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Multiverso.

Multiverso.

| Somir | | 12 comentários em Multiverso.

Seguindo a sugestão da Ju, que pediu um texto sobre universos paralelos, hoje eu abordo o tema dentro do conceito muito maior de multiversos. Afinal, tudo nesse assunto é superlativo em relação às nossas expectativas iniciais. Se aprendemos alguma coisa com a história do conhecimento humano, é que sempre faz bem desconfiar que a realidade é maior do que estamos vendo atualmente.

Para começo de conversa, é bom estabelecer uma coisa: a teoria de multiversos ainda está mais próxima do campo da filosofia do que propriamente da física. São ideias que ainda não temos condições de testar diretamente, afinal, até segunda ordem, só temos um universo onde podemos fazer experimentos e coletar dados, este.

A ideia de múltiplos universos é antiga, talvez tão antiga quanto o pensamento abstrato humano. Não dá para ligar a um cientista-chave como Darwin na Evolução ou Einstein na Relatividade. De uma forma ou de outra, pessoas consideram essa possibilidade há milênios: o que muda durante as eras são as nossas ferramentas para lidar com a ideia. E como de costume, boa parte do pensamento abstrato do passado é ligado à religião: os gregos tinham um universo paralelo no alto do Monte Olimpo, os cristãos acreditavam (ainda acreditam) em Céu e Inferno vendo suas dimensões paralelas indo para cima ou para baixo…

Isso está muito relacionado à forma como pensamos: para seres humanos, as coisas precisam ter uma posição. E definimos posições em relação a outras coisas. Sempre foi muito difícil lidar com o conceito de infinito, porque o infinito, por não acabar, não tem uma posição em relação a outras coisas. Não importa o quão grande você acredite que seja o universo, bastam algumas sinapses do seu cérebro para você começar a pensar no que está em volta dele. Num pensamento, podemos viajar bilhões ou trilhões de anos-luz para buscar essa noção de posição relativa. E é isso que nos faz sempre ir além dos limites de nosso conhecimento. Um dia, o céu já foi o limite, depois, o universo acabava no sistema solar, e hoje em dia, ele termina “oficialmente” na área observável, uma esfera de mais de 90 bilhões de anos-luz.

Mas, pra variar, isso não quer dizer que paramos de pensar no que tem ao redor. Como já disse em textos anteriores, podemos presumir que mesmo esse universo observável é só um pedacinho de tudo o que existe. As fronteiras do universo que colocamos nos livros escolares são baseadas na luz que conseguimos ver e excelentes cálculos baseados nessa informação mais palpável. O que não quer dizer que tenha muito mais coisa ao redor do que conhecemos, esses bilhões todos de anos-luz de tamanho podem ser só um grão de areia em relação ao universo real. A ideia de ter mais do que vemos não só é aceitável como provável: somos historicamente ruins em definir o limite do tamanho do universo.

Só que também somos ruins em controlar o tamanho de qualquer discussão metafísica, para cobrir todas as possibilidades de multiverso, eu teria que escrever uma enciclopédia de conteúdo que provavelmente já estaria desatualizada quando terminasse. Por isso, vamos nos basear em gente que já passa a vida pensando nisso: a turma da Teoria das Cordas. Em especial o físico e matemático Brian Greene, professor da Universidade de Columbia. Greene listou nove tipos de multiverso possíveis, que listarei a seguir:

Colcha de retalhos: nesse tipo, que só é possível se o universo em geral for infinito, as leis da física continuam funcionando normalmente, não precisamos de outras dimensões ou nada muito esotérico, precisamos apenas de muito espaço livre. Nesse caso, estamos numa bolha da nossa percepção: o universo observável é mesmo uma parte minúscula da realidade e só tem “fim” porque mesmo a luz não é rápida o suficiente para viajar de uma bolha para outra. Existem infinitas bolhas se expandindo como a nossa, mas como o espaço entre nosso universo e todos os outros também está aumentando, nunca vamos tocar um no outro. Os outros universos seguem as mesmas leis da física que o nosso, mas por pura probabilidade, as coisas aconteceram de forma diferente.

Nesse universo “colcha de retalhos”, tudo o que é possível acontece. Com um número infinito de universos, é certeza que eventualmente vamos encontrar um onde as coisas aconteceram exatamente igual ao que aconteceram aqui. Ao mesmo tempo, inclusive. Ou seja: segundo essa ideia, existem infinitos você lendo este texto e reagindo absolutamente da mesma forma. Mas, mais interessante ainda, existem infinitas variações disso: num universo a vida não surgiu na Terra, em outro, os russos venceram a Guerra Fria, em outro, você injetou água sanitária nas suas veias logo pela manhã. Mas, também, em algum universo paralelo, você é podre de rico, ou mesmo ditador de toda a humanidade!

As possibilidades são literalmente infinitas. O bacana dessa ideia é que se algum desses universos desenvolver viagem mais rápida que a velocidade da luz, podem visitar outros, porque não tem nenhuma separação além de distância física entre eles (claro, como são infinitos você praticamente não tem chance de sequer achar outro com vida, mas não é impossível). Por incrível que pareça, o multiverso baseado nessa ideia é o mais simples de todos, porque não exige nada de muito diferente do que já conhecemos para ser verdade.

Inflacionário: esta categoria presume que o universo continua se expandindo infinitamente também, mas não da forma ordenada do exemplo anterior. A ideia usa o conceito de falso vácuo, que sugere que as nossas leis da física são baseadas num equilíbrio tênue entre as forças universais que pode ser quebrado a qualquer momento, universos podem surgir a qualquer momento, em qualquer ponto, basta que uma flutuação de energia faça com que a realidade “descubra” que não encontrou o ponto de equilíbrio máximo e comece a se movimentar para chegar até lá. Isso explicaria o nosso Big Bang e permitiria que infinitos outros possam acontecer ao redor do espaço.

E o mais curioso: como não sabemos em que ponto cada universo encontrou seu equilíbrio, as leis da física podem ser totalmente diferentes em cada um deles. Considerando espaço infinito e que não tenhamos alcançado o equilíbrio máximo, pode multiplicar os infinitos universos da opção anterior por infinitas alternativas de funcionamento da realidade. Num universo desses, a velocidade da luz pode ser maior. A matéria dominante pode ser a de carga negativa. Pode inclusive existir um de você lendo este texto exatamente na mesma posição e situação de vida, mas feito de antimatéria! Sim, eu sei que não faz diferença multiplicar infinito por infinito, seu chato, mas essa possibilidade muda muito a probabilidade de algum viajante ser imediatamente destruído assim que pular de um universo para outro: com leis da física diferentes, é possível que nossos corpos ou mesmo máquinas sejam totalmente impossíveis de existir.

Membrana: segundo a Teoria das Cordas, existem várias dimensões além das que percebemos. É tudo uma questão do que com o que conseguimos interagir. E nessa teoria de múltiplos universos, cada realidade é uma espécie de tecido feito das cordas fundamentais, que passam entre dimensões que percebemos e as que não percebemos. Esse “tecido” chamamos de membrana, e não existe nenhuma obrigação formal de só existir um. Tudo o que percebemos como realidade pode ser apenas a manifestação dessas membranas dentro das nossas limitações sensoriais.

Quando elas se chocam, produzem uma quantidade gigantesca de energia, criando universos. Segundo essa ideia, somos basicamente as ondas que se formam depois de uma gota d’água cair numa piscina. O resultado tridimensional de processos multidimensionais. E para a realidade em geral, está chovendo em cima dessa piscina: as membranas interagem sem parar, criando incontáveis universos a cada momento, mas é tudo tão grande e fora da nossa capacidade de medição que não temos contato com os outros.

Cíclico: e se ao invés de considerarmos o espaço infinito, trouxermos esse conceito para o tempo? Um universo que recomeça não é novidade, mas também satisfaz a condição de termos vários universos, só que não ao mesmo tempo. Na física mais tradicional, caso a expansão do universo seja reversível, podemos colapsar de volta numa singularidade no futuro (e bota futuro nisso) e re-explodir num novo Big Bang, na Teoria das Cordas, o universo cíclico é possível porque o movimento dessas membranas em uma outra dimensão poderia nos arrastar junto, criando nossa ilusão de tempo. Nesse movimento, podemos colidir com outros universos, ou até mesmo ficar sempre batendo nos mesmos, reiniciando a cada colisão.

Quântico: a física quântica não é simples de entender, mas podemos fazer algumas aproximações. Nessa linha de pensamento, os múltiplos universos poderiam ser “possibilidades” que foram medidas. Explico: na quântica se trabalha com o princípio de incerteza, até se medir alguma partícula fundamental, ela pode estar em infinitos lugares e velocidades diferentes. E se cada uma dessas possíveis medições fosse real?

Não quer dizer que o elétron do experimento da fenda dupla, por exemplo, agiu diferente de acordo com a observação, quer dizer que ele agiu como onda e como partícula ao mesmo tempo, mas nós o medimos de um desses universos, não dos dois. Nos múltiplos universos quânticos, tudo acontece, só que só percebemos um dos resultados. Esse é o conceito mais claro de universos paralelos que temos aqui: tudo acontece ao mesmo tempo, em percepções diferentes. Numa escala maior, cada uma das suas decisões na vida gerou um novo universo, porque a partir do momento que ela foi tomada, não tem mais volta. Existe um universo onde você não teve saco de chegar até aqui no texto. Mas fique tranquilo(a), este universo é bem melhor.

Holográfico: explicando de forma muito simplificada, fórmulas matemáticas parecem indicar que é possível “escrever” todo o conteúdo (volume) de um buraco negro na sua superfície (o que não violaria a regra de que nada se cria ou destrói). O universo teria propriedades parecidas, e tudo o que conhecemos aqui é uma projeção dessa superfície. Se esse for o caso, a linha entre buracos-negros e universos fica meio borrada. Poderíamos ser o interior de um buraco-negro de outro universo, e cada um dos buracos-negros desse poderia ter outro dentro.

Não vou me aprofundar porque ainda pretendo escrever um texto só sobre universo holográfico, porque isso chacoalha todas as noções de realidade que temos.

Simulado: já falei disso muitas vezes, nem preciso me estender. Se simular universos é possível, a probabilidade de estarmos em tende a ser maior do que não estarmos. Se estivermos numa simulação de computador, é muito provável que existam inúmeras outras.

Máximo: não sei se vocês perceberam, mas todas essas alternativas podem coexistir. Podemos ter um universo diferente para cada possibilidade matemática, considerando números infinitos. É só multiplicar todos os infinitos aqui para chegar no número de universos alternativos possíveis. Fácil de entender, não? Isso seria a última dimensão da Teoria das Cordas: todas as possibilidades, de tudo, espaço e tempo.

Simples de entender, né? E não se preocupe, se ficou difícil, tem uma versão sua que está reclamando dos meus erros no texto e me chamando de burro por não ter entendido nada.

Para dizer que eu sempre exagero, para dizer que cada alternativa precisa de um texto (verdade), ou mesmo para dizer que já acha seu quarteirão grande demais: somir@desfavor.com


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