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Game of Thrones

Game of Thrones

| Sally | | 55 comentários em Game of Thrones

Se você assiste Game of Thrones, seja muito bem-vindo. Se você não assiste, passa amanhã, pois hoje vamos falar apenas disso.

O seriado está entrando na sua reta final e desagradando, de uma forma ou de outra, a uma grande parcela da sua audiência. Não é todo dia que vemos isso: um seriado muito bem sucedido, cagando tudo em sua reta final. Desde Lost que todos os roteiristas do mundo podem respirar aliviados, pois o título de pior final da história estava assegurado. Bem… não mais. É possível que tenhamos um novo vencedor.

O problema, da forma como eu vejo, é que as pessoas sentem um desconforto, mas não sabem identificar de onde ele vem. Para não se emputecer sem explicação, elas pegam o que está mais próximo de suas crenças, de sua realidade, do seu mundo concreto e encaixam nesse desconforto, fazendo disso uma falsa causa para se emputecer com a série.

Minha opinião sobre a horda de descontentamento: os roteiristas foram desleais com o público, algo que você aprende na primeira aula de roteiro que não se faz. A pessoa sente a deslealdade, mas não consegue identificar exatamente o que a chateou. Para não pagar de maluca e se emputecer sem saber explicar o motivo, ela levanta sua bandeira favorita para justificar a putez: feminismo, ideologia política e até causa animal.

Quando você está construindo uma história, faça o que quiser, mas seja leal ao seu público. Não engane, não trapaceie, não faça estelionato intelectual. Isso não quer dizer que a história não pode ter mistérios ou reviravoltas, pode e deve. Tomemos como exemplo Agatha Christie, uma pessoa que fazia isso com maestria: em seus livros, ela empurra o leitor o tempo todo na direção “errada”, para que ele não descubra quem é o assassino, mas o faz de forma honesta. Sem mentir descaradamente, sem enganar, sem chegar ao final com uma solução tirada do cu.

Nesse ponto, o roteirista é como um mágico: distrai o público com uma coisa, enquanto realiza outra. Não é desonestidade, se você reler uma história da Agatha Christie novamente, depois de descobrir quem é o assassino, vai perceber que as pistas estavam todas lá, o leitor tinha plenas condições de descobrir, se não o fez foi por distrações que o levaram para outro caminho. A história continua íntegra, coerente, a autora não precisou mentir ou roubar para trazer uma reviravolta inesperada.

O mesmo não acontece com Game of Thrones. Os roteiristas estão sendo extremamente desleais. Vejam bem, falo apenas de roteiro. Em todos os outros aspectos a série está impecável: figurino deslumbrante, produção perfeita, etc. Mas o roteiro está sacaneando o público, e o público sente isso, por mais que não saiba identificar exatamente de onde vem. O resultado está aí, nas redes sociais.

Um exemplo claro: passaram as oito temporadas nos metendo um baita terror do Rei da Noite e seus White Walkers como a maior ameaça, praticamente impossível de se derrotar. Toda a trama bélica do seriado girava em torno disso, do medo e do preparo para este grande momento. A batalha pelo trono, que dá nome ao seriado, chegou a ser adiada, graças à importância deste inimigo tão poderoso e difícil.

Nos enganaram. O Rei da Noite morreu facinho, com uma facada desferida por uma menina de um metro e meio. No que ele morreu, todos os White Walkers morreram junto, automaticamente. Em cinco segundos, o que era vendido como maior medo e maior obstáculo do seriado foi desfeito com uma estocada da Arya. Não questiono a decisão dos roteiristas, questiono o tanto que eles valorizaram algo que não era tão complicado ou ameaçador. Nos venderam algo muito distante da realidade, isso não é reviravolta, é estelionato.

Outro exemplo: Bran, o Corvo de Três Olhos. Supostamente ser o Three Eyed Raven seria algo muito importante, um cargo de extremo poder, com uma função crucial. Se alguém aqui consegue encontrar alguma função para o Bran que não seja apoio de porta, por favor, me diga. Como bem disse um leitor, Bran só serviu de isca, poderia ser substituído por um pouco de fubá e uma gaiola. Não se passa oito anos prometendo algo grandioso e depois se entrega apenas um cadeirante dormindo no sereno para poder dar uma indiretinha para o Jaime Lannister.

Mesmo que Bran desempenhe um papel importante daqui até o final da temporada (só faltam dois episódios para o fim), se esperava dele uma participação importante nos grandes eventos que aconteceram, sobretudo em relação a Rei da Noite, vendido o tempo todo como pior e mais temível obstáculo a ser superado e como arqui-inimigo de Bran Stark. Foi extremamente desleal passar oito anos exaltando a importância do Corvo de Três Olhos para, no final, ver a Arya solucionar tudo na boa e velha porrada.

Os próprios dragões, sempre vendidos como algo que daria uma vantagem absurda a Daenerys na hora da batalha, estão morrendo como moscas. Que bicho foda é esse, que todo mundo tem medo, mas que morre com uma lança no peito? Vale lembrar a lança que matou o primeiro dragão foi arremessada à mão, do chão, enquanto o dragão voava. Eu já tentei matar pombo assim e não consegui.

Decide aí: ou são animais que possuem escamas grossas que os protegem (em vários episódios flechas e lanças batem no peito deles e caem sem entrar) ou são vulneráveis e morrem se jogar um palito de picolé na direção deles. Nada contra qualquer uma das opções, mas, por questão de coerência, coexistirem é incompatível.

Os dois primeiros episódios desta temporada (ou seja, quase um terço da temporada toda) também destoaram absurdamente da proposta da série: muito romance, clichê e perda de tempo. Teve rolê de dragão, teve declaração brega, teve tudo menos o que se espera da série: agilidade e acontecimentos surpreendentes.

Aí fizeram uma super campanha de divulgação sobre o que seria a maior batalha de todos os tempos, no terceiro episódio: a Batalha de Winterfell. Morreu mais gente importante em um casamento do que nesta porra de batalha. Não tiveram culhão de matar um personagem importante. A serie simplesmente não está conseguindo manter o fôlego que tinha quando os episódios eram inspirados nos livros. Os roteiristas solando parecem ter medo demais de ousar em uma série onde ousadia sempre foi a marca registrada. Sem ousadia Game of Thrones vira Senhor dos Anéis reloaded.

O povo ficou tão carente de uma gotinha de GoT original que foi ao delírio com Missandei sendo decapitada. O mesmo público que, na primeira temporada viu o personagem principal ser decapitado, vibra com a namoradinha de um Fulano do exército morrendo. Migalhas. Cultivaram por oito anos um público ávido por ousadia, mortes e ação e depois encerram a série com um terço da temporada final com beijinho e cantoria?

A forma como estão torturando o roteiro para tentar desesperadamente agradar aos fãs coloca o seriado em um caminho sem volta. Personagens importantes estão se portando de forma bizarra para atender a um plano de final-lacre incompatível com a série. Tyrion Lannister agora é celibatário e burro. Jaime Lannister vai a Winterfell cumprir sua palavra peitando a irmã, mas no meio do caminho decide que é uma má pessoa e volta correndo. Ou é todo mundo bipolar, ou estão imputando aos personagens atitudes incompatíveis com oito anos de construção de uma personalidade.

Vi muita gente reclamando que Daenerys estava sendo retratada como louca para desmerecer as mulheres e dar o trono para um homem, que no caso, seria o Jon Snow. Chato que o seu personagem favorito não sente no trono, mas problematizar seriado à luz de questões morais reais, sobretudo um declaradamente ficcional, é pedir para se frustrar. Coerência de roteiro é necessária, levantar uma bandeira atual em um seriado medieval é insanidade.

Sejamos sinceros, Danny dá sinais de loucura faz tempo e sempre se reforçou que ela é filha do Rei Louco, ou seja, não surpreende a mulher estar louca de pedra. Mas, podem relaxar lacradores, os roteiristas estão acovardados faz um par de temporadas, não sei se terão coragem de tirar o trono dela. Não duvido que Danny sente no trono, tudo que eles escrevem é Fan Please e não tem muitas opções para colocar no lugar dela.

Nessa zona de personalidades bizarras que mudam do dia para a noite, estão desqualificando todos para o trono de ferro. Daenerys tá louca de pedra, mas o lacre pode falar mais alto e que os roteiristas podem fazê-la se superar, ser magnânima e não promover um massacre, vencer a si mesma e à sua loucura, para assim sentar no trono. Seria mais uma vez forçado: como veio, a loucura foi embora. Magicamente. Forçado, né? Mas quem se não ela?

Tyrion, o maior estrategista do seriado, é, atualmente, um idiota que perdeu até seu bom humor e deixou de fazer piadas. Bran é basicamente um móvel de Winterfell. João da Neve se mostrou um imbecilóide incapaz de montar um esquema de batalha competente. Arya é porradora, não quer o trono. Sansa e sua sabedoria express tem que ficar em Winterfell, pois “sempre haverá um Stark em Winterfell” e Bran não conta nem como Stark, nem como nada nessa vida. Francamente, se me dessem esse abacaxi para descascar, eu colocaria o Ghost no trono.

Ainda que a mensagem dos roteirista seja “é impossível chegar ao poder e se manter o mesmo, o poder corrompe e enlouquece”, não precisavam fazer essa gincana bipolar, tirando os personagens principais da sua zona de coerência. Repito: reviravolta é uma coisa, torturar o roteiro para ele te dar o que você quer é outra. Na reviravolta, quando olhamos para trás, podemos ver uma série de indícios que apontavam para essa direção e que nós não percebemos. Quando o roteiro é torturado, são mudanças repentinas, sem contexto e sem coerência, que ninguém poderia prever.

Eu não queria estar na pele desses roteiristas. O final já está filmado e o público do seriado já está xingando de forma revoltada. Sabemos que provavelmente isso caminha para duas possibilidades: Danny ou Jão das Neves no trono. E nenhum dos dois é satisfatório.

Se for Danny, irreal ela ficar louca e desficar louca do nada, além de suscitar a pergunta sobre o motivo de terem trazido Jão de volta dos mortos, o que só se justificaria se ele sentasse no trono, pela estratégia de batalha é que não foi. Danny é final Fan Please lacrador. Se for o Jão, um incompetente que só montou estratégia furada de batalha e que não tem a menor vontade de sentar no trono vai ser o rei. Um pau mandado de uma maluca. Sem contar que os protestos de um “macho” no trono já começaram, a turma do lacre quer uma rainha. Tá fácil?

Posso pagar pela audácia de escrever antes do fim e ter que me desculpar em duas semanas, mas, pelo que vejo hoje, não importa a ginástica argumentativa que façam, o final será cagado. Os roteiristas se encarregaram disso jogando a coerência pela janela. Quando tudo é possível, quando não há critérios para nada, o público não tem o que depreender, o que descobrir, não tem peças para ligar e achar uma resposta. Um final apenas é tacado na parede e o público tem que aceitar de cabeça baixa. Frustrante.

O que nos prende em histórias é tentar antever, tentar depreender, aprender com os erros e acertos dos protagonistas. Quando não há critérios e todo mundo é capaz de tudo, não conseguimos participar da história, que se torna um amontoado de eventos imprevisíveis jogados na tela. Tanto faz o que aconteça, não gera aquela satisfação de uma peça que termina um quebra-cabeça perfeito, onde tudo se encaixa.

Sem dúvidas é mais fácil escrever um roteiro sem as amarras da coerência, onde todo mundo pode tudo a qualquer momento. Mas é broxante para o público, punindo quem seguia uma linha coerente de pensamento com um desfecho tirado da cartola sem qualquer compromisso com uma linha de narrativa que foi respeitada por anos. É como querer que um casamento monogâmico de oito anos vire suruba sem ninguém reclamar.

Seria mais seguro deixar para escrever este texto em duas semanas, mas, em duas semanas é provável que todo mundo escreva este texto. Preparem-se para um final decepcionante, não tem mais base para escrever algo legal.

Para dizer que Ghost de fato é a melhor opção para o trono, para dizer que ainda tem esperança de um final bacana ou ainda para dizer que se desagradar a turma do lacre tá valendo: sally@desfavor.com


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