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Calor faz mal.

Calor faz mal.

| Sally | | 63 comentários em Calor faz mal.

Já pode falar mal do calor? Pode, né? Sempre tem um degenerado sem caráter que fica feliz quando os termômetros passam dos 40°, mas eu confio e acredito que a maioria dos que estão aqui estão sofrendo de um profundo desgosto e indignidade com estas temperaturas desumanas. Desfavor Explica: calor faz mal.

Como todo ano a gente mete o cacete no calor, é sempre um desafio buscar uma nova vertente, para que o texto não fique repetitivo. Por isso, este ano vou me furtar da minha fúria e opinião pessoal e falar da escrotidão do calor à luz da ciência: não é achismo meu, o calor de fato gera uma série de desconfortos e efeitos nocivos ao corpo humano.

Como este é um texto para provar que calor é uma desgraça nociva ao corpo e à mente do humano, não vou focar em prevenção ou tratamento de nada, isso vem mais pra frente, em um dos textos da série de primeiros socorros. Portanto, se você está lendo isso esperando receber dicas de como sobreviver melhor ao calor, volto pro Google e procura novamente.

Calor não é alegria, alto astral e good vibes. Calor detona seu organismo, calor faz mal ao corpo e à mente. Calor não deveria ser comemorado e vivenciado da forma insana como o brasileiro vivencia. Não sou eu quem diz, é a ciência, o calor gera uma infinidade de problemas e muitos deles podem culminar na morte.

“Mas Sally, o frio também gera”. Sim, mas no frio você se agasalha e resolve, pois sua temperatura corporal fica aquecida e estável. No calor faz o que? Tira a roupa toda? Tira a pele? A menos que você tenha o privilégio de estar em um ambiente climatizado, o calor acaba te afetando muito mais do que o frio.

Nosso corpo tem um termostato, uma região do cérebro (papo técnico: hipotálamo) encarregada de controlar a nossa temperatura corporal e mantê-la entre 36 e 37°C. Dá um trabalho muito grande manter o corpo nesta temperatura e o trabalho aumenta em muito quando a temperatura externa é ainda maior do que a interna: resfriar é um desgaste maior do que aquecer. Você pode não perceber, mas em dias muito quentes seu corpo trabalha incessantemente para manter a temperatura aceitável.

Quando a coisa esquenta, o corpo tem que agir rápido: acima de 45° o calor mata as células e tira a funcionalidade dos seus órgãos. Então, não é algo que o organismo lide com tranquilidade, é uma situação de estresse para o corpo, literalmente, lutando para sobreviver. Sim, é possível morrer de calor, por sinal, é mais comum do que se imagina.

Acho que todos aqui são capazes de entender que a temperatura do ambiente afeta a temperatura do corpo: quanto mais quente o ambiente, mais o corpo esquenta também. Logo, quanto mais quente o dia, mais trabalho seu corpo vai ter tentando sobreviver.

Para manter as coisas sob controle, nosso corpo tem termoreceptores que controlam a temperatura em diversas partes do corpo. Quando, em algum lugar, a coisa esquenta mais do que deveria, é enviado um sinal para o hipotálamo, no cérebro, que reage imediatamente, funciona como um alarme de incêndio. O hipotálamo dá o comando para uma parte do corpo (papo técnico: sistema nervoso simpático) para que uma série de recursos tentem resfriar a nossa temperatura corporal.

É eficiente? Sim, surpreendentemente eficiente. Mas o corpo entra em estresse. É um problema que tem que ser solucionado para que ele consiga sobreviver. Para resfriar rapidamente, seu corpo tem que fazer uma verdadeira gincana. Como algo eventual, ok, mas viver nesse estresse constante pode ser muito desgastante e gerar até mesmo doenças.

Um dos mecanismos para resfriar a temperatura corporal é a vasodilatação, os vasos dilatam deixando a circulação sanguínea mais próxima à superfície da pele, o que torna mais fácil uma troca de calor, para resfriar o sangue. Por isso muitos de nós quando fazem atividade física ou estão com muito calor ficam vermelhos, é a circulação chegando perto da superfície para tentar reduzir a temperatura do sangue. É como um cachorro colocando a cabeça na janela do carro para tentar pegar um ventinho, só que líquido.

Porém, para reduzir a temperatura de forma eficiente e rápida, o principal mecanismo para resfriar a temperatura corporal é o suor: temos glândula sudoríparas espalhadas pela pele (cada um de nós tem aproximadamente três milhões delas) e quando elas recebem o comando de apagar o incêndio, produzem a transpiração, essa desgraça tão sentida no transporte público. A princípio, ela não tem cheiro, mas quando é decomposta por bactérias, gera um subproduto fedido, que é aquela desgraça que vocês conhecem bem.

As glândulas sudoríparas são, basicamente, pequenos “tubos” de 5mm que produzem o líquido que chamamos de “suor”, formado por água e sais minerais e o levam para fora do corpo através de buraquinhos na pele (papo técnico: poros). Mas, se a coisa ficar feia, em caráter emergencial, as glândulas sudoríparas retiram água dos tecidos à sua volta e o utilizam para o processo.

Ao “criar” ou “disponibilizar” este líquido por toda a pele, ocorre uma troca térmica automática: o corpo, que está quente, acaba cedendo calor para o líquido. É termodinâmica pura, não tem mistério. Se você colocar água em qualquer superfície quente, acontece essa troca de calor: um pouco daquele calor passa para a água.

Ao chegar à pele, o suor carrega com ele esse calor que absorveu do corpo, e acaba evaporando, dissipando este calor no ambiente. É por isso que quando pessoas transpiram em locais fechados os vidros ficam embaçados. Como este processo de transpiração acontece de forma contínua, até que o corpo resfrie, pode acarretar uma perda significativa de líquidos e sais minerais, que podem levar à desidratação e desequilíbrio eletrolítico do corpo.

Novamente, como recurso eventual, tá ótimo, mas ficar suando em bicas todo santo dia provoca um desgaste tenebroso para o corpo. Podemos transpirar mais de dois litros de líquido por dia e com ele minerais essenciais para o bom funcionamento do organismo. Portanto, suar o dia inteiro não é legal. Além do corpo ficar o tempo todo em estresse, tentando desesperadamente regular a temperatura, ainda ocorre uma perda anormal de líquidos e sais minerais, nem sempre devidamente reposta. E, mesmo que tudo seja reposto bonitinho, continua sendo um desgaste e um estresse.

Na melhor das hipóteses, isso vai provocar uma sensação de exaustão e cansaço. O corpo está trabalhando a todo vapor para tentar regular a sua temperatura, é natural que fique cansado com isso e sobre menos disposição para desempenhar outras tarefas que, aos olhos do organismo, são vistas como “eletivas” (te manter vivo é obrigatório). Assim, é muito natural que a pessoa não sinta a menor vontade de se exercitar ou de fazer qualquer esforço físico, por exemplo.

A pessoa também pode experimentar tontura, náuseas ou até um desmaio. Em casos mais graves a pessoa pode ter desidratação, espasmos musculares, câimbras e até mesmo alterações neurológicas. É possível morrer em decorrência desse desequilíbrio de eletrólitos, principalmente no caso de crianças e idosos.

Se a exposição a calor acontece a longo prazo, pode aumentar o risco de doenças cardiovasculares, pois a exposição prolongada ao calor acaba modificando a espessura do sangue, o que aumenta o risco de AVC. Além disso, a perda de líquido faz a pressão cair, isso força o coração, obrigando-o a bater mais rápido, o que reflete em diversos setores: desde o colesterol até pressão arterial e frequência cardíaca. Sim, as chances de enfartar no calor são maiores.

Outro setor afetado pelo calor é o sono. Como já vimos aqui, para que uma pessoa consiga dormir, é necessário que a temperatura corporal caia. Quando no entorno está uma temperatura infernal, este processo fica um pouco mais difícil. Em alguns casos extremos, dormir no calor faz tão mal ao corpo que a pessoa pode acordar com sintomas similares ao de uma ressaca pela perda de líquidos que teve durante a noite: inchaço, dor de cabeça, falta de concentração e falha na memória.

Pessoas que estão em ambientes quentes tem mais dificuldade para dormir e uma qualidade de sono pior, o que fatalmente tem consequências, que variam desde um aumento na irritabilidade até depressão. Sim, altas temperaturas de forma constante podem causar depressão.

E não é apenas pela falta de sono, existem substâncias que estão relacionadas com a depressão e com aqueles termorreguladores que falamos anteriormente: quando o organismo se vê obrigado a dar o alerta de problemas térmicos muitas vezes, há um processo bioquímico que pode desencadear depressão.

Além disso, o calor causa um desgraçamento tal no organismo que também suprime ou reduz a produção de substâncias que causam bem-estar, como a serotonina, por exemplo. Isso nos deixa menos dispostos, menos felizes e mais propensos à depressão.

É tão comum que ganhou nome: “Depressão de Verão”. Normalmente começa com perda de apetite, alterações no humor, ansiedade, insônia até a coisa evoluir para um quadro depressivo. Segundo especialistas, esta depressão sazonal tende a regredir sozinha quando o calor extremo passa, uma vez que é este calor do cão o que impede que o corpo mantenha um equilíbrio bioquímico. Mas é comum que retorne quando o fator externo retorna, ou seja, no verão seguinte ela provavelmente estará lá novamente.

E aqui, um desvio rápido do assunto. Está comprovado cientificamente algo que eu venho dizendo desde sempre: em um calor extremo, ventilados mais atrapalha do que ajuda. Lançar contra a pessoa rajadas de ar quente só atrapalha o mecanismo de regulação de temperatura do corpo, dificultando o processo e contribuindo para que a pessoa passe mal. Parem de ligar ventilador no verão como se isso fosse adiantar, só piora a situação!

Há relatos de pessoas que desenvolvem comportamento violento no calor. Não apenas a violência de ordem criminal (agressões, estupro e cia), mas também a violência verbal, no trato e uma queda drástica da educação e polidez, em função do estresse que o corpo passa para se regular termicamente. O mal estar constante nos deixa menos tolerantes e educados.

A danação não acaba. Estudos comprovaram que calor excessivo também pode causar coágulos no cérebro e danos em órgãos vitais, pois o hipotálamo desvia o sangue para a superfície (vasodilatação) para tentar reduzir sua temperatura e com isso pode deixar de abastecer partes do corpo (papo técnico: isquemia).

Dependendo do grau e do local que fique sem o suprimento correto de sangue, podemos ter as seguintes danações: morte cerebral, ataque cardíaco, severos problemas no intestino, falência de órgãos como fígado ou rins, problemas no pâncreas.

Eventualmente, se a exposição ao calor é prolongada, o corpo pode cansar e, por exaustão, não suporta e não consegue mais promover esse resfriamento constante, é o que muitas pessoas chamam de “golpe de calor”. O sistema de refrigeramento colapsa, fazendo com que a temperatura do corpo suba muito rápido. Neste caso, podem acontecer morte em massa das células de algum órgão (cérebro, coração, intestino, rim, fígado ou pulmão), fazendo com que simplesmente esse órgão morra e, muitas vezes, que a pessoa morra junto com ele.

Pode parece algo exagerado e distante, pois o brasileiro é tão castigado pelo calor que só sobreviveram aqueles que sabem se cuidar, mas calor mata – e não mata pouco não. Em 2003 morreram 70 mil pessoas na Europa por causa do calor. Em 2010, na Rússia, mais de 10 mil morreram. E olha que lá a temperatura não é tão quente como aqui. Não é brincadeira, é uma ameaça à vida humana.

Então, parem de celebrar algo que deixa seu corpo em constante esforço, colapsado, estressado. Não é saudável, não é bonito, é desgastante e pode até matar. Não sei que tipo de desvio de caráter tem quem gosta de suar o dia inteiro, sinceramente, esse tipo de pessoa é um erro evolutivo.

Para dizer que não há dignidade acima dos 20°, para dizer que achou pouco e quer que falemos mais mal do calor ou ainda para dizer que pessoas que gostam de calor deveriam ser esterilizadas: sally@desfavor.com


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