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Amizade e empatia.

Amizade e empatia.

| Sally | | 18 comentários em Amizade e empatia.

Será que as pessoas que você acha que te ajudam, realmente te ajudam? Será que você é realmente amigo das pessoas que acha que é amigo? Será que o Somir algum dia voltará a postar no Desfavor? Tantas questões relevantes…

Vendo essa situação do Lula, que gerou todo tipo de reação na militância e nas pessoas próximas ao molusco, comecei a me perguntar qual é o conceito do brasileiro de amizade e empatia. Pessoas que estavam fazendo coisas bizarras e absurdas, que só prejudicaram o cara, foram exaltadas como amigos de verdade. Isso fez piscar uma luz vermelha de alerta na minha mente: o que é amizade e empatia?

Em linhas gerais, acho que todos vão concordar comigo que é seu amigo quem quer seu bem e faz coisas para o seu bem e que empatia é a capacidade de se colocar no lugar do outro. Mas, se a gente começar a aprofundar um pouco mais, algumas zonas cinzentas podem aparecer.

Para quem não viu, os militantes que se dizem a favor de Lula fizeram vários atos durante a semana que, em suas cabeças, são a favor de Lula, mas, no mundo real… duvido muito. Claro que fizeram com o aval de estar fazendo algo para o bem dele, afinal, foram coisas que Lula pediu ou incitou, mas… vamos olhar mais de perto?

Um exemplo típico foi vandalizar a casa da Ministra Cármen Lúcia, Presidente do STF, que será responsável por julgar não apenas o atual questionamento sobre prisão em segunda instância, como também todos os recursos em última instância dos vários processos aos quais Lula já está respondendo. Como é que emputecer quem vai julgar a liberdade ou a prisão de uma pessoa queria pode ser de alguma forma útil? Lula estava irado, queria isso, mas quem supostamente for seu amigo, tinha que conduzir a coisa da melhor forma para ele, não incitar a militância.

Esses militantes, que dizem estar agindo a favor de Lula, não o estão ajudando. Não estão sendo leais a ele. Estão usando um evento que, por vias transversas (que não seu amor por Lula) os afeta para transbordar uma série de angustias, de lixo interno, travestido de heroísmo, militância e protesto. Não é. É apenas lixo interno. Mas quando você dá a isso um revestimento de causa nobre, de defesa de uma pessoa contra a injustiça, ganha a autorização social tão deseja para fazê-lo. É o mesmo mecanismo de gente que não está bem e vem aqui tretar.

Mas, neste país tropical, convencionou-se chamar de amigo quem tem interesses em comum com você. Por consequência, ou por simetria, quem tem interesses diferentes dos seus é seu inimigo. Muito triste. Mesmo time que eu é meu amigo, time rival dou porrada na saída do estádio. Mesmo partido que eu é meu amigo, partido rival é um burro, é um merda, é um idiota que vou sacanear o quanto puder. Não se observa mais a pessoa para fazer amizade, a coisa ficou superficial, externa.

Amigo é aquele que gosta de você como você é, que te aceita apesar das diferenças, que te ajuda, que está presente para o que quer que você precise dele. E muitas vezes, a hora em que ele mais precisa é na hora de contrariá-lo e impedi-lo de fazer uma merda. Mas você só consegue fazer isso se não misturar suas emoções com a do seu amigo. Um verdadeiro amigo segura a onda quando sua vontade pode te prejudicar, em vez aderir a ela para dar vazão a lixos internos quebrando vidraça ou jogando tinta na casa de Ministro do STF.

Vejo as pessoas construindo amizades levando em conta prioritariamente essa base: interesses em comum. Os amigos do futebol. Os amigos da academia. Os amigos do trabalho. Os amigos do prédio. É sempre um fator externo que faz com que uma amizade surja e se consolide. Gente… pessoas são muito mais do que um time de futebol ou a profissão que desempenham! Mas, ao que tudo indica, há uma certa dificuldade em aprofundar as amizades, então, elas ficam restritas a isso mesmo: a atividades em comum. Na minha terra, isso se chama “colega”.

Da mesma forma que o conceito de amizade me parece deturpado, o de empatia mais ainda. Todos concordamos que empatia é a capacidade de se colocar no lugar do outro, certo? A parte onde eu paro de acompanhar o raciocínio do brasileiro é: conseguir se colocar no lugar do outro não é, obrigatoriamente, sentir o que o outro está sentindo. Parece que se você não se mistura com o sentimento do outro, você não é “amigo de verdade”.

Se o seu amigo está desesperado, você também tem que estar para ser “amigo de verdade”, caso contrário, você é uma pessoa fria, o outro tá lá todo nervoso, estressado, gritando e você está calmo, como pode? Quase uma traição! Que falta de empatia! Você não vestiu a camisa! Vimos isso nos militantes do Lula também. Inclusive em pessoas do partido. Uma dessas pessoas chegou a se exaltar, xingar e inclusive convocar para briga através de ameaças a imprensa. Veja bem, como pode ajudar ao Lula ter a imprensa toda contra ele em um momento como esse? Já não bastava emputecer o Judiciário? Mas não, se Lula estava em cólera, os bons amigos tem que ficar irados junto.

Ser capaz de se colocar no lugar do outro e imaginar como ele está se sentindo não é sinônimo de efetivamente se sentir assim. Aliás, muito pelo contrário, o amigo de verdade se coloca no seu lugar, compreende, percebe como você está se sentindo e, do alto de sua serenidade de pessoa que não está impactada pela situação, te dá conselhos sensatos ou faz coisas sensatas, que você, do alto da sua putez, não conseguiria alcançar. Somar mais um na pancadaria é fácil, até seu porteiro ajuda. Difícil é ser a voz da razão de fora, que frustra o amigo para o seu próprio bem.

Ao sentir o que o amigo sente, você perde sua racionalidade. Ao entrar em um suposto estado de fúria, ira, raiva ou qualquer outro sentimento extremo, você se torna inútil para ele, pois fica com o discernimento igualmente comprometido. Também vimos isso no caso Lula, com pessoas do partido incitando militantes, hostilizando, sacaneando e impedindo o trabalho da Polícia Federal. Não acho que tenha ajudado ao Lula emputecer as pessoas que hoje estão com ele sob custódia. Ele depende dessas pessoas para comer, para tomar banho de sol e até mesmo para ter papel higiênico. Aliás, os colegas de partido, militância e supostamente amigos tão de parabéns: emputeceram o Judiciário, a Polícia e a Imprensa, se não fazendo, incitando que se faça. Isso não foi amizade.

Empatia é ser capaz de se colocar no lugar da pessoa, entender como ela se sente, voltar ao seu estado racional e, ciente de como a pessoa se encontra, fazer o que for melhor para ela. Mas as pessoas parecem achar que se elas estiverem chorando e arrancando os pentelhos de desespero e você não chorar e arrancar seus pentelhos junto, você não é um verdadeiro amigo e não está dando verdadeiro apoio. Parece que falta comprometimento com a causa se você não entra no mesmo exato estado de desespero. É como dizer para uma pessoa que está guiando um cego: “se você tivesse realmente empatia, fechava seus olhos, assim ficava sem enxergar junto com ele”.

Você não precisa abrir mão do seu estado anímico para ajudar outra pessoa. Não é necessário entrar no desespero dela, na dor dela, no medo dela, na angustia dela, na raiva dela, para ser um bom amigo e sentir empatia. Às vezes acabamos entrando, meio que automaticamente, e eu me incluo nisso, pois é o que socialmente se convencionou chamar de “empatia” nesta terra de batuques e coqueiros. Fazemos mais como uma forma de dizer “Ok, eu te apoio” mas, se puder, reflita e escape desta armadilha, pois por mais que o recado seja bacana, você se priva de realmente ajudar a pessoa quando sai do seu estado equilibrado.

A intenção deste texto é apenas que você perceba que existe uma chance de estar determinando suas ações e sentimentos como amigo ou suas ações e sentimentos empáticos por uma norma social que talvez não seja a melhor forma de ajudar alguém. Até que ponto você se comporta ou sente de certa forma por ser um sentimento sincero ou até que ponto você o faz pois é o que se espera de quem é amigo ou sente empatia? Até que ponto você não entra na briga, no desespero ou no medo do outro como forma truncada de dizer “eu te apoio”?

Tem uma série de reforços para esse equívoco no conceito de amizade e empatia. Por exemplo: “amigo chega dando voadora”. Obviamente, se eu estiver apanhando, vou precisar de amigos que cheguem dando voadora, ou seja, amigo que retalia para te salvar ou ajudar na mesma intensidade do ataque que você sofreu, é ok. Mas amigo que chega dando voadora na casa da Ministra do STF certamente não me ajuda em nada. O Brasil superestima atos e sentimentos intensos. Ser intenso pode ser uma qualidade ótima, mas também pode ser um veneno, um descontrole, algo quase que incapacitante.

Entrar no desespero do outro não é ser amigo de verdade nem é vivenciar a verdadeira empatia. Muito pelo contrário. Pense comigo, quem é melhor amigo: aquele que quando você cai no mar e está se afogando fica no barco, pega uma boia e joga para você ou aquele que se desespera com o seu desespero, se joga no mar e fica se debatendo na água com você? Pois é, tem gente que prefere ganhar a estrelinha dourada de “Amigo de verdade” perante o resto do mundo do que fazer algo para realmente ajudar o amigo. Vaidade é uma merda.

Nesse ponto, muita gente rateia. Estamos todos muito sozinhos e carentes, parte de nós vai querer alguém que se jogue no mar e que, mesmo que não nos salve, esteja lá conosco. Vamos morrer afogados? Vamos, mas o mundo vai saber que não estamos sozinhos! Spoiler: foda-se o mundo. Hora de parar com isso.

Tem esse conceito errado de atrelar amizade ou amor a sacrifício: se gosta de mim de verdade vai entrar comigo na merda. É um mix de cristianismo com possessividade. Não queira mais ninguém com você na merda, queira estar bem. Isso é carência e uma pessoa inteira jamais vai topar uma coisa dessas, “ir para a merda” junto com você para provar como gosta de você. Apenas outra pessoa carente topa uma coisa dessas. A mesma pessoa carente que vai fazer te encher muito o saco em um futuro breve. Depois não venha me perguntar porque “só atraio gente maluca”.

O conselho que eu dou é que não se joguem no mar só porque tem um amigo se afogando: continuem no barco e joguem uma boia. Não receberão tantos aplausos dos espectadores (e talvez nem mesmo do afogado), mas porra, estamos no mundo para fazer coisas boas não para receber aplausos.

Se o seu amigo esperava que você se jogue no mar e ficar chateado, bem, procure novos amigos, essa pessoa não está muito saudável da cabeça e provavelmente não será uma boa amiga para você: em vez de te jogar uma boia, vai pular para se afogar ao seu lado só para receber aplausos. O mesmo vale para relacionamento: mais te ajuda quem não se joga no mar. Não obrigue a pessoa a sentir o que você sente como prova de amor, isso só prova carência e, vocês sabem qual é o pacote de gente carente, né?

O curioso é ver como as pessoas que cercam o Lula foram aplaudidas até por quem desgosta dele: “Não sou petista, mas admiro a fidelidade de fulano a Lula”. Meu anjo, não é fidelidade, a pessoa está extravasando um bando de lixo interno dela em uma janela de oportunidade que encontrou para camuflar o ato de gesto nobre. É a pessoa fazendo algo ruim para o Lula debaixo dos holofotes para conseguir aplauso, ainda que inconscientemente. Na melhor das hipóteses, é uma pessoa emocionalmente imatura por vivenciar a dor do outro em vez de se manter sóbria para poder ajuda-lo. A pessoa está totalmente descompensada achando que tem que se abalar da mesma forma que ele para mostrar que se importa. Não admirem isso.

“Ah, mas então quer dizer que se tem uma pessoa que eu gosto chorando, eu não posso chorar também, porque Madame Sally disse que não estou ajudando”. Sim, foi bem isso que eu disse, que para ajudar é preciso ser um robô sem sentimentos, Capitão Literal! O que quero dizer é que você não deve entrar nas emoções da pessoa para ser um verdadeiro amigo ou ter verdadeira empatia. Se a situação da pessoa te despertar lágrimas, não há qualquer problema nisso. Só não precisa chorar aos prantos desesperado tendo a mesma reação da pessoa. Cabe a você ser o foco de força e lucidez nessas horas.

O pessoal do Lula poderia ter feito tudo que fez, mas, como diz o Cesar Millan, com “ânimo calmo e assertivo”. Teria sido muito melhor para ele. Não precisavam emular ou mergulhar nos sentimentos de raiva e desespero do Lula. Justamente o que lhe faltava naquele momento (e ele precisava que viesse de fora, de amigos) era ponderação e sabedoria. Em vez de serem amigos e empáticos, acabaram reverberando os erros do Lula e ampliando as consequências negativas deles. Em troca de alimentar o ego do Lula, que se viu reinando por 24h, fecharam o caixão da vida política dele. Não me parece amizade, muito menos empatia. Parecem imaturos que queriam aplausos.

Cuidado, não sejam estas pessoas e não sejam amigos destas pessoas.

Para perguntar se está é a Semana Sally, para pedir que se o Somir estiver vivo apenas dê um sinal nos comentários ou ainda para dizer que só é amigo de verdade quem sente exatamente o que você sente e quem faz exatamente o que você faz: sally@desfavor.com


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