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Custo canino.

Custo canino.

| Desfavor | | 27 comentários em Custo canino.

Ter um animal de estimação certamente exige algum trabalho, mas mesmo assim, cachorros são um dos mais populares na história da humanidade. Sally e Somir discutem o custo/benefício dessa relação. Os impopulares jogam um osso.

Tema de hoje: O trabalho que um cachorro dá compensa as alegrias que ele proporciona?

SOMIR

Sim. E eu nem sou do tipo que acha que cachorro é uma coisa tão maravilhosa assim. Com certeza é um bicho bacana na maioria dos casos, a relação que a espécie formou com os humanos não existe à toa, então, foi uma combinação muito boa entre duas espécies. Tem coisas que simplesmente funcionam, e essa é uma delas.

E funciona por um motivo simples: não exige muito trabalho de nenhuma das partes. O ser humano não precisa fingir ser cachorro e nem o cachorro precisa fingir ser humano, há um equilíbrio bem natural entre as espécies nessa relação. Cada um no seu galho. E é por isso que eu digo que um cão dá o trabalho suficiente para ser recompensador. Não é o fim do mundo manter um, e não é absolutamente essencial para a felicidade do ser humano.

Tem gente que maltrata cachorro por aí? Claro que tem. Mas não é necessariamente por não tratar o bicho com o cuidado excessivo que pessoas como a Sally julgam mínimo, e sim por errar a dose de quanto um animal irracional realmente precisa. Se negligenciar o bicho, ele vai infernizar sua vida; se mimar demais, igualmente. Cachorros abandonados num quintal e cachorros de madame são fodidos da cabeça do mesmo jeito, só mudando o tipo de neurose.

Cuidar de forma mínima de um cachorro já significa um grau de mordomia incrível para o bicho em comparação com o que seus instintos o prepararam para viver. Na natureza, ninguém está cuidando de um cachorro, mesmo quando formam matilhas, esse senso de justiça social humano simplesmente não existe entre eles. Sem seres humanos para subverter, a lei do mais forte prevalece. E se cachorros não estivessem preparados para lidar com uma vida onde tem que se virar sozinhos para basicamente tudo, a espécie jamais teria sido viável.

O que eu estou dizendo aqui é que comida, água, território e um pouco de atenção já fazem da vida de um cachorro infinitamente melhor do que nasceram para fazer. Tanto que eles sobrevivem sem grandes problemas até mesmo nas mãos de pessoas meio desnaturadas. Essa coisa de ficar preocupado se o bicho está nervoso, ansioso ou infeliz tem muito mais a ver com o ser humano humanizando outros animais do que qualquer outra coisa. Não há complexidade intelectual no animal para tanto.

Não é realista esperar manter qualquer ser vivo desse mundo protegido de problemas e incômodos, faz parte do processo de estar vivo. Um cachorro não vai estar 100% feliz 100% do tempo, e tudo bem com isso. Ninguém está. Eventualmente você vai errar e deixar o bicho com problemas pontuais, mas quem está imune a isso neste planeta? Na natureza, o cachorro teria esses problemas também, e ainda estaria penando para garantir sua subsistência por cima de tudo isso.

Se pudéssemos dar uma voz racional para os cachorros do mundo e fizéssemos uma votação entre eles sobre ficar com os humanos ou voltar para a natureza, alguém realmente acha que eles abririam mão da gente? Mesmo os que não estão com todas as vacinas em dia ou que passeiam menos do que o desejável ainda sim bateriam a pata na vantagem imensa que é ter alguém cuidando das necessidades básicas deles.

Com isso em mente, um cachorro não exige tanto assim para devolver a alegria que sua companhia providencia. Eles nos defendem e são fiéis porque é extremamente vantajoso para a espécie. Até mesmo os cachorros que a Sally vai jurar que são negligenciados morderiam ela se tivessem que defender a mordomia de ter um humano para não voltar para a natureza. Podemos cuidar melhor em média dos cães? Claro que podemos. Difícil achar alguma coisa que os humanos não poderiam fazer melhor. Mas é o que tem para hoje.

E para hoje, podem ter certeza que para os cachorros compensa muito. Então, quando o bicho demonstra afeto e quer ficar com você para o que der e vier, pode aproveitar essa sensação boa sem culpa alguma, a felicidade de estar juntos é recíproca. Como já dissemos várias vezes aqui, cães não compensam contato humano e nunca vão entregar o mesmo pacote que uma amizade humana ou mesmo um filho, mas se você souber modular suas expectativas, o animal entrega perfeitamente o que se espera dele, por instinto.

Até porque no final das contas, cachorros fornecem justamente uma espécie de relação afetiva e cooperativa limitada, algo que nosso instinto também valoriza. São um bônus que encontramos nesse planeta, não substituem humanos, mas podem tornar nossa vida um pouco mais valiosa. Um bônus, por assim dizer.

Se você não tornar sua vida infeliz e negligenciar contato humano por causa de um cachorro, entregando para ele o absolutamente necessário para o bicho, não vejo como essa relação pode ser desequilibrada. Ficamos bons em ter os elementos básicos para sobrevivência disponíveis com alguma sobra, então cabe colocar esse animal na conta sim. Isso também não quer dizer que todo mundo deveria ter um cachorro ou mesmo achar bacana ter um, só quer dizer que para o trabalho real que o animal exige, a coisa se equilibra muito bem para quem gosta dele.

É só um cachorro. Você que escolhe o quanto ele vale para você e dá o tanto de atenção que achar válido. Uma das regras gerais da vida é que você recebe de acordo com o que investe. É só saber o quanto investir. Uma pessoa média é capaz de cuidar de um cachorro o suficiente para a espécie cachorro continuar existindo e ser viável nesse mundo. Se não fosse assim, eles não estariam mais entre nós.

Para me chamar de insensível com animais, para dizer que leva seu bicho no psicólogo, ou mesmo para dizer que cachorros te amam (não são capazes, é muito complexo para eles, você vai precisar de um humano para isso): somir@desfavor.com

SALLY

O trabalho que um cachorro dá compensa as alegrias que ele proporciona?

Não. Hoje eu já entro derrotada, a “pessoa horrível” que “está falando mal de cachorro”! Joguem pedras!

Breve introdução. Antes de fazer faculdade de direito, flertei com veterinária, chegando até a estagiar por bastante tempo em uma clínica veterinária, onde aprendi muito. Já tive mais de um cachorro. Fiz cursos de adestramento canino. Li muito sobre o assunto. Portanto, eu sei do que estou falando. E sim, eu amo cachorros. São criaturas mágicas, capazes de um amor incondicional admirável.

Mas cachorro dá muito trabalho. E não se trata aqui de um perfeccionismo meu, de querer o Ultimate Dog Supreme Ultra Supimpa. Não estou pensando em mim, no que eu gostaria, estou pensando em prover condições mínimas para o bem estar DO CACHORRO. A partir do momento em que eu tiro um bicho da sua mãe e assumo o compromisso de cuidar dele, eu tenho o dever ético de prover um ambiente saudável para o animal.

Sei que a maioria pensa que dando comida, água, carinho e brincadeira estão provendo as necessidades básicas de um cão. Pois eu lhes digo com autoridade de quem entende do assunto: não estão. Cães tem necessidades diferentes de seres humanos, agindo assim você cria um cão neurótico, ansioso e, acredite, extremamente infeliz, que sofre horrores.

O grande problema é que cães são bichos bobo-alegres, então, o ser humano idiota não consegue perceber seu sofrimento. O cão tá lá, abanando o rabo, correndo sem parar e latindo, o dono acha que ele é um cão feliz. Se o cão não estiver escutando Evidências, abraçado a uma garrafa de cachaça e soltando lágrimas pelos olhos, a porra do ser humano não consegue decifrar o sofrimento do animal. Pois bem, eu consigo. E me mata por dentro ver. Eu chego a chorar quando vejo cães infelizes.

Vou simplificar em uma fórmula clara: para que seu cão seja minimamente saudável você precisa da seguinte equação, colocada em prática nesta ordem: 50% do seu tempo com ele tem que ser de passeio, 25% de adestramento e só os 25% depois disso de brincadeira. “Ah, mas Sally, se for assim, ninguém vai ter cachorro”. É o mesmo que me respondem quando eu chamo a atenção para o fato de que pais tem que criar seus filhos e não jogá-los em uma creche. Não tem tempo/disponibilidade? Não tenha. Ter e deixar o bicho sofrendo é muito egoísmo.

Hoje, pela minha rotina de vida e pela rotina de vida que as pessoas comuns levam, eu entendo que a relação custo/benefício de um cachorro não compensa para mim. Não por não gostar de cães, eu amo cachorro, quem me conhece sabe o quanto eu amo cachorro. Mas porque eu teria que dispor de todo meu tempo livre (e ainda abrir mão de algumas horas de academia e de sono) para suprir necessidades básicas do cão. Ou então, pior ainda, eu teria que viver com um cão infeliz. Definitivamente, não compensa.

Meus queridos, eu não quero nem filho, suposta realização máxima da vida de uma mulher, por não querer dedicar o tempo e dinheiro que precisa, imagina se eu vou sacrificar meu tempo livre por um cachorro. Não, obrigada. Provavelmente a maior parte das pessoas que está lendo este texto vai escolher negar o que eu estou dizendo e achar que com um pouco de carinho, ração, água e uma volta na pracinha seu cão é máster blaster feliz. Beleza, leva a vida assim. Eu não consigo, eu sei demais para não ver o sofrimento de um animal. Eu não tenho a possibilidade de fechar os olhos para isso.

“Ah mas é cão pequeno”. Foda-se, tem que passear mesmo assim, dependendo da raça, até mais do que cachorro grande, pois tem mais energia. “Ah, mas eu moro em casa”. Foda-se, tem que passear mesmo assim. “Ah, mas eu tenho dois, um brinca com o outro”. Olha, eu posso ficar mandando “foda-se” para vocês até amanhã. Cão que não faz pelo menos dois passeios de uma hora por dia, que não entende e acata de primeira comandos dados em voz baixa, que não está sereno e calmo em casa, que não tem a clara noção de quem é o alfa da casa, é um cão extremamente angustiado e infeliz.

Sim, é isso mesmo, todo o amor que você deu ao doguinho não supre as necessidades caninas dele. Aliás, foi mal aê, mas tanto amor é mais necessidade sua do que dele. Ele precisa se exercitar, entender a sua dominância e entender que ele não é humano. O cão faz o que o humano lhe permite, não o que ele quer. O cão frequenta os locais que o humano permite, não onde lhe dá na telha. O cão não pula neuroticamente no humano. Não chora a menos que esteja com dor. Não later a menos que seja um claro sinal de perigo. O cão equilibrado está sereno, caminha de forma relaxada, respira sem estar ofegante, tem a mente calma.

Eu me sentiria muito egoísta filha da puta em ter um cão para satisfazer as minhas carências e deixa-lo em um estado de ansiedade e estresse em contrapartida, pois a bonitona aqui não quer abrir mão de horas de sono ou da academia para levar o amigão para se exercitar. Tomanocu, né? E, veja bem, não estou te julgando. Entendo se você agiu mal com seu cão até hoje por desconhecimento, o Deus dos Cães te perdoa, afinal, você não sabia. Mas agora sabe. Trate de prover tudo que seu cão precisa.

Um plus: minha escolha de vida é a liberdade. Se eu quiser/puder viajar amanhã, eu viajo. Se eu quiser/puder sair do Brasil amanhã, eu saio. Se eu quiser/puder não dormir em casa amanhã, não durmo. Não gosto de amarras, na verdade, nunca gostei. Querendo você ou não, um cão é uma amarra. E quanto mais velho ele fica, mais trabalho dá, mais caro custa e mais limitações tem. Quem tem um cão idoso em casa sabe do que eu estou falando. Então, se eu não estou disposta a tolher minha mobilidade, minhas horas de sono e meu lazer com um filho, muito menos com um cão.

E sim, cães custam caro, mesmo o básico. Não sei pra vocês, mas pra mim não está sobrando dinheiro. Faz parte de todo o trabalho que dá ter um cão levar ao veterinário e cuidar da saúde, ainda que de forma preventiva, com vacinas, etc. Por um acaso, isso calhou de ficar muito caro nos últimos dez anos, quando os humanos decidiram que iriam humanizar de vez os cães. Tudo é caro. Já me aconteceu de fazer um mesmo procedimento em mim e no meu cão, na mesma semana, e pagar mais caro pelo do cão. Não compensa. Prefiro viajar todo mês com esse dinheiro.

Como se tudo isso fosse pouco, minha realidade é em apartamento. Eu acho cachorro em apartamento uma das coisas mais nojentas do mundo. Se você acha normal fezes e urina no chão do banheiro ou da cozinha (ainda que no jornal), olha, te respeito, mas não me convide para ir na sua casa. Cachorro no sofá, cachorro na cama, cachorro correndo e latindo em ambiente pequeno… olha, não dá pra mim não. Nem pra mim nem pra ele, cachorro em apartamento sofre horrores, vocês não tem ideia. Sei que dói ouvir isso, mas por mais que você transborde seu cachorro com amor, não basta para livrá-lo do sofrimento.

Então, não me entendam mal, cães são lindos, fofos, amorosos e tudo de bom que se possa imaginar. Muito amor pelos doguinhos, e, justamente por amá-los tanto, por respeitá-los tanto, é que eu não consigo ligar o foda-se egoísta e criar um cachorro à moda caralha, sabendo que ele está desequilibrado, ansioso e sofrendo. Na minha configuração de vida, eu teria que abrir mão de todo meu tempo livre para passear duas horas por dia, treinar uma hora por dia e brincar uma hora por dia. Se você consegue fazer diferente, ciente de que está fazendo mal a seu cachorro, parabéns para você. Eu não consigo. Ver e saber que estou sujeitando meu cachorro a uma condição ruim para ele me faria mal demais. Prefiro não ter.

Para desmerecer o que eu disse como exagero de modo a não ter que lidar com as péssimas condições que você proporciona ao seu cachorro, para dizer que quem gosta de cachorro é adolescente, adulto gosta mesmo de viajar ou ainda para me pedir que eu conscientize sua namorada acerca do desfavor que é cachorro no sofá: sally@desfavor.com


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