual é uma raça, pode bloquear investigações em curso de notórios corruptos e liberar depois, por mero capricho. Pode mandar a polícia na sua casa para tirar satisfação sobre uma crítica na rede social, pode dar chilique e humilhar alguém que não o chama de excelência…
2019 provou que o Judiciário é um bando de macacos com navalhas. Tudo pode acontecer por aqui. E pior, esse poder não depende de votos, os cargos são vitalícios e qualquer problema é resolvido por ele mesmo. Quem me dera fosse só incompetência e burrice, porque para isso tem solução. Mas estamos falando de algo intencional: o Judiciário brasileiro estimula a insanidade de seus membros por isso ser fundamental para a manutenção do estado de corrupção. Não tem alento nessa bagunça, se quiser algo resolvido por aqui, vai ter que subornar e bajular.
Essa é a verdadeira perversidade da situação: estamos reféns dessa gente. Não adianta você, cidadão privado, projetar uma imagem de confiança para o resto do mundo, porque todo mundo está vendo o que realmente acontece. Só vem pra cá e só cresce no Brasil quem está disposto a prescindir de práticas saudáveis para a manutenção de um estado de direito democrático. Como respeitar um país cujo próprio Judiciário não respeita? Isso vai moldando o comportamento do povo que já vive aqui e as expectativas de quem quer investir no Brasil.
Não é questão de trocar um ministro do STF ou juiz genérico, é toda a lógica de funcionamento. E enquanto continuarmos vivendo anos como o de 2019, não há luz no fim do túnel. Porque um sistema bagunçado envenena até quem entra nele com as melhores intenções. O juiz de primeira instância que vê a politicagem explícita das decisões do STF vai aprender o quê? Que é para tirar o máximo de vantagens que puder, porque até para ele tudo pode virar de ponta-cabeça a qualquer momento. Acumule poder e mantenha seus superiores felizes, custe o que custar.
E curta seu país de terceiro mundo, porque com um Judiciário desses, esse é o limite.
Para dizer que a PF vai bater na minha porta, para dizer que honestidade é defeito por aqui, ou mesmo para dizer que eles fazem o Bolsonaro parecer inofensivo por comparação: somir@desfavor.com
Para quem acha a retroagida do STF na questão da prisão de segunda instância ruim por facilitar que riquinho protele o processo até o crime prescrever, calma que piora.
O STF só decidiu em favor da prisão em segunda instância porque não queria se por como vidraça no momento em que Moro e seu séquito de justiceiros e fez o adequado para contornar a situação em meio a uma situação política em que tal grupo seria o alvo preferencial da opinião pública em contrário.
Esperaram a poeira baixar e mudaram a posição quando viram que a tempestade tinha passado.
É … o jeito é se adaptar a realidade brasileira e contar com a sorte.
Vocês só miraram no Supremo Tribunal do Pistolão, que apesar de merecer muitas críticas, são só uma pequena parte do problema, até porque desde sempre os cargos em tal posição foram indicados na base do pistolão.
Linda era a aberração das #10medidas que foram propostas como ação popular e que Moro e sua turma encamparam pra tentar limpar a barra em seus justiçamentos, em atropelo a um grande número de preceitos constitucionais. Felizmente as emendas no Congresso deturparam o vergonhoso projeto que era um atentado ao pouco que resta de “Estado Democrático de Direito” por essas bandas.
Que ressocialização do preso é utopia no país, isso é fato, mas soltam os infratores que estão no sistema prisional não com a finalidade de ressocialização e sim com a ideia de desafogar o sistema prisional superlotado, até porque construir e manter novos presídios custa caro e grande parte dos municípios que tem alguma condição política pra tanto faz lobby para NÃO ter presídios sendo construídos dentro de seu território.
Se isso causa problemas a nível de segurança pública, isso é pouco relevante por conta dos ganhos secundários com os altos “investimentos” em segurança “privada”, onde boa parte das empresas tem gente egressa da polícia em posições estratégicas dentro de tais organizações.
Quanto a aberração de querer equiparar a “homofobia” ao “racismo”, parabéns aos propositores da ação de descumprimento de preceito fundamental e também a bancada “religiosa” que obstruiu toda a discussão. O STF tem culpa, mas não sozinho. Afinal, o cerne das decisões mais controversas do alto judiciário (com destaque para o Supremo Tribunal do Pistolão) se deve principalmente a inepcia e a incompetência de nosso legislativo.
E sim, nas decisões pesa e sempre pesou a posição dos grupos de intere$$e, que só pensam em vantagens para si e para os seus se lixando para a coletividade como um todo. Não estranharia que equiparassem a morte de um cão ou de um gato a de um ser humano em meio a isso.
Para terminar, aquele abraço (de urso) para o Marcelo Frouxo, que vem me inventar de criar a medonha imagem do “juiz de garantias” criando mais uma burocracia no Judiciário. Obrigado por nada. Tá sobrando dinheiro pra encher o judiciário de ratinho concurseiro, né?
Que cabo e um soldado o quê, a solução é uma distribuição de azeitonas nas cabeças deles.
Vai lá e tenta a sorte na quadra mais vigiada de Brasília.