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Embate eleitoral.

Embate eleitoral.

| Desfavor | | 38 comentários em Embate eleitoral.

Nesta semana, mais uma rodada de entrevistas com os candidatos à presidência, e mais uma clara vantagem para Bolsonaro pelos motivos errados. A entrevista no Jornal Nacional não cria fatos novos, mas escancara os problemas do processo. Desfavor da semana.


Transcrição completa da entrevista aqui.

SALLY

Por mais triste que seja, uma das maiores e mais populares referências de jornalismo brasileiro é o Jornal Nacional, da Globo. Eu sei, eu sei, também acho um lixo, por motivos diferentes da militância no geral, mas, ainda assim eles ganham prêmios internacionais e são referência no país e no mundo.

Você sabe que um país está na merda quando suas principais referências se comportam de forma incorreta e patética. Foi isso que vimos a semana toda, nas entrevistas que fizeram com alguns candidatos à presidência. William Bonner e Renata Vasconcellos foram grosseiros, rudes, não permitiram que os entrevistados finalizem suas respostas e, acima de tudo, foram burros, muito burros.

Ser incisivo não é sinônimo de ser mal-educado, grosso, rude. Qualquer pessoa minimamente consciente sabe disso. É perfeitamente possível ser incisivo sendo também educado, amável e firme sem promover o festival de estupidez, patadas e deselegância que esses dois protagonizaram esta semana.

Em situações e realidades polarizadas como a que vivemos atualmente, as pessoas tendem a ver, em qualquer cenário, como mecanismo automático de pensamento, dois opostos: um bonzinho e um malvado, um que ataca e outro que se defende, uma pessoa cruel e uma vítima. Então, basta que UM se posicione de uma forma que possa ser rotulada pelo público para que o outro caia imediatamente no papel oposto.

Isso seria ruim com qualquer político, pois ao trata-los de forma rude eles ficam no papel de atacados, o que avaliza tanto papel de vítima como qualquer tipo de resposta igualmente rude ou de gosto duvidoso, que imediatamente se tornará um “lacrou”.

Não se faz isso que eles fizeram com ninguém, pois, além de ser feio, desnecessário e mal-educado, é contraproducente no contexto atual. Quando se tem um candidato especialmente preocupante, que está em primeiro lugar em muitas pesquisas e cuja especialidade é reverter acusações e ofensas, a forma eficaz de desconstruí-lo é levando a entrevista para a parte técnica, dissecando seu programa de governo, expondo sua fragilidade.

Mas, Bonner e Renata fizeram a exata mesma merda que todos os jornalistas fizeram até hoje: foram para o embate onde Bolsonaro é forte. Ataque, agressão, acusação, patrulha. Para patrulhar alguém, você deve ser impecável, sem uma falha, sem uma ponta solta, pois hoje os patrulhados estão putaços e patrulham de volta. E ninguém tem mais telhado de vidro que a Globo. Que erro primário.

O resultado era bem previsível… levaram um baile ao vivo, por 20 minutos, fazendo a internet (que hoje, quem define eleições) explodir em comentários e Memes. Tudo que Bolsonaro precisava era ser colocado no papel de atacado, para fazer o que ele sabe de melhor: tripudiar de volta, aclamado pelo povo.

Bolsonaro é muito bom em se defender de patrulha e encontrou o tom certo de humor e deboche para fazer o público rir. Virou um verdadeiro Showman, que sempre entrega o que promete: é a oportunidade de todos os que foram patrulhados de ver um patrulhado ter voz e patrulhar de volta os patrulhadores. Bolsonaro, por pior que seja nos mais diversos aspectos, lava a alma do povo. Todo mundo já foi patrulhado por um politicamente correto, por uma minoria, por um pau no cu de qualquer espécie.

Bonner e Renata, muito patéticos, parecem ter sido claramente instruídos e coreografados para falar baixo e emular linguagem corporal de pessoas calmas e centradas. O problema é que ficou visível que era artificial. Não adianta ser sereno no tom de voz e um animal com as palavras. Graças a essa imbecilidade, Bonner levou um baita fora envolvendo seu casamento (e uma suposta traição, questão que é um ponto sensível a ser escondido do público) e Renata levou uma calça arriada quando estava pressionando para saber sobre medidas que seriam adotadas para equiparação salarial entre homens e mulheres ao ver Bolsonaro afirmar, todo pimpão e meio que rindo da cara dela, que ela não ganhava a mesma coisa que o Bonner.

A entrevista foi um massacre. Nunca vi na minha vida alguém desafiar a Rede Globo de uma forma tão aberta e engraçada. Perguntavam sobre direito trabalhista, Bolsonaro citava o esquema de “Pjotinha” que a Globo promove (contratando todos os seus funcionários como Pessoa Jurídica, para não pagar direitos trabalhistas). Ele estava tão confortável, que chegou a anunciar que estava vendendo um apartamento. Na Globo. Em horário nobre. Fica muito difícil torcer contra uma pessoa assim.

Nem os que se diziam mais combativos à Rede Globo fizeram algo desse porte. Brizolla parece um gatinho manso perto do show que o Bonsonaro deu. Falou dos seus projetos? Da sua gestão? Nada. Porra nenhuma. Mas divertiu o povo e repetiu alguns bordões sobre bandido bom ser bandido morto, algo que uma população massacrada pela violência está muito propícia a ouvir.

Desde 2017 que estamos repetindo que Bolsonaro vai ganhar, salvo algo muito grotesco ou imprevisível. Pois bem, eu acho que nessa entrevista ele converteu quem estava indeciso. Intelectualóide lacrador pode achar que ele foi muito mal, porque vive em uma bolha onde essa postura de fato é medíocre, mas para o povão… Para o povão Bolsonaro teve culhões, ele é verdadeiro, fala o que pensa e vai sim se empenhar em acabar com a bandidagem. Pronto, ele consolidou a imagem que tanto queria.

Trump, all over again. Tudo que está acontecendo era extremamente previsível e evitável, mas deixaram o cara chegar. A cereja no sundae é a decisão de ontem, que tira Lula da corrida eleitoral (spoiler: não ganharia mesmo se concorresse). Agora Lula só vai para a urna se morrer e for cremado. É melhor JAIR se acostumando, como diz a militância do Bolsonaro.

Supondo que nada bizarro aconteça, tipo o Bolsonaro morrer ou enfiar um microfone no cu no meio de uma entrevista, está muito claro que ele não se elegeu, ele foi eleito pela oposição, uma turma lacradora arrogante, que se acham os donos da razão e, apesar dos avisos, não perceberam que o pêndulo virou e continuam fazendo o que dava certo dez anos atrás, sem se dar conta que hoje isso dá errado, muito errado.

E, pelo visto, até a maior empresa de jornalismo do país (e uma das maiores do mundo) não conseguiu acompanhar o ritmo das mudanças. Parabéns, Rede Globo, vocês acabam de eleger Jair Bolsonaro Presidente da República.

Para dizer que topa tudo para ver os patrulhadores sendo patrulhados, para dizer que não viu essa entrevista, mas agora vai ver ou ainda para dizer que pra fins de Desfavor, Bolsonaro vai ser um ótimo Presidente pois sempre vai ter material para piada: sally@desfavor.com

SOMIR

Ao invés de ficar irritado com a situação, resolvi analisar o que acontece de forma mais fria. Existe uma lição sobre o funcionamento do Brasil e até mesmo do comportamento humano em momentos como a entrevista do Bolsonaro no Jornal Nacional. Mesmo com todas as mudanças nos hábitos de consumo de mídia da população nos últimos anos, uma coisa continua válida: o JN tem a maior audiência do país. Não é mais como era algumas décadas atrás, mas ainda conta como o principal palanque para divulgar uma informação.

Conhecendo isso, a Globo aprendeu a adaptar a linguagem do JN para alcançar o máximo de pessoas possíveis, mantendo um tom minimamente compreensível para o brasileiro médio. Uma prova disso é a curta duração das entrevistas com os presidenciáveis: no limite do foco de atenção da maioria das pessoas e sem se aprofundar em basicamente nada. Mas, apesar de todas as concessões para a baixíssima instrução média da população (os Homer Simpsons que o Bonner mesmo chamou…), os âncoras do programa ainda querem fazer alguma pose de jornalismo sério. Pose que desaba diante de alguém como o Bolsonaro.

De uma certa forma, um dos maiores atrativos do ex-militar é justamente chacoalhar as convenções sobre como um candidato deve se portar publicamente até desestabilizar o processo eleitoral como um todo. Muito provavelmente o brasileiro médio não tem o conhecimento necessário para ver como aconteceu exatamente a mesma coisa com o Trump dois anos atrás, então soa como uma novidade para a maioria das pessoas.

Existe um método na suposta loucura de Bolsonaro. Talvez ele não seja inteligente o suficiente para estar fazendo isso de propósito (duvido que o Trump estava), mas de qualquer forma, está alcançando o mesmo resultado. O segredo para causar tamanha comoção ao redor da sua entrevista no JN ao ponto de fazer as pessoas pararem nas ruas para ver como se fosse jogo de Copa do Mundo (aconteceu aqui em SP) é justamente a forma simplista como ele trata dos assuntos de interesse coletivo.

As asneiras ditas por ele – facilmente perceptíveis para pessoas com mais estudo e conhecimento de como as coisas realmente funcionam – são talvez a única forma de conexão entre o cidadão médio e a política em geral. Bolsonaro fala de poucas coisas, de forma muito simplificada. Ele se repete, não especifica como pretende resolver os problemas que aponta, e principalmente, age de forma extremamente combativa em qualquer situação acima de sua alçada intelectual. Oras, exatamente como a maioria das pessoas.

Quando os ditos intelectuais da mídia e da política atacam Bolsonaro, ele bate de volta. A diferença é que o povão não tem a menor ideia do que as pessoas mais estudadas e articuladas falaram, mas entendem claramente as respostas do candidato do PSL. E quando Bolsonaro consegue irritar quem o questiona, a coisa se reduz a uma discussão rasa, completamente dentro do escopo de compreensão desses cidadãos que formam a maioria do eleitorado. De uma certa forma, Bolsonaro é a Tecla SAP da política que as pessoas estavam esperando por muito tempo.

A tradução está errada? Está. Mas pelo menos é algo minimamente compreensível. Em outro paralelo com o processo eleitoral americano, é como se pela primeira vez em muito tempo as pessoas acreditassem que estão participando da política de verdade. Tem algo que elas entendem ali e conseguem se posicionar, nem que seja “tem que matar bandido”. Até mesmo quando Bolsonaro se exime de ter uma opinião, ele reflete o brasileiro médio, como no caso da Economia: “não sei, mas tenho um salvador da pátria para resolver pra gente”.

Bolsonaro é uma forma ainda mais aperfeiçoada de Lula no processo eleitoral. Lula fazia alguma pose diante da mídia e de intelectuais, mas nos seus discursos para o povão, adotava essa postura política “minimalista” e só prometia que ia conseguir comida para os pobres. Tudo isso criando um inimigo naqueles que discordavam dele. Para Lula eram os empresários de olhos azuis, para Bolsonaro são os “chatos dos direitos humanos”. Sem um adversário claro, o brasileiro médio morre de tédio antes de se posicionar.

Continuo apostando numa vitória do Bolsonaro, e continuo perplexo como ninguém parece ter um antídoto para lidar com o veneno da polarização e da glorificação da burrice. A entrevista do JN ajudou a escancarar como bater em alguém como o Bolsonaro não gera efeitos, na verdade só o fortalece. Entrar no jogo dele é jogar em desvantagem. Para cada pancada dos jornalistas da Globo, ele tinha uma acusação de volta. Se você pensar a fundo sobre qualquer uma das discussões que Bolsonaro entrou desde o começo da campanha, ele foi esmagado em quase todas. Mas pareceu sair vitorioso do mesmo jeito.

Quem não entende o tema pra começo de conversa só consegue julgar pelas reações emocionais, e nesse caso, Bolsonaro estava completamente confortável na pancadaria, tirando sarro e parecendo esperto (para quem não entende bulhufas sobre os assuntos que ele fala); enquanto seus detratores estavam todos irritados com as asneiras que ele dizia. Se você não sabe nada sobre o que se discute ali, sai com a impressão que Bolsonaro ganhou de lavada.

O desfavor é que a burrocracia ficou explícita: não é o que se diz, é como se diz. Quem decide eleição não sabe nem o que está fazendo ao votar. Trocamos um Lula por outro.

Para dizer que somos culpados de dar atenção para ele do mesmo jeito, para dizer que já está de saco cheio das eleições, ou mesmo para dizer que quem vai se foder mesmo é quem acha bacana votar no Bolsonaro para começo de conversa: somir@desfavor.com


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