
Enrolação Suprema.
| Desfavor | Desfavor da Semana | 4 comentários em Enrolação Suprema.
Numa semana de desfavores para todos os gostos, o STF trabalhou duro só por uma coisa: conquistar o desfavor da semana.
SALLY
Um rápido resumo do que aconteceu, para que estejamos todos na mesma página na hora de discutir e criticar.
Quando se julga uma ação (e sim, Habeas Corpus é ação, não é recurso, como insiste em dizer a imprensa pão dura que não contrata assessoria jurídica), o julgamento acontece em duas fases: admissibilidade e mérito.
A admissibilidade é onde se verifica se aquele é o instrumento adequado para o pedido que está sendo feito e se a petição tem alguns requisitos básicos que a tornam válida. Em resumo, é verificar se os advogados fizeram tudo certinho na forma que a lei exige. Se estiver tudo dentro das exigências na forma como a ação foi apresentada, aí sim se passa a julgar o mérito, ou seja, o que está sendo pedido, se a pessoa tem direito a aquilo que ela está pleiteando.
O julgamento do STF parou na primeira parte: passaram horas discutindo sobre a admissibilidade e depois disseram que não deu tempo de julgar o mérito. Qualquer estagiário de direito vai te dizer que Habeas Corpus é a ação mais camarada em matéria de admissibilidade, nos livros a gente aprende que, por ser um instrumento extremamente importante para livrar a pessoa da pena máxima, que é a prisão, ele pode ser feito mesmo sem advogado, escrito até mesmo “em papel de pão” ou “em papel higiênico”. Esta ação quase que sem formalidade demandou uma enorme discussão de admissibilidade. Forçaram a barra gostoso.
Você vai ver por aí muita gente analisando a questão sob o enfoque “Lula”: uma vergonha, favoreceu o Lula, o Lula vai se dar bem, etc. Aqui estamos propondo um novo ponto de vista, o da neutralidade, que, em última instância, é o que mais interessa. E, em discordância de tudo e de todos eu afirmo: esta decisão foi ruim para todo mundo, inclusive para o Lula. Foi ruim para o país, para todos nós e até para o próprio Supremo, que deu esta semana o maior tiro no pé de todas sua história. Quem está comemorando esta decisão, é porque não entendeu bem o que aconteceu.
Quando existe uma questão importante e urgente, da qual dependem outros processos, como é o caso, ela deve ser priorizada e julgada imediatamente. Se o STF não julga na data marcada ele falha em seu dever. Deixam o outro tribunal (no caso TRF), o réu e a sociedade diante de uma baita instabilidade jurídica. Tudo bem que isso pode acontecer por motivos de força maior ou uma confluência de fatores imprevistos, mas não foi o caso. As madames iniciaram o julgamento com atraso, fizeram intervalo, tomaram cafezinho, gastaram horas discutindo questões preliminares (ou seja, coisa que não dizia respeito ao mérito, ao que estava sendo pedido) e encerraram cedo.
Eu desgosto do Lula e torço sempre para sua danação máxima, o que não me impede de ver o quanto esta situação é ruim para ele. Não sou solidária, mas sou humana, consigo me colocar no lugar do outro e me dar conta do inferno que é você viver com uma constante ameaça de prisão. Acredito que o próprio Lula deseje que isso se resolva logo. Para o PT também não é fácil, às vésperas de uma eleição, saber se seu candidato vai poder ser candidato ou não, em quem investir, o quanto investir. É tudo um jogo de cartas marcadas? Olha, nem Cunha, nem Cabral, nem Maluf nem tantos outros achavam que iam ser presos, até que foram. Tem gente articulando para ambos os lados, você nunca sabe quem vai vencer. Lula está com medo real sim, bem como o PT.
Um que outro desinformado ou poser pode estar comemorando, porque afinal, essa gente está em constante antagonismo e gosta de se dizer vencedor até de concurso de cuspe à distância, mas podem ter certeza que essa decisão não foi boa para ninguém. Aliás, 90% da internet não entendeu o que se passou no julgamento, mas os juristões leigos, como sempre, opinando com toda a certeza que lhes é peculiar. Tinha desavisado achando até que se estava inocentando o Lula das acusações. Lula está condenado, isso não se discute mais. O que se está discutindo é quando a pena pode ser aplicada. Que ela será aplicada, ela será (se ele não morrer antes). Meus olhos sangraram de tanta merda jurídica que foi despejada online. Mas isso é só um detalhe perto do tamanho do desfavor do Supremo.
A forma como o STF se posicionou para chegar neste adiamento foi altamente reprovável: teve Ministro dizendo que tinha um “compromisso importante”, por isso não poderia ficar ali para julgar. Teve Ministro que nem sequer entendeu direito estar votando pelo adiamento. Teve até o medonho argumento de que “os limites físicos dos Ministros” não permitiriam prolongar aquele julgamento. Para piorar, em vez de marcar uma pauta extraordinária para o dia seguinte, não… marcaram para o mês que vem. Sabe como é, trabalhar sexta-feira nem pensar. Na outra semana, é semana santa e os “cristãos do STF” não trabalham a semana toda. Foda-se, senso de sacrifício mínimo e salários que ultrapassam os cem mil reais. Estão tão fora da realidade que nem sequer tem subsídios para se dar conta do quão mal aquilo ia pegar.
Na melhor da hipóteses, soa como descaso, o que já é péssimo. Madames mimadas cheias de regalias colocando seu conforto na frente da resolução do que talvez seja o assunto jurídico mais relevante do país. Se programassem melhor, votassem antes, chegassem mais cedo, reservassem um dia só para essa votação. O que não pode é monopolizar a questão e não entregar julgamento. É essa decisão que basicamente que vai definir o próximo Presidente da República. Na pior das hipóteses, dá para pensar em manobra para ganhar tempo, para diluir o impacto de uma decisão favorável ao Lula ou até para atrasar esse processo por muitos e muitos meses. Tudo péssimo. Tudo um desfavor.
Ao se decidir pelo adiamento, o advogado do Lula fez o óbvio, o que qualquer advogado decente faria, e digo mais: coberto de razão. Ele disse, de forma mais educada, claro, que já que o STF não se programou direito e não conseguiu terminar o julgamento que começou, não entregou a decisão prometida no prazo previsto, o réu não poderia ser penalizado por conta disso. Repito: quero que o cu do Lula pegue fogo e apaguem com um tamanco, mas juridicamente o advogado estava cheio de razão ao pedir isso. O STF pisou na bola.
O Supremo acatou o pedido, reconhecendo que o réu não pode ser penalizado porque eles não tiveram competência de julgar na data marcada e contemplou Lula com uma garantia de liberdade (papo técnico: salvo conduto), dizendo que ele não pode ser preso até que o Supremo julgue esse Habeas Corpus.
Convenhamos, comemorar uma garantia de liberdade com duração de dez dias é o mesmo que comemorar quando sua namorada termina com você mas concorda em te dar um último beijo. Quem comemorou isso ou não entendeu ou tem alguma informação privilegiada sobre o desdobramento desse processo que eu desconheço. Mas, como eu sempre digo, desconfiem de quem diz que sabe algo: quem sabe tem medo de falar. Só quem fala é bravateiro alcoviteiro.
Eu não sei o que está acontecendo nos bastidores, nem o tipo de pressão pelo qual eles estão passando, mas esta me pareceu a pior forma possível de resolver. Claro, como todo mundo, eu tenho minhas teorias, que provavelmente nem chegam perto da verdade, pois disponho de informações muito limitadas. A matemática precária que eu consegui fazer é: maioria dos Ministros do STF indicados pelo PT + Indicação nunca é pelo notório saber jurídico + Lula preso = Lula delatando. Vocês já pensaram o que acontece se Lula abrir a boca e delatar? Não sei se cai Ministro do Supremo diretamente, mas cai meio mundo no Congresso, meio mundo este que talvez tenha força suficiente para exercer essa pressão no Supremo para este espetáculo deprimente.
De qualquer forma, é risível que a corte máxima de um país se preste a esse papelão acovardado. Uma semana triste para o STF, onde, na véspera, já tinha rolado uma briga de comadres de nível duvidoso. Eles acham que por começar a frase com “Vossa Excelência” podem dizer qualquer coisa depois: “Vossa Excelência é um arrombado filho duma puta barata de merda, com a devida vênia”. Isso é tão Brasil! Tentar revestir a macaquice com palavra bonita e achar que está tudo bem. Esse Supremo é mesmo a cara do país.
A reputação do STF, ou o que restava dela, morreu esta semana. Parabéns aos envolvidos.
Para dizer que te deixemos de fora desse nosso mau sentimento, para dizer que somos pessoas horríveis ou ainda para dizer que somos uma mistura do mal com o atraso com pitadas de psicopatia: sally@desfavor.com
SOMIR
Como a maioria das pessoas, eu já estava confuso com o fato do Lula estar sendo julgado no STF, parecia que isso ainda ia demorar muito tempo pra acontecer. Com a sequência das notícias durante o dia, foi ficando cada vez mais nebuloso, com uma sequência maluca de votações que não pareciam definir nada. O que diabos estavam fazendo ali? O que aconteceria com o Lula? Por que ele não estava preso ainda?
Por sorte temos alguém que entende sobre o tema aqui, e agora, fica mais claro o que aconteceu. A palhaçada jurídica que Sally descreveu bate com força na minha esperança de um mínimo de seriedade nesse país e depois de entender, concordo muito com a indignação dela; mas eu quero voltar alguns passos e falar sobre aquela sensação de confusão que eu tenho certeza não foi exclusividade minha. Estar lendo notícias sobre o maior tribunal do país julgando alguma coisa sobre o Lula e não ter noção de para que lado as coisas estavam indo.
Um sistema judiciário decente deve mesmo partir do princípio que somos todos inocentes até que se prove o contrário, nada contra existirem inúmeros mecanismos legais para proteger alguém contra acusações infundadas e abusos de poder, se um dia eu precisar vou ficar muito feliz por isso. Porque a turba enfurecida da internet que fica reclamando que tem muita “escapatória pra bandido” esquece que ninguém está imune a ter que se ver com a justiça. Que pode cometer um crime sim e querer ser punida sem exageros, ou mesmo ser acusada erroneamente e ter como provar a inocência. Pode acontecer com você ou com uma pessoa querida. O sistema tem seu elemento burocrático também como mecanismo de redução de erros.
A coisa está bem feia para Lula, e não acredito que o sistema tenha falhado em encontrar a verdade ao condená-lo, mas nós gostando ou não, ele tem que ter os mesmos direitos de outras pessoas. Se a lei prevê as incontáveis estratégias de protelamento usadas por sua defesa, não adianta ficar reclamando. Podemos até tentar mudar a lei no futuro, mas agora essas são as regras do jogo. Mas para o sistema ter em si esse elemento burocrático de correção de erros, ele também precisa funcionar minimamente bem. Senão até mesmo os ideais mais nobres servem para atrapalhar a justiça numa sociedade.
Por isso menciono a confusão sobre o que realmente acontecia no STF: o sistema é complexo, cheio de possibilidades e dependente de muitas pessoas e suas esferas de influência para funcionar. Em última instância, a justiça toda é tão falível quanto sua última linha de defesa humana. Se por um acaso esse imbróglio todo (para nós leigos) é potencializado por uma atuação ruim do Supremo, o povo ao qual essa justiça serve fica alienado. Somos roubados de qualquer senso de causa e consequência no país, com uma compreensível vontade de resolver as coisas nós mesmos.
Tenham em vista o show de horrores das redes sociais, a polarização desinformada e até mesmo um candidato como o Bolsonaro, que em última instância está tentando vender justamente a ideia de causa e consequência como plataforma de governo. Algo que as pessoas entendam, só pra variar. Mesmo excluindo qualquer ideia de suborno ou chantagem sobre os ministros do STF, ainda sim algo está muito errado com a forma de lidar com o tema. Quem torna a justiça confusa para a população média inflama discursos imediatistas e fortalece a divisão entre as pessoas.
Pessoas querem ver as coisas avançarem, querem saber quais são as regras e o que pode ou não acontecer com elas. Se o seu trabalho é literalmente defender a Constituição de um país, você é obrigado a pensar em muito mais do que tecnicalidades jurídicas, e sim em como o que você faz impacta a própria noção de unidade de uma população. Fazer o que fizeram no caso do Lula é pular fora na hora mais importante e deixar os “donos” dessa Constituição extremamente confusos sobre quais são as regras.
Que fique claro que eu tenho uma teoria sobre como o STF não fez isso só por preguiça ou incompetência: Temer tem tudo para tomar duzentos processos na cabeça assim que passar a faixa presidencial, e provavelmente está usando a máquina para apoiar o caso de Lula. Os ministros devem estar sendo pressionados de todas as formas, pelo Legislativo e pelo Executivo por igual. Aliviar a barra de Lula também serviria para aliviar a de Temer e de boa parte do Congresso e do Senado. Tenho a nítida impressão que a política brasileira está bem alinhada nos bastidores, trocando favores não só para hoje, mas para os próximos anos.
Mas mesmo que seja só uma teoria conspiratória minha e ainda exista um braço de ferro entre situação e oposição, há uma falha grotesca no processo ao empurrar a decisão para Abril: só fortalece o discurso de divisão. Só deixa o povo mais incerto sobre como a justiça funciona no país, desesperado por respostas mais simples. E tem gente bem escrota se alimentando dessa energia. Cada vez que algo assim acontece, o Brasil faz menos sentido. E podem apostar que a maioria esmagadora das pessoas não vai ter acesso à informação que estamos tendo aqui, não vai ter subsídios sequer para entender que todos estamos pagando o pato por uma decisão esdrúxula do STF baseada “tecnicamente” em coisas que eles poderiam fazer.
Não vai ser registrado como uma cagada deles, e sim como um sistema que simplesmente não funciona. Se o STF tivesse feito as coisas minimamente melhor, pelo menos as pessoas teriam alguma informação válida sobre como a justiça brasileira funciona. Mas do jeito que está, parece que nada faz diferença… e daqui a alguns meses, anotem aí: o povo vai votar em quem achar que vai criar senso de causa e consequência no país. Por mais errados que estejam…
Para dizer que nem precisava de texto pra dizer que é confuso, para dizer que a teoria do Temer ajudando te doeu mais do que deveria, ou mesmo para dizer que ainda não sabe o que aconteceu: somir@desfavor.com
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Pouca gente olha esse julgamento do STF como ele é: um gigantesco jogo de truco. Carmen Lucia jogou o HC do Lula na frente da pauta, para “peitar” os Ministros e forçá-los a tomar uma decisão – mas não contava que o Plenário estava disposto a dar o HC ao ex-presidente (como o placar de 7 a 3 demonstrava).
Digamos que Carmen gritou “truco”, e o Plenário pediu “6”. Com ou sem o Zap.
O placar de 7×3 não foi para dar HC a Lula não, tá? Esse placar indica o número de Ministros que entenderam que a petição tinha todos os requisitos de admissibilidade. Não tem absolutamente nada a ver com a concessão do Habeas Corpus!
Pausa: o STF deu ruim, ok. Por um breve momento me lembrei dessa 4a temporada de how to get away with murder que acabou recentemente, que mostra também a suprema corte dos EUA falida, mas lá o caso é outro, são por outros motivos. De qualquer modo, tenso!
Ge, acho que lá a coisa é menos escancarada. Aqui chega a ser deboche…