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Síndrome de Stendhal

Síndrome de Stendhal

| Sally | | 22 comentários em Síndrome de Stendhal

Final de ano chegando, né gente bonita? Não, não vou falar de praia, verão ou boa forma. Quero bater um papo com você que vai viajar, principalmente se estiver indo à Europa. Leia este texto com atenção, tomara que você não precise, mas ele pode te ajudar ou ajudar alguém que esteja com você em uma viagem.

Pense na seguinte cena: uma pessoa entra em um museu. Repentinamente, começa a sentir taquicardia, tontura. Um angustia enorme toma conta e se transforma em uma crise de pânico, o estômago começa a doer. A coisa progride, se torna mais desconcertante, até que a pessoa começa a ter alucinações, assustando a aqueles que estão ao seu lado. Ela vê coisas, escuta coisas que não estão lá. Todos ficam em pânico. A pessoa fica tonta e desmaia. Parece um relato sem pé nem cabeça, mas acontece mais do que a gente imagina. Desfavor Explica: Síndrome de Stendhal.

Sim, algumas pessoas colapsam quando ficam diante de obras de arte grandiosas. Não é uso de drogas, não é loucura, é um mal real que acomete estas pessoas e deve ser levado a sério, apesar do inusitado da situação. Vamos ver o que diabos é isso e como ajudar uma pessoa que seja acometida por esta Síndrome.

O primeiro relato sobre a doença foi feito pelo escritor Marie-Henri Beyle (que usava o pseudônimo Stendhal), em 1817, no livro “Nápoles e Florença: uma jornada de Milão ao Reggio” Ele foi vítima desta síndrome quando visitou a Basílica de Santa Croce, ao ver os afrescos do pintor Giotto. Precisou sair rapidamente dali e demorou um tempo até se recuperar.

É como se fosse um overload de estética, um transbordar de beleza, uma fascinação tamanha que desequilibra o corpo todo, principalmente o emocional. A pessoa pode ter desde reações leves, como uma taquicardia e uma euforia leve que pode ser extravasada em inexplicáveis lágrimas (aconteceu comigo quando vi o teto da Capela Sistina, sentei e chorei copiosamente por 20 minutos) ou pode ter reações mais pesadas, como desmaios e alucinações.

Até bem pouco tempo, esse tipo de reação era tratada como um faniquito. A coisa só começou a ser levada a sério quando a psiquiatra italiana Graziella Magherini encontrou evidências de que o surto emocional que estas pessoas sofriam era uma patologia. Nas décadas de 80 e 90 Graziella era a responsável pelo serviço de saúde mental do Hospital de Santa Maria Nova, em Florença. Ela percebeu que pessoas afetadas por um distúrbio psíquico repentino apareciam de forma recorrente na emergência do hospital e resolveu tentar entender qual era o denominador em comum entre eles.

Curiosamente, todos começaram a ter o surto quando expostos a obras de arte famosas, geralmente pessoas que vinham de um país estrangeiro. Em todos os casos as pessoas saíram saudáveis de suas casas, sem ter qualquer problema psicológico relevante e, quando expostas às obras de arte, equilíbrio psicológico simplesmente desaparecia. Isso fez com que ela e uma equipe de médicos do hospital pesquisem o problema durante dez anos para investigar se de fato havia algo ali.

Examinaram pessoas que visitaram a cidade de Florença, na Itália, e que tiveram as mesmas reações que Stendhal ao observar obras de arte e concluíram: é real, é uma doença, acontece um numero de vezes suficiente para que se coloque um nome. Estava oficializada a Síndrome de Stendhal.

Como a maior parte das pessoas do mundo não tem acesso a obras de arte grandiosas, fica bem difícil falar em estatísticas, uma vez que a doença só se manifesta quando a pessoa entra em contato com elas. O que se sabe até agora é disse que as vítimas desta síndrome são, geralmente, homens e mulheres solteiros entre 26 e 40 anos.

Em um levantamento recente, chegou-se à conclusão que algumas obras de arte têm mais propensão a desencadear a Síndrome de Stendhal do que outras. As campeãs em dar o start são: Davi, de Michelangelo, Baco, de Caravaggio e os círculos do Duomo de Florença, na Itália.

Como a síndrome não é muito conhecida, as pessoas que sofrem seus efeitos pensam em tudo, menos em uma reação psicossomática à grandeza das obras de arte. Há quem ache que foi envenenado, quem pense que está enfartando ou até quem acredite estar tendo uma crise de loucura. Se isso acontecer com você, não se assuste, você não está ficando maluco, acontece com muita gente se levarmos em conta, proporcionalmente, a quantidade de público que visita museus com obras de arte grandiosas.

Não há um estopim emocional específico que desencadeie a síndrome. Graziella Magherini publicou um livro chamado de “Síndrome de Stendhal” onde ela relata alguns casos de pessoas com questões reprimidas que vieram à tona através da contemplação das obras de arte, coisas como abandono paterno, homossexualidade não assumida e outros. Porém, também há casos onde, do nada, sem nenhum motivo aparente, a pessoa surta de uma tal forma que precisa passar a viagem toda em seu quarto de hotel, pois a simples arquitetura renascentista desencadeia uma crise.

A neurociência tem palpite, mas não tem resposta conclusiva. Até pouco tempo, se pensava que a percepção do belo e do feio fosse feita por duas áreas separadas do cérebro, depois, descobriu-se que não, que tudo vem da mesma área, diretamente relacionada com a percepção visual, ativando apenas neurônios diferentes, conforme o estímulo é considerado bonito ou feio. Quanto mais bonito, maior a ativação. Quando é belíssimo, estonteante, essa ativação, esse estímulo, pode transbordar e comprometer os neurônios ao lado, responsáveis pelo feio.

Pois bem, há uma teoria que na Síndrome de Stendhal, algum pico emocional muito impactante causa um “curto circuito” entre esses neurônios, há esse “transbordamente” e aquilo é visto como feio e bonito ao mesmo tempo, o que desconcerta o cérebro, que entra em parafuso sem saber decodificar o que está acontecendo, causando a sensação de pavor e a necessidade de se afastar da obra. Em nome da nossa sobrevivência, nosso cérebro sempre nos manda correr e nos faz sentir mal-estar quando estamos perto de algo que ele não consegue decodificar se é ou não uma ameaça. Se o cérebro não entende, grandes chances que você sinta medo.

É estranho, mas não costuma ser grave. A primeira providência é sair do lugar que desencadeou a crise (ou retirar a pessoa que está tendo a crise do lugar) e leva-la para um ambiente mais neutro, mais universal, como por exemplo o quarto de hotel. No geral, isso basta para que a pessoa se recupere rapidamente, em média, em três dias ela já voltou ao normal. Se for possível, cercar a pessoa de coisas familiares (comidas, programas de tv ou qualquer coisa que lhe remeta seu país ou sua casa) costuma acelerar o processo de recuperação.

Apenas em alguns poucos casos é necessário um empurrão com um medicamento, para conseguir despachar a pessoa de volta para o seu país ou para sua casa. São pessoas que já teriam uma porta meio aberta, uma propensão para um surto psicótico e esse acaba sendo o estopim, com consequências mais graves. Se as alucinações ou sensações de perseguição persistirem mesmo afastando a pessoa das obras de arte, é recomendado que se procure um psiquiatra rapidamente.

A grande dúvida daqueles que são acometidos pela Síndrome de Stendhal é: após passar pelo hospital, descobrir que é Síndrome de Stendhal e não outro mal físico, o que fazer? Voltar para casa e abrir mão da viagem ou arriscar e continuar vendo outras obras de arte? Não há estatísticas sobre a “reincidência”, mas sim, ela pode acontecer, inclusive vendo outras obras de arte que não a que desencadeou a primeira crise. A maior parte das pessoas opta por voltar para sua casa, pois está muito assustada com o evento. Basicamente é um risco que a pessoa decide se quer correr.

É comum que com a Síndrome de Stendhal venham junto sintomas de outra síndrome que anda de mãos dadas com ela: a Síndrome de Davi. A Síndrome de Davi aflora um desejo de vandalismo incontrolável, de atentar contra a obra de arte, de perda dos próprios limites.

A pessoa impulsivamente, sem pensar ou conseguir se controlar, tenta danificar a obra. Acontece muito com o Davi, de Michelangelo, uma estátua perfeita e imponente, que gera uma fascinação extrema, podendo descambar para o descontrole. Então, da próxima vez que sair notícia em jornal que alguém deu uma marretada em uma obra de arte, não julgue rapidamente, pode ser sido uma insanidade temporária.

Inclusive, aconteceu recentemente. Em 1991, o Davi foi danificado por um cidadão chamado Pietro Cannata, que, em um rompante, deu umas marteladas no pé da estátua. Por sinal, ataques a obras de arte não são incomuns, tem até ranking: atualmente, a obra de arte que mais ataques sofreu foi o quadro “Ronda noturna” de Rembrandt, exposto no Rijksmuseum de Amsterdã. Este quadro realmente perturba as pessoas, já sofreu riscos, 13 facadas e foi atacado até com ácido sulfúrico. Talvez seja o jogo de iluminação que tem, procurem no Google e me digam se os perturba de alguma forma.

Então, ciente de que a Síndrome de Stendhal existe, se começar a sentir os primeiros sintomas (um estranhamento, taquicardia, euforia, uma sensação estranha em relação à obra de arte, um medo de perder o controle), peça ajuda e se afaste dela. Vá para um lugar arejado, de preferência a céu aberto, respire fundo e se acalme. Caso tenha uma crise pior, procure um hospital para uma avaliação. Descanse uns dias no quarto do hotel e pense se vale a pena continuar.

Na volta para casa, vale uma conversa com um psicólogo, pois é possível que sentimentos reprimidos, conflitos interiores ou questões mal resolvidas estejam vindo à tona e possam atrapalhar a sua vida se não forem elucidadas. E, em hipótese alguma se ache maluco, acontece, muito mais do que a gente imagina.

Para dizer que isso explica muitas das restaurações toscas que andam fazendo em quadros importantes, para dizer que é um nome chique para loucura ou ainda para dizer que finalmente encontrou um lado bom em ser pobre e não ir à Europa: sally@desfavor.com


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