Skip to main content
Transespécie.

Transespécie.

| Sally | | 34 comentários em Transespécie.

No começo eram apenas notícias esparsas, pessoas tidas como loucas que viravam motivo de piada. Mas, com o tempo, os casos foram aumentando e hoje eles lutam por reconhecimento que os afaste da doença mental e os coloque no mesmo patamar de transgêneros. São os Transespécie, por mais estranho que pareça, eles são uma realidade e é hora de começar a pensar em como lidar com eles.

Transespécie seria, em um resumo bem simplista, uma pessoa que não se identifica com um corpo humano. Ela se sente como sendo de outra espécie, como por exemplo um cão ou um pássaro. Assim como os transgênero (um homem que se sente mulher ou uma mulher que se sente homem), os transespécie sofrem com o corpo que tem e, quando podem, apelam para cirurgias plásticas para adequá-los a aquilo que se sentem ser.

Você provavelmente está pensando que são pessoas loucas, e de fato são vistas assim por muitos, mas aqui há uma linha importante a ser traçada: se a sociedade insiste em endossar que você é aquilo que você se sente em casos de pessoa que dizem ter nascido em um corpo errado quando falamos de sexo, fica difícil, por simetria, não dar a mesma prerrogativa a quem se sente de outra espécie. Ou o sentimento da pessoa é válido para caracterizar quem ela é, ou se utiliza a genética como linha divisória.

Se você pensa que um homem que se sente uma mulher é de fato uma mulher e pode fazer cirurgias mutilativas para adequar seu corpo a esta percepção, seria contraditório dizer que um homem que se sente um ornitorrinco não é um ornitorrinco e não pode fazer cirurgias mutilativas para adequar seu corpo a esta percepção. Pois é, a sociedade está prestes a ter uma baita discussão sobre o assunto, justamente por isso queremos levantar o assunto antes, para que quando a hora chegue, o assunto já esteja maduro na cabeça de vocês.

Independente da nossa opinião, os transespécie estão cada vez mais presentes na sociedade. Difícil dizer se seu número está aumentando de uns anos para cá ou se de fato eles sempre estiveram ali e agora estão em melhores condições de “se assumir”, o fato é que eles estão reivindicando seu lugar na sociedade e nós ainda não sabemos como lidar com isso.

Vejamos o caso de um designer brasileiro, cujo nome vamos omitir pela política do blog, que prestigia o direito ao esquecimento, mas que você poderá encontrar facilmente no Google com as informações que vamos dar: ele conta que sempre se sentiu deslocado da sociedade e que sentia forte atração por acessórios caninos, em especial que remetessem à raça Dobermann.

O sentimento falou muito alto e ele decidiu sair do armário humano e se assumir: hoje ele tem o layout de um cachorro. Usa uma máscara bastante realista de pelúcia que faz seu rosto parecer com um cão. Faz todas as suas tarefas diárias usando a máscara, até dorme com ela, só a remove para tomar banho.

Até na hora de viajar ele vai com sua Dog Face. Ele conta que já teve problemas para embarcar em aviões: “Eu já tinha mostrado o meu rosto para todos os seguranças, mas, no avião, tive que falar que eles deveriam respeitar a minha máscara assim como respeitam uma mulher muçulmana com a burca”. Aos poucos, uma “personalidade canina” estaria aflorando cada vez mais, a ponto dele chegar a comer carne crua. E aí? Como lidar com pessoas mascaradas tentando entrar em bancos, aviões e hospitais?

Nem sempre os Transespécie se identificam com animais, eles apenas não se identificam como humanos. Uma moça nascida no Recife, atualmente moradora de São Paulo, por exemplo, não se identifica com qualquer animas e sim com alienígenas, intitulando-se “Transalien”. Ela vive sua vida com máscaras alienígenas cobrindo seu rosto, a ponto de afirmar que muitas pessoas que a conhecem nunca viram seu rosto. Ela tem a forte sensação de que não é humana e sim de outro planeta.

Um dos primeiros Transespécies a vir a público foi um inglês que se reconhece como um cão da raça Dálmata. Ele anda em quatro patas, come ração para cachorro, dorme em uma casinha de cachorro e até late. Sua esposa, que se divorciou dele quando ele decidiu “se assumir dálmata”, diz que sente falta dele mas que está feliz por ele ter a coragem de ser fiel a ele mesmo, já que ele não era feliz como humano e tinha um desejo muito forte de ser um cão. O homem não se arrepende e se diz plenamente realizado agora. Se a “transformação” resolveu os problemas internos e trouxe paz à pessoa, será que, ainda assim, devemos deixar de reconhece-la?

Uma norueguesa afirma que é um gato preso em um corpo humano, alegando que por algum “erro” lhe foi designado um corpo de uma espécie errada. Com o passar do tempo, após decretar que era um gato, a moça alega ter desenvolvido um olfato mais apurado, uma visão noturna superior à de humanos e um desgosto por água. Alega ainda que possuí ou desenvolveu alguns genes de felinos no seu corpo.

Um simples exame de DNA provaria o contrário: a moça não é um gato, ainda que se sinta como tal, seu corpo continua o de um humano. Isso faz sentido para você? Pois bem, experimente dizer isso a um homem ou uma mulher trans: “por mais que você se sinta uma mulher, lamento, você é um homem, seus genes são de homem”. Grandes chances de apedrejamento. Ao que tudo indica, atualmente, o que a pessoa sente é soberano e se sobrepõe inclusive à genética.

São centenas de casos famosos. Uma australiana que pensa ser uma égua, um suíço que se sente uma cabra, um americano que se sente uma raposa, um japonês que acredita ser um leão. Se você procurar, vai encontrar todo tipo de transespecismo e muitas modificações corporais feitas em função disso.

Graças à internet, estas pessoas estão se reunindo e ganhando voz. Graças a outras supostas “doenças” que foram revistas e retiradas do rol de doenças mentais pela OMS, os Transespécie estão encontrando a validação que precisam para pleitear o respeito social pelo seu estilo de vida. Eles já reivindicam que sua “condição” seja excluída do rol de doenças.

O caminhar social parece estar rumando para validar aquilo que a pessoa sente, se sobrepondo inclusive à genética. Ou damos ré agora mesmo e pactuamos que por mais que a pessoa se sinta outra coisa ela é o que seus genes determinam ou em breve teremos que incluir banheiros para animais além dos clássicos masculino e feminino nos estabelecimentos públicos. Essas coisas crescem rápido, não se trata apenas de validar, mas também se pensar se queremos uma sociedade adaptada a essa nova realidade.

Não é moral validar um homem que se sente uma mulher e não validar um homem que se sente um cão. Ou o que determina a “classificação” é a sensação interna ou é a genética. Estamos diante de uma bifurcação muito complicada. A OMS deixou de considerar transexualidade uma doença, então, indiretamente, admitiu que uma pessoa pode nascer ou se sentir em dissonância com seu corpo e modificá-lo com cirurgias pode ser uma forma de atenuar o problema.

Até a presente data, pessoas que se sentem animais são vistas como portadoras de algum problema mental, tal como distúrbio dismórfico corporal, coisa que se atribuía aos transgênero até bem pouco tempo. Tudo indica que com o tempo, assim como os transgênero, os Transespécie também serão reconhecidos e acabarão tendo seus sentimentos validados.

Na verdade, pode surgir uma verdadeira indústria da cirurgia plástica para atender a esse nicho. E daí surge um novo problema: o modismo. Não desvalorizando o sentimento de cada um, mas se toda inadequação desembocar em um equívoco de espécie, metade da humanidade vai fazer severas modificações corporais.

Muitas vezes o clamor social pela aceitação dessas pessoas tem um pano de fundo cruel e ganancioso. Assim como fizeram com o Pink Money, podem estimular os trans-especistas em busca de, digamos, um Animal Money. Pode surgir uma verdadeira indústria trans-especista, como por exemplo, uma pet shop para humanos que se sentem animais, com camas, coleiras e demais produtos em tamanho diferenciado. Atendimento médico emulando um veterinário, hospedagem emulando um canil, as possibilidades são infinitas. Nem sempre aceitação busca inclusão, às vezes busca lucro.

E, com tudo isso, vem a famosa “luta”, que só polariza ainda mais as coisas. Luta pelos mesmos direitos, luta para serem reconhecidos, luta para poder entrar em restaurantes, cinemas e local de trabalho vestidos como o animal que se sentem… Enfim, luta contra a transespecieofobia. Lá vamos nós novamente, separando em vez de unir, classificando e rotulando em vez de agregar…

Marchas pela igualdade de direitos, campanhas para o fim do preconceito e todo esse combo que já vimos com outras categorias que saíram do rol de “doença mental” e receberam “autorização social” para ser como são. Acreditem, já tem muito psiquiatra e psicólogo se especializando nesse grupo que chamam de “espécie fluida” e sugerindo que este dado seja acrescentado no documento de identidade da pessoa. O ser humano é fantástico: surge um nicho e imediatamente surgem centenas de pessoas prontas para ganhar dinheiro com esse nicho.

Onde está a linha? É ok se sentir de outro sexo mas não é ok se sentir de outra espécie? É aceitável mudar radicalmente sua etnia, transformando um nariz achatado em um nariz fino, um cabelo crespo em um cabelo liso, mas não é ok mudar para deixar de ter uma aparência humana?

Não é uma questão de permitir cirurgias, cada qual que modifique seu corpo como achar melhor. É discutir o tratamento social que será dado a essas pessoas. Doença? Loucura? Excentricidade? Um direito? Uma não identificação como outra qualquer?

Este não é um texto opinativo, é um texto informativo, para que você esteja ciente do que está acontecendo e forme sua convicção, pois é questão de tempo até que transespecismo vire pauta. Eu mesma não sei o que pensar.

A grande questão é: não se sentir humano te dá o direito de se dizer não-humano e demandar da sociedade um tratamento diferente?

Para dizer que acha racista ser transespécie e escolher a raça do cachorro que vai ser, para perguntar se o transespécie que se diz gato terá o direito de matar o transespécie que se diz pássaro por instinto ou ainda para dizer que você é transvergonhalheia: sally@desfavor.com


Comments (34)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.

Relatório de erros de ortografia

O texto a seguir será enviado para nossos editores: