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Pagando bulliyng.

Pagando bulliyng.

| Desfavor | | 12 comentários em Pagando bulliyng.

O governo do Estado de São Paulo foi condenado a pagar uma indenização de R$ 8 mil para uma aluna que sofreu bullying dentro de uma escola estadual de Santos. Segundo o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), a menina, que apresenta leve deficiência mental, sofria agressões físicas e psicológicas dos colegas de classe. LINK


Além de não resolver o problema, ainda cria vários outros… desfavor da semana.

SALLY

O texto de hoje é daqueles que, segundo denominação do Somir, eu escrevo “de coração”. Não que eu seja uma pessoa falsa e minta para vocês nos outros dias, é o eufemismo que ele usa para os dias em que a escrita sai fluida, sem qualquer tipo de filtro. Sincericídio, aqui vamos nós!

O Governo de São Paulo foi condenado a pagar uma indenização a uma aluna que sofreu bullying dentro de uma escola estadual. Vamos começar por esta versão simplificada, deixando o melhor para o final, ok?

Bullying na infância todo mundo sofreu, repetidas e sucessivas vezes. Quando a coisa entra na esfera da agressão física, o nome não é mais bullying, é lesão corporal ou tentativa de homicídio. A escola tem por responsabilidade assegurar a integridade física dos alunos. Se a menina fosse espancada enquanto a professora lixava a unha, seria mais do que pertinente uma indenização. Mas, parece que não foi isso que aconteceu.

Vamos ver a quais tipos de monstruosidade esta menina foi exposta? Abro aspas, pois a matéria é bem clara: “Os alunos da classe fizeram um abaixo assinado para pedir que ela fosse transferida para outra turma. Em depoimento, o professor da turma confirmou que tinha conhecimento dos fatos e que sua única atitude foi recolher a lista.”

Observem que não querer a presença de alguém em algum lugar e manifestar isso de forma organizada, por escrito, é bullying. Não há mais o direito a rejeição. Sequer procuraram saber os motivos pelos quais a presença da menina não era bem aceita na sala de aula. Os mesmos que prezam pela falida democracia também determinam que quando pessoas se reúnem e pleiteiam algo que entendem ser para o bem do grupo é bullying.

Sabe quem é que tem, em ultima instancia, que zelar pelo bem estar psicológico de uma criança? Os pais. Se há uma rejeição massiva dos alunos a uma criança, é preciso entender o que está acontecendo. Sobre quem deve recair com mais peso o ônus de estar atento a este problema: os pais da criança, que convivem com ela diariamente, ou uma escola, que tem que administrar centenas delas?

Muito fácil delegar para uma escola a responsabilidade de perceber o emocional de cada criança e de impedir por completo qualquer conflito, rejeição ou injustiça. Se nem no mercado de trabalho, regido por adultos, isso é alcançado, quem dirá em um lugar onde um amontoado de pequenos cérebros e corpos hiperativos tem que conviver muitas horas por dia. Escola estabelece regras mínimas de convivência, mas educação mesmo, é obrigação dos pais.

Se uma criança é rejeitada massivamente por uma turma, eu entendo que algo ali não está funcionando. Não necessariamente por culpa da turma ou da criança rejeitada, algo apenas não está funcionando. Não se pode forçar a aceitação, empatia ou simpatia. Se não está funcionando, os pais da criança devem observar e preservá-la, preferencialmente mudando de escola, para um ambiente onde ela tenha mais afinidade.

Mas não, parece que a moda da vez é “vocês TEM QUE gostar do meu filho, nem que seja por medo, se não eu os processo”. Um abaixo assinado pedindo que a criança seja transferida para outra turma não é bater com uma barra de ferro nem deixar a aula pelada no pátio exposta ao ridículo, é um pedido claro de uma turma que não se acha compatível com aquela aluna.

Acontece, vocês sabiam? Vai acontecer na vida adulta. Pessoas não serão compatíveis com outras pessoas e outros ambientes. Serão transferidas, serão demitidas, se divorciarão. A rejeição faz parte da vida e a forma digna de se lidar com ela é não dando importância a quem te rejeita: se essa turma não me quer, também não os quero e vou procurar outra com a qual eu tenha mais afinidade e me aceite. Sem drama, sem histeria, sem indenização. As pessoas tem o sagrado direito de desgostar de você, ou do seu filho.

Agora a cereja no sundae: a menina tinha problemas mentais. Deixei para o final de propósito, para ver se quem vinha concordando comigo até aqui mudaria de ideia. Não se pode dizer em voz alta que pessoas com problemas mentais podem atrapalhar/atrasar a vida de pessoas comuns, não é mesmo? Não se pode nem dizer que tem problemas mentais, melhor falar que tem “necessidades especiais”, afinal, amanhã o processado pode ser você.

Deficientes tem deficiências, ou seja, um decréscimo, uma menor capacidade em alguma área. São inferiores? Não, não é o caminhar, o ver, o falar que torna uma pessoa superior ou inferior à outra. Mas, em determinado aspecto, ela rende menos que os outros, menos que a média. Isso não deve ser negado, deve ser admitido e levado em conta, para o próprio bem da pessoa. É por isso que colocamos rampas nos estabelecimentos comerciais, é por isso que existem livros em braile.

Esta menina tem uma deficiência cognitiva, que afeta não apenas o aprendizado, mas principalmente a socialização. Por mais que ela tenha plena capacidade de apreender conteúdo como as outras crianças, é óbvio que algo falhou na socialização. E a culpa é da escola?

É como se tirássemos as rampas, colocássemos uma escadaria e falássemos para paraplégicos: “sobre isso aí, queridão, você merece o mesmo tratamento que todos nós, somos todos iguais”. Claramente a socialização falhou e me parece um tanto quanto ridículo reagir a isso querendo obrigar uma escola a, por sua vez, obrigar os alunos a conviverem, gostarem e quererem esta menina.

Respeito? Sim, todos devem ter. Mas fazer um abaixo-assinado dizendo que uma aluna atrapalha o rendimento da turma passa muito longe de faltar com o respeito. É uma manifestação legítima e, por sinal, muito da educada. Todos nós temos o sagrado direito de desgostar de alguém, de não querer alguém por perto ou de avaliar que alguém nos atrapalha, ainda que este alguém seja deficiente.

Se qualquer coisa que fere o sentimentos do outro virar bullying, vamos continuar fabricando essa geração Fluoxetina, geração Rivotril, geração antissocial que só se relaciona no virtual por não ter a menor carapaça emocional. Uma geração patética que corre para os tribunais ao menor sinal de contrariedade. O que hoje se entende como “proteção” de uma criança é, na verdade, um grande desfavor que a impede de se preparar para uma vida adulta.

Se estão sacaneando, desprezando, ridicularizando seu filho, não tente obrigar este grupo a gostar dele. É indigno. Isso ensina seu filho a buscar constantemente por aprovação no mundo exterior. Ninguém é obrigado a gostar do seu filho, lamento informar. Ele tem que saber seu próprio valor, independente do olhar externo. Mas é difícil pais que regulam sua autoestima por like em rede social entender esse tipo de coisa, muito menos transmiti-la a um filho.

Não é a escola toda que tem que mudar e fingir que gosta dele, é ele que tem que mudar para outro ambiente com o qual se identifique mais. Vai por mim, é melhor para todo mundo se seu filho entender desde cedo que o mundo inteiro não muda só para que ele não se frustre. Vai economizar em antidepressivo.

Se cada escola tiver que pagar indenização a cada criança que não for bem quista pelos colegas, vai ficar bem abarrotado o Judiciário, viu?

Para dizer que fica mais fácil concordar quando o Somir expõe as coisas com mais tato e diplomacia, para dizer que com o filho dos outros você concorda mas se for com o seu não, ou ainda para dizer que está decretada aberta a temporada de caça à indenização no Judiciário: sally@desfavor.com

SOMIR

Vivemos falando sobre isso, não necessariamente sobre bullying ou histerias punitivas, mas sobre essa dissonância entre o que as pessoas acham que o mundo deve ser e o que o mundo realmente é. Nada contra querer viver numa sociedade mais justa e segura para minorias e/ou fragilizados, muito da evolução humana passa por isso; mas alcançar esses objetivos nobres depende muito mais da prática do que do desejo.

E na prática, por mais que seja triste uma criança sofrer com a rejeição dos colegas, isso é basicamente uma inevitabilidade. Em qualquer grupo humano suficientemente grande, alguém vai ser preterido. Ainda mais se já tiver algo que a atrapalhe nessa complicada navegação que é a socialização humana. Infelizmente, aconteceu com a menina da notícia. Não estamos fazendo pouco de bullying, é uma situação muito difícil e pode sim fazer estragos horríveis na vida de uma pessoa, mas resolver essa situação passa por muito mais que indenizar uma família…

Eu já escrevi isso antes, vou repetir: tolerância é um subproduto do conforto. No aperto, o ser humano tende a ficar num estado de alerta que elimina quase que totalmente a capacidade de pensar em coisas nobres como aceitar o diferente ou mesmo disfarçar a natureza escrota que quase todos nós realmente temos. Como quase qualquer bicho, rejeitamos os que parecem fracos e pouco “lucrativos” para a espécie. Até porque é uma chance de parecermos mais fortes em comparação. Horrível, mas pra lá de natural.

Conseguimos chegar num ponto de conforto na espécie humana onde dá para se preocupar um pouco mais em acolher as pessoas que seriam expulsas da sociedade em outros tempos, mas esse conforto não é igualmente dividido. Especialmente em países como o Brasil, onde a maioria das pessoas costumam viver no aperto, sobrevivendo com alguma dificuldade ao dia a dia. Essa gente que sofre com pobreza, violência e abandono do Estado tem filhos, muitos filhos. E não é conhecida por passar valores lá muito nobres para essas crianças. Vide… Brasil.

Colocar crianças com necessidades especiais no meio de outras numa escola pública é basicamente jogar uma galinha numa toca de raposa. Primeiro que o Estado paga muito mal e por tabela seleciona muito mal seus professores e profissionais de educação em geral, segundo que as crianças ao redor provavelmente não vieram de famílias com “conforto” suficiente para ensiná-las a serem tolerantes, ou mesmo falsas para fazer pose.

Aqui eu vou falar algo que pode chatear muita gente, mas é verdade: crianças que vem de famílias com muitos problemas (a maioria decorrente de pobreza e falta de oportunidades) ficam menos inteligentes e mais brutalizadas. Ficam mais selvagens mesmo. Quando os monstrinhos estão se encarando entre eles, existe um certo equilíbrio de forças, até pelos exemplos de casa e da rua, essas crianças sabem se impor pela agressividade quando necessário.

Agora, coloca uma criança vinda de uma família um pouco mais bem estruturada (a maioria decorrente de estabilidade financeira) no meio dessas crianças, e ela simplesmente não entende o que diabos está acontecendo. Essas crianças que vão pra escolas particulares com filosofias hippies de amor e compreensão desde a mais tenra infância são comidas vivas pela pancadaria que é a vida fora da sua bolha de proteção. Muitos casos de bullying em escolas públicas vem disso, de uma família que não tem condição (ou bom senso) de levar seus filhos para uma escola particular, mas tem o suficiente para reduzir esse senso de imposição por agressividade que vai ser muito comum nas outras com as quais ela vai conviver.

E isso acontece com crianças que não tem nenhuma deficiência. Imagina o que acontece ao soltar uma criança com deficiência, mesmo que leve, no meio desse ambiente tão agressivo? Tem um certo limite mínimo de mentalidade média das crianças numa escola que permite a inclusão de uma criança com deficiência, e ele raramente é alcançado por uma escola pública. Não estou dizendo que toda criança de escola pública é um bicho raivoso, longe disso, mas a porcentagem das que são, embora pequena, é maior, suficientemente maior para tornar quase impossível a inclusão de uma criança muito vulnerável nesse meio.

O Estado deveria ter um plano para isso? Claro. É a porra da obrigação. Mas esse plano não passa por criar condições para crianças com necessidade especiais em qualquer lugar que estiverem. Dá trabalho, é difícil mesmo, precisa de muita gente bem treinada e bem remunerada para fazer algo do tipo. O realista seria criar uma escola para essas crianças que precisam de atenção especial e mantê-las protegidas das outras. Conseguem fazer isso em cadeia, tem como fazer na escola. O Estado deveria ter sido forçado a construir esse ambiente, não dar indenização para a família da criança que sofreu bullying. Isso não resolve nada, até porque esse dinheiro é muito pouco para mudar a vida da família e colocar a criança numa escola melhor. No máximo paga quatro meses de uma escola decente o suficiente para cuidar dela.

Então, a mensagem fica toda quebrada: o Estado assume que falhou de alguma forma, mas sem nenhum plano para resolver a situação. Fica parecendo que o bullying é o problema real, quando na verdade é mero reflexo da sociedade em que vivemos e a burrice sem fim de achar que ir reclamar para o judiciário muda alguma coisa no longo prazo. Ou se aceita que esse país não tem condição de proteger crianças de verdade a não ser que as isole da selvageria que é o brasileiro médio, ou começa a mudar as coisas da base, formando menos crianças raivosas e sem ferramentas para lidar com frustração a não ser atacar os outros.

Para dizer que eu escrevi coisa ainda pior que a Sally mas fiz de forma bem mais discreta, para dizer que bullying é vida, ou mesmo para dizer que poderiam ter escancarado que a menina era petista: somir@desfavor.com


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