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Super poder.

Super poder.

| Desfavor | | 36 comentários em Super poder.

O corpo e a mente são limitados perto das nossas imaginações, mas hoje nos livramos disso. Sally e Somir adicionam uma característica extraordinária em suas vidas e disputam para ver quem se dá melhor. Os impopulares tem o poder da escolha.

Tema de hoje: se você pudesse ter um superpoder, qual escolheria?

SOMIR

Hoje a nerdice vai me ajudar. Quem já acompanhou muitas histórias sobre pessoas com superpoderes sabe muito bem que nenhum deles vem de graça, e que o resto das pessoas pode reagir muito mal a qualquer um deles. Sem contar que nerd adora discutir sobre isso… então, depois de muita deliberação ao longo da minha vida, escolho o poder de ler mentes.

A maioria dos poderes mais físicos como capacidade de voar, superforça ou supervelocidade causariam problemas terríveis na vida real. E como só estamos escolhendo só um deles, é bom lembrar das aulas de física antes de querer algum. Por exemplo: você pode ter a força de levantar um avião, mas aplicar essa força só na área da sua mão significa que você vai rasgar o metal e não levantar nada, e mesmo que tenha força para quebrar uma parede com um murro, seu pulso não tem e vai explodir no impacto. Ou, voar muito alto e desmaiar por falta de ar… coisas do tipo seriam muito comuns com a maioria absoluta dos poderes físicos.

Por isso voltamos para poderes menos devastadores para o corpo humano. Os mentais são bem mais seguros, e um dos mais válidos deles seria o poder de ler mentes. Lembrando que como é poder, é algo que você pode exercer a hora que bem entender, não significa entender tudo o que os outros estão pensando o tempo todo, até porque seria infernal viver com essa bagunça toda de informações entrando sem parar na sua cabeça. O poder de ler mentes liga e desliga.

Pessoalmente, eu gostaria de comprovar uma teoria que tenho há muito tempo: que as pessoas são muito previsíveis, não por serem necessariamente limitadas e simplórias, mas porque a mente humana não faz caminhos tão diferentes assim entre uma pessoa e outra. Somos basicamente a mesma merda, com os mesmos desejos e medos, o que mais muda é a forma como escolhemos colocar isso pra fora em palavras e ações.

Pode ser projeção porque eu sei que faço isso, mas eu acredito que a maioria das pessoas fazem escolhas conscientes e inconscientes de esconder e alterar as ideias e sentimentos que realmente estão lá para começo de conversa. Acredito que já alcancei um grau considerável de previsão do que o outro está realmente querendo expressar, mas com tanto ruído entre a intenção pura e o que é realmente expressado, não consigo aplicar nem uma fração disso na vida real. Prever o que está dentro depende de menos fatores, e fatores que também estão presentes na minha cabeça. Agora, prever como essa pessoa vai externar isso que torna as outras pessoas tão complicadas.

E é aí que ler mentes seria um poder incrível: eliminando todo esse ruído, você não precisa mais se preocupar com a forma única como cada ser humano aprendeu a se expressar, nem com todos os medos e inseguranças que escondem a verdade vinda da cabeça alheia. Você vai lá e capta a informação pura. Isso pode ser extremamente vantajoso em quase todas as situações da vida que dependem de interação, e vamos concordar que essas são a maioria.

Eu tentaria usar o poder de forma minimamente ética, minimamente porque tem uma invasão de privacidade aí inerente ao processo, mas desde que você se meta só nos assuntos que te dizem respeito, é basicamente um atalho para uma melhor compreensão. E negociar com alguém sabendo suas verdadeiras intenções nem me soa como manipulação, afinal, você está respeitando muito mais a verdade da outra pessoa que em qualquer outra situação habitual. Não se manipula alguém dando pra ela exatamente o que ela quer, ou mesmo sabendo que está negando algo de interesse genuíno. Não existe manipulação numa troca honesta, seja lá que parte acredite estar levando vantagem.

Tem o perigo de descobrir coisas horríveis que você não gostaria de saber? Tem sim. Mas, pelo menos eu estou me preparando a vida inteira para saber dessas coisas. A capacidade de presumir no nível que eu presumo já me dá o lado ruim de imaginar o pior vindo da outra pessoa, só me faltaria a confirmação. Acredito que no meu caso até aliviaria o incômodo, é melhor já saber de uma vez e seguir em frente. E é claro, as outras pessoas não pensam só coisas horríveis, na verdade eu já entendi que na maior parte das vezes, as pessoas te veem muito melhor do que você imagina ou mesmo não estão nem aí para o que você acha inaceitável. Acredito que na média ler mentes vai dar mais alegrias e incentivos na sua autoestima do que o inverso. O ser humano é uma merda quando erra a mão na hora de expressar seus desejos e medos, basicamente. O que está lá dentro dificilmente é tão ruim assim.

E vamos ser realistas: sua vida profissional e afetiva vão ter um bônus incrível com isso. Negociar é infinitamente mais eficiente quando todo mundo coloca todas as cartas na mesa (e negociar nada mais é do que duas pessoas tentando concordar em algo, pode ser pra fechar um negócio, para resolver um problema ou mesmo para fazer sexo). E normalmente as pessoas escondem o que querem por medo do outro estar fazendo o mesmo. Com esse poder, você é um problema a menos nessa história. Você sabe como o outro pensa e pode ser muito mais honesto em contrapartida.

Se você quisesse ser uma força de mudança nesse mundo, poderia ser. Ler mentes te dá tantas vantagens que é provável que você ganhe muito dinheiro e poder rapidamente, colocando em prática o que quiser. Se você for ético e tiver boas intenções, todo mundo ganha. E ninguém vai descobrir a não ser que você alardeie muito. Qualquer prova desse poder é muito subjetiva. Aliás, isso me leva à escolha da Sally: se você tem um poder que TODO MUNDO quer e ele é extremamente evidente, pode se preparar para sua vida acabar. Você vai acabar sequestrado ou confinado num local vinte e quatro horas por dia para dar conta da demanda de bilhões de pessoas precisando de você. Quem está desesperado vai te forçar a fazer qualquer coisa. E no final das contas, não vai poder nem ajudar quem quer, pelo simples fato do mundo todo tomar posse de você e te forçar a fazer o que eles querem. Sem contar que viver com esse tipo de pressão significa que você é responsável por milhares de tragédias a cada soneca. Ninguém ficaria são.

Eu prefiro um poder que se comporte bem diante das leis da física e que eu possa usar sem chamar muita atenção quando quiser. E sim, eu quero saber se aquela loira estava realmente dando bola pra mim aquele dia… eu sou humano, oras!

Para dizer que também é nerd e tem sua própria teoria sobre o melhor poder, para dizer que sabia que eu seria egoísta, ou mesmo para dizer que também é bom de prever a mente dos outros só que ao contrário: somir@desfavor.com

SALLY

Se você pudesse escolher ter um superpoder, qualquer coisa, qual seria?

Essa pergunta é interessante, pois, em outras palavras, se está perguntando “onde o calo aperta para você?”. Quem tem um grande arrependimento vai escolher poder voltar no tempo, quem tem alguma sequela física grave vai escolher um corpo indestrutível, e assim por diante. Dificilmente alguém pense no coletivo ou de forma altruísta. Se você pensou em algo altruísta antes de ler este parágrafo, parabéns, você é uma pessoa muito especial.

Eu escolheria o poder da cura. Apesar de ter um grande potencial de fazer uma propaganda altruísta disso aqui, meus motivos são egoísticos. O calo aperta para mim na hora de lidar com dor e sofrimento de pessoas queridas. Eu toparia ter o poder da cura mesmo com a restrição de que eu não pudesse curar a mim mesma, apenas aos outros. Isso me traria paz.

Tenho um histórico de quase morte em diversas ocasiões, que vão desde um tumor até uma septicemia. Bati na trave muitas vezes nessa vida e em nenhuma delas tive medo de morrer. Quando chegar a minha hora, vou de boa, convicta de que vivi minha vida como eu queria, que fiz o que tinha que fazer e que deixei um legado de dez anos de coisas escritas que podem e poderão ajudar pessoas que se deem ao trabalho de procurar por soluções e opiniões para o que as atormenta. Mas, quando se trata de pessoas que eu gosto, aí o bicho pega.

Tendo o poder da cura eu tiraria essa grande sombra da minha vida. Fatalmente as pessoas que a gente gosta vão morrer um dia, e talvez algumas morram antes da gente. A vida continua, um pouco mais difícil, mas continua. Porém, se eu pudesse me poupar disso, o faria. Tendo poder da cura eu me pouparia 1) do medo de perder pessoas queridas ou vê-la sofrendo com alguma doença e 2) da efetiva dor de passar por isso.

É arrogante? Com certeza. É querer ter controle do incontrolável. É achar que você sabe mais do que o universo sobre o que tem que acontecer. O universo encerra o ciclo de uma pessoa e vai você, serumaninho irrelevante e desfaz o que o universo fez. É brincar de Deus. É burro, arrogante e provavelmente levaria ao colapsamento da humanidade ficar impedindo centenas ou milhões de pessoas de morrer, mas, em tese, nesta brincadeira fantasiosa que propomos hoje, eu gostaria. Cada qual com a sua megalomania.

Apesar da minha escolha ser por motivos egoísticos (me poupar de um sofrimento que eu não gostaria de passar), ela também pode ter uma vertente altruísta. Me considero uma pessoa empática, não sou capaz de ver o sofrimento alheio e ficar indiferente ou não ajudar. Os leitores que me conhecem pessoalmente sabem disso. Então, ainda que a escolha seja pensando em causa própria, eu acabaria usando esse poder para todos aqueles que pudesse.

Vocês acham que uma pessoa como eu deixaria uma criança morrer de leucemia nos braços de uma mãe podendo fazer algo para impedir? É óbvio que se estivesse ao meu alcance impedir o sofrimento de outras famílias, eu o faria, o quanto fosse necessário. Como eu canso de repetir: se todos não estamos bem, ninguém está bem.

Então, sim, é pensando em mim, mas com o plus de poder ser usado para evitar o sofrimento de milhões de pessoas. Nunca mais crianças ficariam órfãs por perder pais para doenças, nunca mais pais teriam que enterrar seus filhos, nunca mais existiriam pessoa internadas em hospital por muito tempo. Nem que eu fizesse disso a minha vida. É o “Efeito Spiderman”: com grandes poderes, grandes responsabilidades.

Ler mentes não me parece um superpoder, me parece um supercastigo. Ninguém, eu disse NINGUÉM está preparado para saber 100% da verdade que habita a cabeça dos outros. Fora o fato de ser totalmente invasivo e trucidar com a privacidade dos outros, é nocivo, pois inviabiliza qualquer relação. Qual o ganho de ler mentes? Saber o que o outro está pensando? Porra, isso é possível sem superpoderes, e o que o outro pensa nem é tão importante assim. Curar o outro nem sempre é possível pelas vias convencionais, e sim, é importante, uma vida vale muito.

Então, eu gasto meu superpoder com algo que não pode ser feito de outra forma. Todos os dias muita gente morre por não existir nada, nenhum tratamento, recurso ou terapia, capaz de salvá-los. Pessoas cheias de vida, cheias de vontade de viver, que deixam outras que dependem delas. Todos os dias, muita gente fica debilitada, com sua mobilidade ou independência comprometidos por sequelas de problemas para os quais a medicina não oferece solução. Saber o que fulaninho da quitanda acha de mim x tirar uma pessoa de uma cadeira de rodas, pensem aí o que vocês acham mais bacana.

E, na real, acho que ninguém ia querer ter por perto alguém que lê mentes. Uma pessoa assim seria, para alguns, um perigo e para outros uma invasão. O pensamento é livre, e tem que ser livre para que uma pessoa leve uma vida livre, funcional e relaxada. Além disso, ler mentes não reverte “injustiças”, o poder da cura impede que uma criança de três anos morra de uma doença que ninguém descobre o que é, poupando os pais de enterrar um filho. Se alguém aqui já perdeu um filho, sabe a dor imensurável que é e certamente, se pudesse, evitaria que outros sintam essa dor.

Podemos colocar a coisa de forma mais direta, assim vocês podem ter uma perspectiva melhor: o que você prefere, saber o que os outros estão pensando ou poder salvar da morte ou de sequelas seus pais, irmãos, filhos ou maridos/esposas? Francamente, haja ego e vocação para fofoqueiro se você preferir ficar fuçando dentro da cabeça dos outros. Meu poder é efetivo: ele cura, ele liberta de dor, de muletas, de sofrimento. Saber o que o outro pensa apenas sacia uma curiosidade, nada garante que você vai conseguir impedir, neutralizar ou mudar aquilo.

Cada vez mais sou da ideia de que foda-se o que os outros pensam, o que é determinante para a minha vida é como eu penso, o que eu faço, onde eu coloco a minha mente. Se você está fortalecido, está com a mente serena, forte e em um bom lugar, o que os outros pensam fica irrelevante e nem sequer pode te atingir. Faça o seu, cuide de você e não se preocupe com os outros. O mundo está ficando a merda que está pelo excesso de preocupação com o que os outros pensam.

Talvez você consiga pensar em um terceiro poder, muito mais legal que estes dois, dependendo de onde o calo aperta para você. Se for o caso, compartilhe nos comentários. Mas, entre estes dois, ler mentes ou poder da cura, qual você acha que te traria mais paz e melhores frutos para sua vida?

Para dizer que queria ter o poder de cagar dinheiro, para dizer que queria ter o poder de comer sem engordar ou ainda para dizer que queria ter o poder de escolher um tema realmente relevante para esta coluna: sally@desfavor.com


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