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| Desfavor | | 36 comentários em Compartilhe?

O mundo pode mudar muito em 10 anos, e depois de tanto tempo, o desfavor também não é mais o mesmo. Por isso, vamos refazer uma pergunta feita há muito tempo em busca de uma visão atualizada sobre o tema. Os impopulares se revelam… ou não.

Tema de hoje: nos dias de hoje, é arriscado contar abertamente que lê o desfavor?

SOMIR

Sim. Por motivos diferentes, mas ainda é. Já mencionei aqui outras vezes que mesmo que Sally e eu tenhamos mantido uma linha de pensamento razoavelmente consistente com o passar dos anos, fomos movidos da esquerda para a direita por causa da radicalização da esquerda. O desfavor sempre se mostrava muito mais humanista que a média, inseridos numa linguagem mais ácida e por vezes descaradamente provocativa, mas humanista na natureza mesmo assim.

Durante boa parte de nossa história, éramos os “chatos dos direitos humanos” que não toleravam a roubalheira descarada do PT. Algo como o PSOL nasceu para fazer, mas que acabou corrompido demais pelo sistema para aplicar na prática. Aqui o sistema nunca influenciou o suficiente: pudemos manter essa linha mais ou menos intacta. A questão é que o mundo ao nosso redor começou a se tornar tão dividido ao ponto de qualquer nuance se perder numa guerra ideológica entre lacradores e neofascistas. O meio-termo virou latifúndio improdutivo, e mesmo nossa leve tendência à esquerda baseada em defesa de direitos humanos básicos é considerada quase que nazista pelos que se consideram de esquerda atualmente. Poucos conseguiram ficar na posição ideológica que ficamos por causa dessa pressão.

Quem não se bandeou para a patrulha do politicamente correto acabou sendo radicalizado no sentido oposto, compreensivamente enfurecidos pela insanidade que presenciavam dia após dia. Não sobrou muita gente no lugar onde escolhemos nos posicionar nesse espectro das ideias. E vou confessar: é um lugar perigoso atualmente. Qualquer passo errado e você enfurece uma parcela considerável da população. Tentar se manter próximo do centro tende a te manter fora da mira dos canhões dessa guerra, mas se por um acaso você for avistado, não tem multidão próxima para se esconder.

Ainda somos muito intelectualizados e preocupados com o bem-estar humano para agradar a base do Bolsonaro, mas já somos conservadores e frios demais para o exército da lacração. O que pode trazer pontos de vista fora do padrão para um leitor, mas também que não lhe garante proteção alguma num dos times caso ele seja julgado pelas opiniões que usamos aqui. Especialmente quando falamos da onda do politicamente correto: quando nos recusamos a corroborar com o discurso insano de diversidade forçada e censura da voz de dissidentes, somos jogados numa vala comum com gente maluca que realmente deseja a volta da ditadura militar ou mesmo do nazismo.

Um olhar desconfiado para a questão de permitir que transexuais utilizem banheiros femininos é sinônimo de querer exterminar os gays. Perceber um buraco na lógica de combater o racismo atacando pessoas brancas é basicamente querer a volta da escravidão. A forma como você se posiciona realmente, e até mesmo a forma como você age pouco ou nenhuma diferença fazem na hora de apontar o dedo e te acusar de genocida!

E aqui no desfavor, escolhemos alguns caminhos pouco usuais para mencionar temas polêmicos: para cada texto criticando racismo, temos um debochando de quem vê racismo em tudo. Para cada texto discutindo os problemas que as mulheres vivem, um ou dois tiram sarro de feministas que se sentem oprimidas por gordura não ser sinônimo de beleza. E como agora é tudo preto ou branco, dependendo de qual desses textos um incauto cair aqui, vai nos odiar por um motivo ou por outro. Tem gente nos chamando de feministas nojentas num texto e gente nos chamando de machistas opressores em outro. O desfavor vive de contexto: um texto só dificilmente conta a história toda.

Mas num mundo onde o segundo parágrafo já configura “textão”, contexto passa longe. Escrevemos para quem nos acompanha fielmente há vários anos. Nós vemos os dados: a nossa aquisição de novos leitores é lenta, mas a retenção é incrível. Sabemos que a imensa maioria não comenta, mas está aqui há vários anos, voltando todos os dias. Vocês sabem do estamos falando. Sabem que mesmo nos deboches mais cruéis, existe um longo histórico de opiniões consistentes que geram um equilíbrio. Quem não passa por esse processo dificilmente entende.

E esse é o motivo principal pelo qual eu defendo que você seja muito seletivo com quem apresenta ao desfavor: a pessoa tem que estar disposta a ler mais do que um dos nossos textos para começar a entender o processo. Mesmo em textos mais inocentes em colunas como Desfavor Explica vazam algumas opiniões ou piadas que não estão de acordo com o cenário de divisão atual. Eu e Sally pagamos o preço de manter nossa privacidade protegida e de não depender de patrões para ganhar nosso sustento, mas dificilmente é o caso da maioria das pessoas.

E no mercado de trabalho disputado dos dias atuais, qualquer desvio da norma é motivo para ser preterido. Se você compartilha alguma coisa daqui sem saber muito bem para quem está mostrando o desfavor, periga da pessoa ler algo que vai detestar, seja a gente debochando da burrice do Bolsonaro, ou da maluquice dos lacradores. E aí, quem brinca de roleta-russa é você. Não custa muito para alguém gritar bruxa e apontar para você. Ainda mais alguém com preguiça ou desinteresse de se aprofundar nos textos que escrevemos. E vamos concordar, essas pessoas são a maioria.

Você pode trabalhar para uma delas, pode ser parente de uma delas… e sinto informar, grandes chances de ser amigo ou namorar uma delas. Não vivemos sob a ilusão que todo mundo que vale a pena nesse mundo gostaria do desfavor. Sagrado direito de cada um de não ir com a cara dos nossos textos ou discordar das opiniões apresentadas. Tanto que nunca fomos atrás de ninguém que discordou ou reclamou da gente, só controlamos o que acontece na nossa casa aqui.

Resumindo: o momento atual não é o momento de apresentar para qualquer um o desfavor. Somos confusos sem contexto, e batemos em tantos pontos polêmicos que é quase certeza que alguém vai se emputecer achando que estamos de um dos dois lados dessa guerra ideológica tosca. E sim, você é julgado pelo o que compartilha. Na dúvida, não diga que lê o desfavor.

Para dizer que só compartilha os meus textos para que não entendam nada e fiquem com vergonha de reclamar com você, para dizer que só compartilha os da Sally porque metade das vezes te amam por isso, ou mesmo para dizer que só compartilha pornografia porque o resto é muito pessoal: somir@desfavor.com

SALLY

Diante da atual virada de pêndulo que estamos presenciando, ainda é arriscado contar abertamente que lê o Desfavor?

Nhé. Não acho. Não vejo problema algum, pior dos mundos a pessoa fica puta com a gente, não com você.

Sei que em tempos de humorista condenado criminalmente por opinião pode soar perigoso. Tem muito texto aqui que ultrapassa o que o STF entende como “limites do humor” e que a própria sociedade diria que “isso não é humor”. Ler o que “criminosos” escrevem pode pegar mal, mas… deixa eu te contar um segredo: ninguém vai atrás de dois fodidos. As pessoas vão atrás de quem dá mídia, de quem tem dinheiro, de quem dá visibilidade ao seu faniquito. Relaxa que o Desfavor não vai ficar famoso.

Além disso, a quantidade de conteúdo insana do Desfavor nos protege. Por mais pentelha que seja uma pessoa, ela não vai ler dez anos de postagens diárias, com quatro páginas cada, para pinçar coisas que possam ser usadas contra um eventual leitor do blog. Não por questão de tempo, porque por algum mistério da humanidade, filho da puta sempre tem tempo sobrando, não vai fazer por outro motivo: não consegue.

Me diz, hoje quem é que consegue ler em grandes quantidades conteúdo que não seja do seu interesse ou agrado? As pessoas estão mimadinhas intelectuais, só conseguem focar em futilidade ou em coisas que convirjam para seus pensamentos. Quero ver alguém botar goela abaixo tanto conteúdo que conflite com suas certezas… Se tem alguém querendo te atingir através do Desfavor, vai por mim, ela não consegue chegar no quinto texto.

Quando começamos, dez anos atrás, havia muitos pudores sobre falar certas coisas. Nosso objetivo era berrar o que ninguém tinha coragem de falar, pois achávamos que essas coisas precisavam ser ditas, ser trazidas à discussão. Os textos daquela época talvez pudessem trazer algum problema aos leitores, por endossar aquele tipo de conteúdo. Mas os tempos mudaram e eles estão soterrados por toneladas de conteúdo.

Em dez anos a coisa descacetou de um jeito que hoje não fazemos mais o papel dos que berram, essa parte ficou com a sociedade. Hoje somos os que pedem reflexão, calma e neutralidade. Sim, Desfavor, empurrado pela premissa básica de tentar trazer um novo ponto de vista, acabou ficando palatável. Posso ser muito sem noção, mas creio que hoje, ao menos no último ano, não desabona a honra de ninguém ler o blog.

Se o problema são os comentários, bem, com um botão nós podemos apagar todos os comentários que você já fez aqui na vida. Além disso, dificilmente vemos alguém assinando nome e sobrenome quando comenta, logo, a menos que você tenha um nome nível “Um Dois Três de Oliveira Quatro”, ninguém terá certeza se era de fato você comentando. E os comentários são bem difíceis de pinçar, a pessoa teria que ler todo o texto e todos os comentários de dez anos de conteúdo… acho quase impossível de se fazer.

Sei que isso não é muito comum hoje em dia, mas vale lembrar que é perfeitamente possível consumir um conteúdo do qual você discorda. O fato de ler o Desfavor não significa que você concorde com tudo que tem no Desfavor.

E temos algumas colunas que são rotas de fuga excelentes, pois não ofendem ninguém. Em caso de emergência use um: “leio só pelas postagens de primeiros socorros, que me parece algo importante de se aprender”. Pronto, seu nome continua limpo. Se a pessoa criticar com ênfase e ela tiver algum poder sobre você, critique junto, diga que sobre o resto do conteúdo você discorda.

Veja bem, não defendo aqui que você entre no transporte público, bata no peito estilo Theo Becker e grite “EU LEIO O DESFAVOR, PORRAAAA!”. Estou falando apenas sobre não esconder. Aquele temor que todos tínhamos em 2009 não tem mais fundamento.

A sociedade está tão escaralhada que hoje quase tudo em matéria de conteúdo é pior e mais vergonhoso que o Desfavor. Se, em uma conversa, surgir um assunto correlato, não vejo problema de comentar que leu tal coisa no Desfavor, se for pertinente. Acho mais vergonhoso citar certos jornais e revistas do que o Desfavor.

Também não precisa ter medo de falar e encher isso aqui de gente tosca. O volume de conteúdo produzido é suficiente, por si só, para filtrar os toscos, vide as aberrações que caem aqui todos os dias e que ilustram a coluna “Ei, Você”, que como entram, saem, dez segundos depois. Gente tosca não lê quatro páginas por dia, ainda mais com posicionamentos dos quais discorda.

Acho que no grau de caos social em que estamos, não cabe mais o medo de ser prejudicado por seu gosto, ainda mais pelo gosto por leitura, algo que caiu em desuso. As pessoas estão enfiando vegetais em seus briocos ao vivo em vídeo de redes sociais, estão mandando foto de soro na veia e lamuriando que estão hospitalizadas, estão fazendo a baldada todos os dias coisas absurdamente mais vergonhosas. Sim, nos tornamos inofensivos graças a uma sociedade que se tornou muito mais vexatória do que a gente.

Vai ter quem pense que a qualquer momento podemos surtar e escrever algo agressivo, polêmico ou polarizado que comprometa assumir ser leitor. Bem, nossa linha editorial, se é que pode ser usado esse termo, sempre foi trazer um novo ponto de vista sobre cada assunto, um que não esteja sendo falado por aí. Hoje, tudo que vemos por aí é agressividade, polêmica e polaridade, então, acho que você não corre o menor risco.

Ler Mein Kampf não te faz um nazista, ler a Bíblia não te faz cristão, ler o Desfavor não te faz o que quer que as pessoas pensem sobre nós. Não precisa sair berrando, mas também não precisa esconder.

Para dizer que precisa esconder enquanto o C.U. escolher pauta mensalmente, para dizer que mesmo que fale ninguém quer ler nada hoje em dia ou ainda para dizer que você mesmo tem vergonha de ler o Desfavor: sally@desfavor.com


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