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Contrapé.

Contrapé.

| Desfavor | | 21 comentários em Contrapé.

Nós reclamamos da Copa no sábado e já vamos continuar o tema na segunda. Mas por um ângulo diferente: já tivemos momentos felizes aqui dentro secando o escrete canarinho, mas fora do desfavor, Sally e Somir discordam sobre o grau de honestidade desejável. Os impopulares fazem mais barulho.

Tema de hoje: declarar publicamente a torcida contra a seleção brasileira?

SOMIR

Sim. Serviço de utilidade pública. E o impacto social que eu quero aqui nada tem a ver com fazer o povo brasileiro perceber as mazelas governamentais e comportamentais que nos assolam, e sim só deixar no ar uma possibilidade que muitos julgam impossível: ser do contra com dignidade. Claro que isso vai depender muito da sua habilidade de lidar com as reações que se seguem, mas o tema de hoje é mais pessoal do que o habitual.

O segredo aqui é não inflamar a situação. Dizer casualmente e não morder nenhuma das iscas que o brasileiro médio adora jogar nessas horas. Sim, como muitos outros povos do mundo, o brasileiro está viciado em polêmicas e divisões, pedindo mais e mais doses em qualquer oportunidade. E via de regra, quando um não quer, dois não brigam. Sabendo disso, é só desescalar a situação no primeiro sinal da macaquice argumentativa.

Talvez te chamem de comunista, petralha, reaça ou coxinha. Talvez alguém tente empinar o nariz mais alto que o seu e te chamar de metido a intelectual. Pode ser até que você seja chamado de babaca ou seja mandado ir para outro país… o repertório de quem se importa com sua opinião sobre a seleção brasileira tende a não ir muito mais longe que isso, mas seja como for, o que vier é só lidar com serenidade e um mínimo de articulação. Isso quebra o drama e faz com que as pessoas se concentrem no importante: que você é só uma pessoa comum que prefere que a seleção perca.

Desde que você não vista a carapuça maniqueísta que tanto diverte o povão nos dias de hoje, vão perder o interesse. Você não derrama sangue na água e eles vão ter que voltar para as redes sociais para dar chiliques. O maior problema de declarar sua anti-torcida aqui é que todo mundo está esperando um discurso mala por trás da sua decisão. Até porque está todo mundo meio puto com o Brasil no momento. Foi a grande vitória do governo Temer: deixar todo mundo canarinho pistola ao mesmo tempo. O país realmente precisava disso. Pode dar merda na próxima eleição, mas sempre tem um preço.

Sugiro o seguinte: não discurse. Só diga que não acredita que vá fazer bem para o país vencer a Copa. Eu sei que muitos tem motivos bem mais mesquinhos, como eu mesmo: não quero passar a vergonha de ver aquela gente me representando correndo com camisas de 100% Gezuiz e rezando no campo. Nojo disso, pelo menos quando eles perdem a camisa de baixo fica escondida. E realmente acho que um surto de ufanismo elege o Bolsonaro no primeiro turno… mas você não precisa explicar o seu motivo com tantos detalhes. Seja educado e só coloque a informação no mundo.

Acho chato ir incomodar os outros com uma opinião que não pediram, mas se você for perguntado(a), não custa tentar a tática do contra com dignidade. Quem quer saber mais que pergunte, e você se afunda o quanto quiser se isso acontecer. Você pode achar que é bizarro dar tanta importância para semianalfabetos num país que nunca ganhou um Nobel, você pode achar os jogadores todos meio babacas, pode achar mais graça em ver o Neymar chorando… ou pode mesmo ter seu discurso político mala na ponta da língua. Seja o que for, basta dizer na medida que achar razoável para quem estiver ouvindo.

A ideia em só entregar a informação básica sem subir num palanque é muito mais poderosa: esse povo esquece que pode ficar puto com o país e ir na contramão do que está estabelecido. Quando você morde a isca e se coloca num dos lados da discussão vazia da vez, as outras pessoas te enxergam só como aquilo. Que só torce contra porque na verdade torce para outro time, só que político. Mas quando você transforma o tema todo numa opinião pessoal, está transmitindo o vírus do pensamento crítico.

Lembrando as pessoas que elas podem ter opiniões compartimentadas e não serem essas caricaturas ideológicas agrupadas em mocinhos e bandidos. Subversão é uma arte: não se faz isso dizendo para as pessoas serem do contra, e sim mostrando que ser do contra existe e é viável. Se você se portar de forma razoável ao demonstrar seu desgosto com o país através da seleção, não vai entrar no tiroteio ideológico, só vai mostrar que sua opinião existe.

Se discordarem de você, basta sorrir e dizer que a pessoa tem todo o direito! Brasileiro fica perdidinho com conversa civilizada, bagunça com a agressividade dele e demora muito até ele se reencontrar. E como muitos sofreram com pouca educação (e/ou proteína na primeira infância), se você se demonstrar uma discussão um pouco mais difícil por motivos de educação e articulação, é bem capaz de mudarem de assunto por pura vergonha. Se você der conta, vale até perguntar para a pessoa porque ela tem a opinião que tem. Não importa a resposta, sorria de forma condescendente e diga “entendo”. Pronto, a tendência é que tudo acabe nesse lugar mesmo.

É só não cutucar mais o assunto. Lembrando que a maioria das pessoas não tem o superpoder de ofender com qualquer coisa que nem a Sally, e acredito que a maioria de nós não viva dentro de uma cultura de pancadaria eterna que nem o Rio… a tendência é que você escape impunemente da discussão inútil se seguir minhas dicas. Com o bônus de colocar uma minhoca a mais na cabeça do brasileiro médio.

Para dizer que é fácil falar (sim, esse é o ponto), para dizer que só vai torcer contra quando tiver live do desfavor, ou mesmo para dizer que dessa vez se contenta só com seis gols: somir@desfavor.com

SALLY

Você declararia que vai torcer contra a Seleção Brasileira nesta Copa do Mundo?

Não, obrigada. No dia em que eu quiser problemas, vou até uma Igreja Universal e grito que Satanás é meu mestre, pois isso, ao menos, terá um lado divertido.

Já falamos no texto do último sábado e vou repetir: a polarização extremada e agressiva do brasileiro não tornam mais possível qualquer divergência pacífica. Tá todo mundo rotulado, encaixado em estereótipos, classificado, “se pensa isso, é por aquilo”. E quem discorda é inimigo.

Se eu digo que vou torcer contra, vou parar na mesma hora no rol de pessoas “Pão e Circo” + “Futebol é o ópio do povo” + “Sou superior demais para isso”. É quase como querer dizer que é feminista por acreditar que homens e mulheres não são inferiores uns aos outros: 0,01% da população vai entender o real significado do que está sendo dito, o resto vai achar que eu sou uma recalcada não depilada com problemas de abandono que odeia homens. Quanto te rotulam desta forma violenta, não há diálogo possível.

Melhor não falar nada, para evitar a fadiga. Falar não vai mudar o mundo, falar sequer vai ser compreendido. Só falaria se fizesse questão de passar uma imagem superior ou de irritar o interlocutor. Fora isso, não ganho nada esfregando minha opinião na cara dos outros, além de aborrecimento.

Felizmente eu já desisti de promover qualquer mudança na cabeça do povo no geral, ao menos de forma ativa. Faço de forma passiva, jogando para o mundo aqui no Desfavor e esperando que o universo se encarregue de que cada texto chegue para a pessoa que quer/precisa. Meu desagradável legado vem todo por aqui, por escrito. Depois de certa idade, você escolhe suas batalhas e se cansa de ficar na linha de frente.

Nada de bom vem da afirmação pública de torcer contra a Seleção Brasileira. Mesmo quem eventualmente concordar com isso, vai levar para o lado “Pão e Circo”. Quem discordar vai te achar um babaca muito esnobe. Não há espaço para zonas cinzentas na República das Bananas Polarizadas.

Como nenhum extremo me interessa, prefiro me calar e dar respostas evasivas: “sei lá”, “não ligo para futebol” ou ainda “Menino, já vai começar a Copa? Este ano tá passando muito rápido”. Fingir demência tem melhorado muito minha qualidade de vida ultimamente e é assim que pretendo continuar.

Se você ainda acha que dá para dialogar com o brasileiro médio, com aquele colega de trabalho tosco, com aquele familiar lamentável, com aquela pessoa destinatária de campanha do Ministério da Saúde pedindo para que, se for enfiar alguma coisa na bunda, que seja uma banana, pois sai sozinha depois, boa sorte. Tenta aí. Força, Guerreiro!

Eu guardo minha energia para outras coisas por 1) ter pouca e 2) acreditar que não sou capaz de tirar as pessoas da inconsciência, ao menos não com a palavra falada. Diálogo não é meu forte. Sou rude, sem paciência e escolho as piores palavras e timing possíveis.

Somando a polarização macaquita com esse meu bug no diálogo, grandes chances da coisa terminar em lágrimas, agressão física ou corte de relações. Juro, não faço por mal, me falta a delicadeza necessária para escolher melhor as palavras, a sabedoria de calar a boca na hora certa e a sensibilidade de perceber quando estou pisando no calo do outro. Então, melhor falar apenas quando estritamente necessário. Gente como eu tem mais é que calar a boquinha.

E aqui entra outro ponto: mesmo que eu fosse a rainha da oratória, eu não sou tão importante. Minha opinião, torcida ou escolhas não são tão importantes. Eu não tenho que participar os outros sobre isso.

No geral, pessoas se acham importantes o suficiente para praticar inconveniências como: contar o que sonharam para colegas de trabalho, enviar foto do bebê fazendo uma bolha de baba para todos os contatos do whatsapp e postar uma foto do que comeram em redes sociais. A verdade é que ninguém quer saber. Ninguém quer saber o que você sonhou, o que seu filho fez ou o que você comeu. As pessoas não tem mais tempo nem saco para o parceiro e até para os próprios filhos, imaginasse alguém vai querer saber para quem eu torço, para quem eu não torço e os motivos?

A verdade é que todos sempre reclamamos de como nos enchem o saco, de como queremos ser deixados em paz, mas… você deixa os outros em paz? Eu faço minha parte por um mundo menos pau no cu e, quando quero dar a minha opinião, escrevo aqui (lê quem quer) em vez de buzinar no ouvido das pessoas. O mundo não seria um lugar mais agradável se não tivéssemos que ouvir opiniões que não foram perguntadas?

Então, se você concorda com essa linha de raciocínio, com este “mandamento” de “não paunocuzes e não serás paunocuzado”, faça sua parte por um mundo menos pau no cu e não saia enfiando seus achismos, suas torcidas e suas opiniões no ouvido dos outros. Faz como eu, cala a boquinha, é melhor para todo mundo.

Contente-se em compartilhar detalhes da sua vida com aquela meia dúzia de pessoas que são realmente importantes para você e deixe o resto do mundo viver em paz. Você vai ver como a sua qualidade de vida melhora quando você para de falar sobre coisas pessoais com gente que está cagando e andando pra você.

Torcer ou não torcer por uma seleção é algo tão irrisório, tão insignificante e tão irrelevante que só posso pensar que quem faz questão de ostentar torcida (ou a falta dela) está, na verdade, buscando por atenção ou por uma demonstração de poder. Me banhe com sua sabedoria, Pedro, 19 anos, fazendo cursinho pré-vestibular no interior de Feira de Santana, me conte por qual motivo você não vai torcer para a Seleção Brasileira, suas escolhas são do meu total interesse!

Menos, gente, menos. Na era do excesso de informação, vamos calar a boquinha um pouco mais?

Para dizer que muito favorável a que eu cale a boquinha, para me explicar porque não vai torcer pela seleção brasileira ou ainda para dizer que esperava que o Desfavor ignorasse futebol durante a Copa: sally@desfavor.com


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