Skip to main content
Don’t be evil.

Don’t be evil.

| Somir | | 14 comentários em Don’t be evil.

No começo da operação do Google, uma frase servia como mantra para as operações da empresa: “don’t be evil”. Uma espécie de norte ético guiando as atitudes da então promissora criadora do motor de pesquisa mais famoso da internet. “Don’t be evil” pode ser traduzido para o português como “não seja do mal”, contextualizando melhor a frase. Você vai perceber que faz tempo que leu ou ouviu essa frase vinda deles, se é que ficou sabendo disso até hoje. O que aconteceu para essa frase desaparecer?

A expressão surge nos primeiros anos de vida do Google, onde a marca mais famosa e poderosa do setor de tecnologia ainda era a Microsoft. Conhecida pelas suas táticas predatórias, principalmente contra seus concorrentes menos poderosos, a empresa de Bill Gates era quase que uma unanimidade quando se pensava em “ser do mal”. Como a maior de todas e a desenvolvedora do Windows, o poder deles não tinha rival a altura na maioria da década passada. Hoje em dia, as coisas são diferentes, Google e Apple cresceram imensamente e embora ainda gigantesca, a Microsoft passa longe dos holofotes.

E também hoje em dia, o Google está mais preocupado com treinamento de diversidade e compliance do que não ser do mal. A Microsoft era vilanizada pelas táticas agressivas de negócios, comprando ou destruindo adversários com o poder que seu dinheiro e dominância no cenário tecnológico proporcionavam. Hoje, Google e Facebook são os maiores herdeiros dessa mentalidade. O mercado de tecnologia é cheio de oportunidades, mas até um certo ponto: quando você fica grande o suficiente para ameaçar um dos gigantes, pode ter certeza que eles ficam “malvados”. O que gera essa mudança? Será que é inevitável tornar-se aquilo que se odiava com o crescimento da sua empresa?

Minha teoria é que existe um limite de quanto valor alguém pode acumular antes de começar a tirar esse valor diretamente de outras pessoas. Não estou falando só de dinheiro, mas de valor em geral: poder, influência, reconhecimento, confiança… tudo aquilo que costumamos querer nas nossas vidas, e por consequência, nos nossos negócios. Dinheiro é a medida mais clara nesse sistema, mas sozinho não é raiz de nenhum problema. Quando o Google começou a crescer vertiginosamente por causa do seu produto revolucionário, é como se estivessem extraindo energia solar: algo que já estava lá e só precisava ser tornado efetivo. Ninguém sabia que dava para ter um sistema de pesquisas tão bom, e logo depois, ninguém sabia que dava para tirar um modelo de negócios lucrativo para isso.

E assim como a energia solar, a energia criativa que alimentou o crescimento do Google é renovável, mas menos eficiente que outras formas mais… malignas. Não podemos criticar a gigante das pesquisas por falta de tentativas de encontrar mais dessa energia criativa para continuar crescendo, mas ideias tão bem executadas e populares são raras na história da humanidade. Henry Ford criou a produção em série de carros e tornou sua empresa gigante, mas para se manter no topo, teve que fazer acordos e mais acordos para a venda de veículos militares durante a Segunda Guerra Mundial, e para os dois lados.

É como se a partir de um momento, a capacidade de tirar valor “do nada” terminasse, e a empresa precisasse começar a consumir os recursos que já existem no mercado. Um corpo tão grande precisa tirar muita energia do ambiente: num paralelo biológico um carnívoro gigante feito o leão precisa consumir a energia de outros animais que se alimentavam de plantas, que por sua vez estocaram energia do Sol. O leão não tem tempo ou capacidade de captar a energia original, precisa pegá-la de outras formas de vida que estocaram isso por muitos e muitos anos só para aguentar mais um dia.

E não muda muito quando falamos de grandes empresas, são os carnívoros da cadeia alimentar corporativa. Precisam consumir tantos recursos de uma só vez para continuarem viáveis que vão ter que engolir empresas menores e/ou arrancar o máximo possível de seus consumidores no processo. “Don’t be evil” é conversa de empresa herbívora, na melhor das hipóteses. Quando são bilhões de dólares em jogo, eles precisam vir de fontes muito mais poluentes, nem que sejam as nuvens de fumaça saindo das orelhas de consumidores que se sentem enfurecidos por preços mais altos ou atendimento abaixo do desejado.

Mas com certeza deve ter um jeito melhor do que viver o suficiente para virar o vilão, não? Tenho minhas dúvidas. O ex-presidente e fundador da Microsoft, Bill Gates, hoje torra seus bilhões e gasta seu tempo numa fundação de caridade global. Não é como se essa pessoa tenha surgido da noite para o dia, quem pega e vira a vida toda nessa direção assim sempre deve ter tido o sonho ou o desejo de “não ser do mal”, mas enquanto estava juntando o dinheiro necessário para essa mudança de rumo, estava preso a essa mentalidade e a esse modo de funcionar.

Precisou sair do comando da empresa para poder se dedicar ao novo rumo. Não tinha como ser do bem dentro da Microsoft, por mais que tentasse. A máquina estava completamente voltada para a sua própria manutenção. Talvez seja isso mesmo: existe um limite de tamanho onde cabe ter uma motivação paralela no negócio, e quando ele passa, é como se o único esforço válido fosse manter a empresa depois dessa linha, viva. Fico imaginando se existe alguma forma de ser um gigante no mercado e seguir uma linha simples como “don’t be evil”.

Estamos vendo Elon Musk perdendo as graças que teve durante sua ascensão meteórica ao status de inovador-rock-star (porque rico já era) tem a ver com seus negócios entrando nessa fase, finalmente. Se suas empresas estão diante do desafio de parar de usar energia de inovação e começando a precisar mais e mais queimar o carvão da exploração de pessoas e outras empresas para ter o suficiente para aguentar o dia. E tudo isso ao mesmo tempo que o resto das pessoas já começa a enxergar as rachaduras na máscara (óbvio que a pessoa tinha seus problemas pessoais, impossível não ter) e vendo brechas para atacar alguém mais bem-sucedido. Pode ser a hora de assumir que na melhor das possibilidades pode ser “compliant” ao invés de “good”. Ou que não dá para equilibrar as coisas, e deixar seus filhos que nasceram para o bem da humanidade tornarem-se negócios agressivos e muitas vezes malignos para continuarem viáveis.

Não sei quanto a vocês, mas a minha impressão é que você só pode ser bom se desistir antes de ter poder real, ou se aceitar no seu coração que vai fazer algumas coisas no mínimo suspeitas para voltar a ser bom algum tempo depois.

Para dizer que eu fui malvado não concluindo, para dizer que não sabe metade dos termos usados, ou mesmo para dizer que alguma dessas empresas ou pessoas te trataram mal: somir@desfavor.com


Comments (14)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.

Relatório de erros de ortografia

O texto a seguir será enviado para nossos editores: