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Reclamando para cima.

Reclamando para cima.

| Desfavor | | 2 comentários em Reclamando para cima.

Quem quer um bom atendimento no Brasil costuma ter dificuldades. Seja por falta de qualificação ou educação, acabamos sendo mal tratados em algum momento por atendentes ou prestadores de serviço. Sally e Somir discordam sobre como lidar com isso. Os impopulares reclamam.

Tema de hoje: vale a pena reclamar com o superior de quem te atendeu mal?

SOMIR

Vale sim, e pode ser algo muito positivo para todas as partes, inclusive no longo prazo. Brasileiro parece tão acomodado com a ideia de que todo mundo está cagando para o próprio trabalho (talvez por projeção) que nem parece mais tentar resolver os problemas que encontra. E isso acaba virando um ciclo de incompetência e descaso, gerando mais atendimentos ruins.

Ir para um site de reclamações ou soltar os cachorros nas redes sociais tem sim sua função, mas é um passo além do que deveria ser básico: subir na cadeia de comando da empresa para saber o que diabos aconteceu. Toda empresa é formada por pessoas que erram e acertam, nem sempre um mau atendimento reflete a cultura do negócio, às vezes, antes de escutarem na prática uma reclamação, a empresa nem sabia que precisava ter uma cultura de atendimento…

Minha profissão me coloca em contato com muitos donos de empresas, e direto eu acabo sendo uma espécie de confessionário para as agruras do dia a dia empresarial que eles costumam passar. A minha experiência é que na maior parte dos casos são pessoas que querem entregar o melhor para o consumidor, mas nem sempre tem os meios ou o conhecimento necessário para isso. Como tudo na vida, experiência conta. Não estou exatamente dizendo para tratar todos como coitadinhos, mas estou argumentando sobre o ponto de que é mesmo muito complicado oferecer excelência e a maioria das pessoas vai precisar de muito feedback pra melhorar.

Nada é mais difícil num negócio ou posição de poder do que gerenciar pessoas. As variáveis são praticamente incontroláveis. Cada cabecinha sob seu comando funciona de um jeito e reage de forma diferente às ordens passadas. Não é desculpa pra se acomodar com uma espécie de inevitabilidade de problemas, mas torna um pouco mais justificável não notar uma ou mais maçãs podres na sua equipe. Principalmente se ela for grande o suficiente para você não ter contato diário com todos. E mesmo essas maçãs podres podem estar nesse estado por falta de atenção ou problemas pontuais. Gente que não seria obrigatoriamente ruim ao atender clientes, mas naquela situação está assim.

Sim, todos queremos viver num mundo onde somos bem atendidos em todos os lugares onde gastamos nosso suado dinheiro, mas o melhor resultado possível não é uniformidade total em excelência. Mesmo as empresas que se esforçam com treinamento ainda vão ter funcionários ruins eventualmente. Pessoas são complicadas e imprevisíveis assim. Então, como fazer do mundo pelo menos um pouco melhor nesse aspecto?

Oras, comunicando-se. Costuma ser a resposta para a maioria dos problemas. Só que comunicar sua frustração com atendimento ruim sem sequer arriscar falar com alguém que se importa com a imagem da empresa acaba gerando resultados dúbios. Você deixa de ser alguém que trouxe um problema para a gerência para virar o problema da empresa. Quando a pessoa torna público seu descontentamento, tende a incomodar quem tem o poder na empresa e virar uma ameaça. O que às vezes ajuda em empresas que simplesmente não gastam o suficiente para gerar atendimento decente (tipo as empresas de telefonia), mas em casos onde a empresa não precisa ficar sempre focando sua atenção para quem grita mais, é uma oportunidade perdida.

Como eu já disse, quanto mais você sobe na cadeia de comando de uma empresa, mais encontra pessoas que se preocupam com a imagem dela. Um vendedor babaca te trata mal porque pra ele nada daquilo importa, mas o gerente dele tem muito mais a perder. O dono da empresa, então… quando você reclama pra cima, dentro da empresa, dá uma oportunidade de redenção para quem te tratou mal e ainda gera informação valiosa para quem quer que se importe com ela. Pode ser um processo errado na empresa, pode ser excesso de confiança num novo modelo (não testado), pode ser até mesmo que aquele funcionário tivesse num dia ruim ou fosse um engano do setor de contratações… tem vários casos onde o mau atendimento gera informação valiosa, e se ela se perder com a sua putez (seja nunca mais indo lá ou reclamando em público), vai ser mais complicado que essa informação seja usada para melhorar as coisas.

Eu sei, eu sei… você não é pago pra resolver problemas de empresas, certo? Eles que se explodam, né? Entendo o ponto, mas pense quanto da sua vida gira ao redor de ser atendido por empresas. Precisamos de atendentes, vendedores e prestadores de serviço para vivermos a vida moderna, consumo é parte integrante da nossa rotina, e mesmo que você viva numa cidade grande, existe um conjunto de negócios ao seu redor que são mais convenientes de visitar, e a ideia de ir reduzindo os aceitáveis acaba te punindo no médio e longo prazo. Se você tirar alguns minutos da sua vida para se importar com quem te vende coisas e presta serviços, pode muito bem melhorar sua qualidade de vida ao mesmo tempo.

A forma de comunicação mais eficiente ainda é a direta. Falar com um gerente ou diretor passa sua mensagem de forma mais clara e permite que, caso essas pessoas se importem, a qualidade de atendimento melhore. Parece até meio ranço comunista ficar achando que a “burguesia” não liga pra você. Donos de empresas são pessoas que vira e mexe ficam chateados quando não gostam do que estão vendendo pras pessoas, e com informações suficientes, costumam tentar melhorar. São todos? Não. Tem gente que genuinamente está cagando e andando para os clientes, mas esses acabam afundando com ou sem feedback direto dos consumidores. Agora, os que querem melhorar… esses precisam ser avisados onde erraram. Pouca gente tem os recursos necessários para contratar uma assessoria de negócios realmente eficiente.

Num mundo ideal onde donos de empresa sempre estivessem plenamente capacitados e seguros no que vendem, eu até concordaria com a Sally. Mas na vida real, pessoas bem intencionadas erram e precisam de ajuda. Não são todos ricaços desinteressados na ralé, a maioria está vivendo meio no aperto assim como você, mas ao invés de um emprego, tem um negócio. Essa gente faz besteira, principalmente se não tiver como saber onde está a besteira. Não custa tentar.

Para dizer que eu sou muito bonzinho, para dizer que não tolera incompetência (e é imune a ela), ou mesmo para dizer que reclama na hora mesmo e dá barraco porque é mais engraçado: somir@desfavor.com

SALLY

Fazer uma reclamação a um superior quando algum prestador de serviço te atender mal? Não. O lugar me perde como cliente.

Se você foi mal atendido em algum lugar, acredite, é um reflexo da liderança daquele lugar, portanto, não adianta reclamar com algum “superior”, pois provavelmente ele é igual ou pior do que o funcionário que te atendeu. Uma empresa que não investe na capacitação de seus funcionários, que não mantém alguém atento fiscalizando tudo no ponto de venda, me perde como cliente, simples assim.

E se todo mundo fizesse isso, esta porra de país mudava. Se vocês pensam que adianta reclamar com o gerente, estão enganados. O cliente acaba ganhando um “cala a boca”, tipo um chaveiro ou 10% de desconto e tudo continua igual. Reclamação faz você ganhar brinde, e talvez um apelido maldoso depois que sair da loja. Se o gerente deixou chegar a esse ponto, de um cliente ser mal atendido, é porque faz tempo que ele não quer mais saber daquilo.

Sim, eu sei que a mão de obra no Brasil é péssima, mas se a equipe tem pessoas ruins, demite-se e se contratam novos funcionários. O que não falta é gente querendo trabalhar. É para isso que foi feito o período de experiência, para avaliar se o funcionário é bom ou não. É só garimpar que se acham pessoas boas. Mas ficar treinando funcionários novos todo mês até achar um que preste ninguém quer, né?

Reclamar com um superior não muda nada. Nem em atendimento, nem em porra nenhuma na vida. O que muda as coisas são atos. Não compre mais lá, torne público o que aconteceu, vá em sites especializados jogar a reputação da marca na lama, como por exemplo o Reclame Aqui. Vá até a imprensa, redes sociais ou o que mais você quiser. Faça você acontecer, sem precisar dessa coisa paternalista de falar com o “papai” da pessoa.

O brasileiro está muito mal acostumado a obter as coisas de cima para baixo: é sempre um superior concedendo algo. Tá errado. As coisas devem vir de baixo para cima, através de conquistas e não de um “quero falar com seu gerente”. Em ultimo caso, em situações extremas, que se recorra até ao Judiciário, mas a um membro da equipe que te sacaneou? Não recomendo.

Passamos mais tempo com as pessoas do trabalho do que com nossas famílias, é natural que aquela equipe de funcionários tenha um vínculo forte e tente defender ou até acobertar uns aos outros. Além disso, com pensamento brasileiro, qual das duas opções vocês acham mais provável: a) superior percebe erro, admite sua falha na liderança/fiscalização e corrige ou b) superior prefere achar que o cliente é um chato, um pau no cu mas concorda com ele de forma falsa só para ele calar a boca?

Se o que você quer é afago, brinde ou atenção, pode reclamar com superior. Se o que você quer é realmente causar um transtorno à empresa, que a obrigue a corrigir os erros e tomar muito cuidado com o que ela faz, sugiro que escolha um desses três caminhos: boicote (não compre nada deles nunca mais), propaganda negativa (jogue merda neles em redes sociais, preferencialmente angariando algum grupo ativista para militar com você) ou Judiciário (processe).

A maior prova de que reclamar com superior é ineficaz é que brasileroide adora reclamar. Qualquer pessoa aqui que tenha trabalhado com publico sabe o quanto brasileiro faz barraco. Chega a ser difícil, pois muitos reclamam sempre que são contrariados. Trabalhar com público no Brasil é um exercício de paciência. Se reclamar adiantasse, todas as prestações de serviços brasileiras seriam excelentes.

Infelizmente diálogo, reclamação ou informações não mudam o país. Como qualquer lugar involuído, as coisas só mudam quando há prejuízo, punição, algo que efetivamente possa prejudicar aquela empresa ou pessoa. E reclamação dificilmente prejudica funcionário, o superior sabe muito bem quem é quem e geralmente prefere deixar um bom vendedor que fatura muito mas de vez em quando é impaciente.

Além de ser inútil, reclamar com um superior ainda pode te causar mais estresse. Não raro funcionários ou o próprio superior retrucam ou são abusados e mal educados. Pode gerar um bate boca e até uma troca de ofensas. No Brasil, quase nunca o cliente tem razão. Você vai sair frustrado, aborrecido e vai ter que reclamar com o Papa. Já tentou entrar em contato com o SAC de uma empresa brasileira? Não vale a pena.

No país do corporativo, um superior não admite a falha de um funcionário para não admitir que ele errou. Percebam que temos pessoas dispostas a defender o PT e negar qualquer erro/crime deles pelo simples problema de não querer admitir se alguma forma que erraram ou foram enganados. Será mesmo que um superior vai fazer um exame de consciência e rever onde falhou com sua equipe?

No máximo vai comer no esporro quem errou. Se te satisfaz que quem errou com você leve uma jornalada no focinho, tipo cachorro que fez xixi no lugar errado, bem, vá em frente. Eu não acho que isso resolva, acho feio e babaca me sentir vingada por alguém que me prestou um mau serviço apanhar em resposta.

As coisas só melhoram com consciência, não com esporro. Não adianta porra nenhuma reclamar com superior. Se chiar adiantasse, sal de fruta não morria afogado.

Para dizer que você se contenta com o esporro, para dizer que nem tem mais esperanças de ser bem atendido no Brasil ou para dizer que também não tem esperança de que nada mude: sally@desfavor.com


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