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Marielle caiu.

Marielle caiu.

| Desfavor | | 36 comentários em Marielle caiu.

A vereadora Marielle Franco foi morta a tiros dentro de um carro na Rua Joaquim Palhares, no bairro do Estácio, na Região Central do Rio, por volta das 21h30 desta quarta-feira (14). Além da vereadora, o motorista do veículo, Anderson Pedro Gomes, também foi baleado e morreu. Uma outra passageira, assessora de Marielle, foi atingida por estilhaços. A principal linha de investigação da Delegacia de Homicídios é execução. LINK


O tema foi crescendo exponencialmente desde quarta-feira, e não tinha como não ser o desfavor da semana.

SALLY

Eu votei em Marielle Franco? Não. Eu concordava com ela? Na maior parte das vezes não. Eu a admirada? Não, eu a achava uma lacradora bem chata que abordava de forma errada/inútil temas como desigualdade social, racismo e feminismo. Uma pessoa que fazia muito barulho, se expunha de forma desnecessária, e jamais conseguiria mudar ou melhorar nada assim. Bem, parece que eu estava certa. Foi crônica de uma morte anunciada. Não se muda o mundo fazendo barulho, fazendo escarcéu, no grito.

Porém, nada disso impede que eu esteja profundamente indignada com seu assassinato, mortificada pelo sofrimento da família e amigos, devastada pelo grau de violência e desmando que assolou o Rio de Janeiro. Minha opinião política ou sobre a pessoa de Marielle não me impede de estar revoltada com tudo que aconteceu, por um motivo muito simples: eu acredito que ninguém deva ser executado. Ninguém. Em hipótese alguma. Por mais que eu discorde da pessoa, por mais que eu desgoste, assassinato não pode ser a resposta.

Gostando ou não dela, concordando ou não com ela, acho tudo isso uma afronta aos quase 50 mil votos que ela recebeu. Eu quero viver em um país onde quem foi eleito pela maioria possa exercer sua função e só seja retirado dela com uma condenação judicial, não com quatro tiros na cara. Acho vergonhoso que existam pessoas relativizando quão grave é o que está acontecendo. Para ser bem sincera, acho gravíssimo o rumo que essa tragédia está tomando no que diz respeito à opinião pública.

Marielle foi executada. Ela estava no carro, voltando para sua casa, quando um carro parou ao seu lado e disparou vários tiros em sua direção. Quatro pegaram em seu rosto. Mataram também o motorista. Atiraram e foram embora, sem levar nada. Uma outra pessoa que estava no carro sobreviveu. Além desta pessoa, há outras que presenciaram o crime pois isso aconteceu no meio de uma rua movimentada do Rio, nove horas da noite. O alvo era Marielle, pois atiraram apenas no lado em que ela estava. A pessoa que estava no banco ao lado, sobreviveu.

Ou seja, quem fez isso não teve sequer a preocupação de simular um assalto. Tinha tanta certeza da impunidade que deixou testemunhas vivas para contar. Seja lá quem for, dificilmente vai ser pego. Quem fez isso está muito bem calçado. Vivemos em uma cidade e em um país onde existem pessoas que podem se dar ao luxo de matar declaradamente e saem impunes.

Quando você pode matar sem maiores consequências uma das vereadoras mais votadas, você pode matar basicamente qualquer um. Duvido que a gente saiba o autor do crime, no máximo quem puxou o gatilho, o mandante vai ficar impune. Claro que, pelo clamor popular, vão pegar alguém para Cristo… mas vão prender UM culpado, não O culpado. Daqui pra frente cada grupo vai tentar tirar proveito desta morte. Vão trocar acusações. Vão tentar capitalizar para sua causa. Vão usar o nome dela para se promover. Um desrespeito.

O que é assustador é o leque de possibilidades. Marielle incomodava muita gente e todos eles são perfeitamente capazes de matar. Parabéns, Rio de Janeiro! Ela denunciava abuso policial, ela denunciava milicianos e, recentemente ela foi nomeada relatora da Comissão da Câmara de Vereadores do Rio criada para acompanhar a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro.

Todo mundo está se apegando à polícia como principal suspeita, pois poucos dias antes ela fez uma denúncia sobre policiais barbarizando moradores de uma comunidade. Olha, se tem uma coisa que eu sei sobre a polícia carioca é que eles tem vasta experiência em execução e sabem como fazer. Se fosse um policialzinho zé mané putinho porque foi denunciado em rede social, não acredito que o fizesse desta forma. Quem fez isso mandou um recado claro: matei e não fiz questão de esconder que matei, para que o próximo que ocupar seu lugar já entre sabendo o que acontece.

Um PM putinho não tem esse poder. Um PM flagrado executando uma vereadora está em maus lençóis. Eu sinceramente duvido que seja policial ou miliciano, eles teriam o cuidado de simular um assalto. Para mim, está ligado ao papel de Marielle de fiscalizar a intervenção federal, o que, para mim, seria a pior hipótese. Percebam quão angustiante é descobrir que aqueles que vieram te ajudar a botar ordem na casa são os mais desordeiros de todos. Tem algo muito sujo nessa intervenção e provavelmente Marielle descobriu. Claro que em se tratando de Brasil, é preciso cogitar tudo, até colega matando colega para angariar simpatia para o partido ou para uma causa.

Se foi queima de arquivo, quem fez foi muito idiota: matou Marielle e chamou a atenção para isso. Além de tudo, criou um mito, em um ano eleitoral, em um país carente de ídolos. Se algum parente ou alguma pessoa intimamente ligada a Marielle se candidatar com a promessa de dar um “basta” na corrupção e abusos, periga ganhar. Se foi fogo amigo para angariar simpatia, foram geniais.

Agora, talvez o mais grave dos desfavores: as pessoas estão brigando entre si, polarizadas. A tática “dividir para conquistar” do PT entrou mesmo no coraçãozinho do brasileiro. Meus queridos, em uma coisa, todos concordamos: não se resolvem as coisas assassinado pessoas que discordam da gente. Ficar brigando de forma polarizada é tirar foco da tragédia. Uma pessoa foi assassinada, todos somos contra isso. Que tal a gente se unir para tentar evitar que esse continue sendo o modo de funcionar da política nacional?

Não faz sentido achar que isso é algo novo, de agora. Isso acontece no Brasil desde sempre, agora, com internet, está mais claro. Em 2002, Celso Daniel estava prestes a denunciar um esquema de corrupção do PT. Foi executado. Não só ele como sete, eu disse SETE testemunhas do processo foram morrendo, uma a uma. E quando você ousava dizer que era execução, petistas se apressavam em te desacreditar, apontando o dedo e dizendo que você era uma pessoa louca que acreditava em “teorias da conspiração”. O caso Celso Daniel ficou impune. Então, não está acontecendo nada novo. Talvez a novidade seja para qual lado a corda arrebentou agora. A esquerda perdeu o poder vertiginosamente, vai começar a virar alvo.

Sinto um pouco de nojo ao ver cada grupo puxando a brasa para sua sardinha. Cheguei a ver uma discussão de uma militante dizendo que Marielle morreu por ser mulher, enquanto a outra a chamava de burra e dizia que na verdade Marielle morreu por ser negra. Não façam isso, é um desfavor para todas as causas e para o Brasil como um todo. Não é sobre pobreza, cor da pele, sexo ou credo. É sobre corrupção, poder paralelo e ausência de lei e justiça. Se focarmos nisso, todo o resto melhora.

Tem alguém dando um recado no Rio de Janeiro: eu mato de forma declarada quem atravessa meu caminho. Quem é? Como tem tanto poder? Quem está pactuando com isso? Por qual motivo está pactuando? Bora focar nisso em vez de tentar lacrar na morte alheia.

Para dizer que tem que ter intervenção internacional no Rio, para dizer que o campo eletromagnético é o menor dos problemas do Rio ou ainda para dizer que os direitos humanos deveriam se preocupar mais com o assassinato dos defensores dos direitos humanos: sally@desfavor.com

SOMIR

Sally fecha a lista de notícias da semana na quinta-feira. E na quinta-feira mesmo ela me perguntou se o assassinato de Marielle tinha sido algo só regional em alcance. Com os meus feeds de notícias (essencialmente paulistas) berrando de cinco em cinco minutos sobre o tema, dava para saber que isso ia aumentar sem parar até o final de semana. E quanto maior o alcance, maior o potencial para desfavores.

Pra começo de conversa, o governo federal se coçou na hora. Tinha a imagem da intervenção militar em jogo, e tinha o fato de termos uma eleição em poucos meses. Assim que o povo de todos os cantos do país começou a se doer pela morte de Marielle, vimos todas as maiores instâncias de poder correrem para demonstrar suporte.

Desde o presidente e o ministro da Justiça até a Polícia Federal, o que não faltou foi gente prometendo toda sua estrutura para solucionar o caso. Podemos ver isso de uma forma mais cínica como uma oportunidade para todos aparecerem um pouco mais na grande mídia, mas também podemos analisar o peso do assassinato de uma representante democrática. Os tiros em Marielle também são tiros na estrutura mais básica do nossa sociedade: o estado democrático de direito.

Todos especialistas e políticos usaram esse termo, e mesmo que às vezes eu desconfie se realmente sabem o significado, ele não poderia estar mais correto. O estado democrático de direito é basicamente o nome de como toda a nossa sociedade está organizada: estado significa que existe uma organização hierárquica de poder entre as pessoas, democrático porque essa hierarquia é escolhida pela vontade coletiva do povo, e de direito porque o conjunto de regras que todos tem que seguir já está definido pelas leis locais.

Tudo o que consideramos mínimo no funcionamento de um país faz parte de um acordo entre todas as pessoas (quer elas estejam conscientes desse acordo ou não). E se quisermos manter esse mínimo, é necessário defender o tal do estado democrático de direito. Ele não surge por mágica, ele depende de esforço de manutenção constante.

Mas parece quase que inocência falar sobre isso aqui no Brasil, não? Com toda a bandalheira que ocorre, difícil acreditar que estamos realmente fazendo alguma manutenção nessas regras básicas do jogo. Parece que está tudo abandonado por aqui e a única lei que vale é a do mais forte. Só que as coisas são ainda piores do que isso: estamos vivendo uma situação dessas porque o estado democrático de direito ainda funciona no Brasil. Funciona mal, cheio de defeitos, mas tem um mínimo em ação que ainda não foi derrubado. Você ainda consegue algum senso de justiça e estabilidade no Brasil justamente por isso. Parece tudo quebrado, mas ainda está funcionando em baixa capacidade.

O sistema brasileiro é tipo um sistema de ventilação numa caverna, um que falha muito, que funciona muito abaixo da capacidade, mas que está ligado por tempo suficiente para não sufocarmos de vez. Porque piora, piora muito se ele pifar de vez. Então, se você deixar o cinismo de lado, ainda consegue entender porque o poder público se mordeu por esse caso.

A indignação com a morte de Marielle é basicamente o que nos liga com democracias mais funcionais. Num país muito mais organizado e justo, a reação seria essa também. O Estado botando o tema em prioridade total, para se defender. E mesmo que você tenha reservas sobre as escolhas políticas da pessoa, mesmo que você ache que aquela representante democrática não acerte na defesa de suas causas, é a figura do representante democrático que está em jogo. Quando esse elemento perde um mínimo de segurança, a coisa desmonta rapidamente.

É fácil entrar na pilha da divisão ideológica de redes sociais, de ficar pensando nos diversos problemas da nossa sociedade e ficar amargo com qualquer opinião sobre o tema. Mas não dá para ficar procurando divisão numa hora dessas. Seja lá o motivo que você enxergue por trás da indignação toda com a morte de Marielle, por mais sujos que pareçam os interesses dos agentes públicos em ação… a ideia de fazer um carnaval em cima desse tema está certa. É o que se espera mesmo do poder público: que defenda com unhas e dentes a existência das suas bases. É para quem encomendou o assassinato estar com o cu na mão, percebendo que as coisas saíram muito de controle. E se não estiver, tem que ter inteligência policial e força de opinião pública o suficiente para que essa pessoa ou grupo comece a sentir medo. Infelizmente em última instância só o medo resolve.

Minha teoria é que quem quer que apertou o gatilho já está morto a essa altura do campeonato, quando o mandante percebeu o tamanho do que aconteceu, dificilmente deixaria uma ponta solta. Acredito também que vão achar alguém, mesmo que não tenham cometido o crime. A sociedade se doeu demais com essa história para a polícia não aparecer com qualquer suspeito o mais rápido possível. Se forem espertos, vão achar um miliciano ou traficante relativamente famoso para “cristo” e usar o exército para fazer uma mega operação heróica em algum dos morros cariocas. Seja essa pessoa culpada ou não por esse crime específico. Honestamente acredito que já estão pensando em quem vai tirar o “palitinho menor” e ser culpado por tudo. Algo me diz que Temer vai querer fazer uma limonada disso.

Seria uma palhaçada se pegassem um só para fazer uma pose, mas de uma certa forma, faz parte dos defeitos do nosso estado democrático de direito. Um equilíbrio sutil que prega que cometer crimes que chocam a sociedade significa que alguém vai pagar o pato, mesmo que aleatoriamente. Um aviso claro que é para matar gente que não chama muita atenção, e um pedido para os chefes do crime para controlarem seus trabalhadores: sejam impulsivos só com pessoas desconhecidas. Afinal, em último caso, o sistema sempre depende do povo com medo de ir cortar cabeças na sede do poder…

Para dizer que começou bonito e estragou, para dizer que não gosta de feminista mas isso é demais, ou mesmo para dizer que se falássemos disso semana que vem, ninguém mais ligaria: somir@desfavor.com


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