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Porque vou à praia sozinha…

Porque vou à praia sozinha…

| Sally | | 74 comentários em Porque vou à praia sozinha…

Não vou à praia com homens. Não marco encontros na praia. Quando vou à praia, vou sozinha, para que ninguém presencie a indignidade que protagonizo. Exagero? Não, não é não. Permita-me abrir meu coração e você entenderá meus motivos.

Admiro pessoas que conseguem ir à praia de forma digna. As cariocas, por exemplo, são o mais perfeito exemplo de musas da praia. São divas da areia, que desfilam de forma harmoniosa e graciosa enquanto eu me arrasto toda suada com areia colada pelo corpo. Sinceramente, não sei onde estou errando, talvez sejam os genes gringos gritando “Vai dançar tango, filha da puta, e sai desse calor que seu corpo não foi feito para isso!”. Senta e pega a pipoca que, em homenagem à chegada do verão, vou contar em detalhes minha triste e indigna experiência em praias.

Neste ponto, você pode estar se perguntando por qual motivo eu insisto em ir à praia, mesmo sem gostar. Bem, faço isso para que as pessoas possam olhar para mim sem precisar colocar óculos escuros, graças à minha pele agressivamente branca. Não pensem que eu sou bronzeada, pois eu não sou. É só para tirar o aspecto branco doentio, que é minha cor de fábrica.

Eu moro no Rio de Janeiro, então, acho que posso dizer que tenho alguma experiência em praia. Não é por falta de prática que eu fracasso miseravelmente, é por incompetência mesmo. A partir do momento em que saio de casa para ir à praia, eu viro uma derrota ambulante. Tanto é que nunca, jamais, em tempo algum aceitei marcar um encontro com um homem que me interesse na praia. Não, não. Não quero que vejam o pior de mim, suada, cabelo colado no rosto, vermelha como um camarão, cheia de areia como um bife à milanesa. Marco até na academia, se for necessário, ambiente onde sei me manter atraente. Na praia jamais, praia é minha Kryptonita estética.

A desgraça começa já a caminho da praia: quem foi o filho duma égua que inventou o chinelo de dedo? Aquela caralha de tora que fica entre o dedão e o pobre dedo ao lado vai machucando meu pé à medida em que vou andando e suando. Eu tenho esse probleminha, quando estou suada é possível me matar com uma caneta Bic, minha pele fica mole, a coisa mais fácil de perfurar do mundo. É meu corpo dizendo “me leve, me mate mas me tire daqui que este clima não me pertence”, acho que ele me deixa vulnerável de propósito, para ver se eu morro e acaba com essa agonia quente.

Então, no meio do caminho eu já estou andando como uma marreca, pois o vão entre meus dedos está sendo estuprado pelo chinelo. Qualquer marca de chinelo. Fora que o meu layout não compõe muito bem sem salto, pois além de ter um metro e meio, eu foco em um treino de hipertrofia muscular, então, sem salto eu pareço um gnominho parrudo. A pele, que é branca giz, vai ficando vermelha e, se eu já não andava muito bem pelo estupro dedal, começo a andar pior ainda por ver pontos pretos em função de um calor infernal somado à pressão baixa. 6 x 8 não combina muito com 40°. Se a coisa desdobrar mal, pode acabar até em vômitos, que é para coroar minha indignidade e meu vexame: um gnomo manco e vermelho vomitando na esquina.

Praia gera outra restrição mortal para mim: não se deve ir à praia com maquiagem. Me tirar a maquiagem é como tirar a carne do gaúcho, a putaria do carioca ou axé de Salvador. Não gosto e não fico bem sem maquiagem. Mas, se usar, além da pele ficar toda manchada, chegarei à praia com aquela cara borrada “Why so serious” do Coringa. Então, lá vou eu, pequena, mancando, talvez vomitando, vermelha e sem maquiagem. E suando.

Cheguei na praia. Enquanto as cariocas desfilam de forma lenta e sexy até as proximidades do mar, muitas vezes descalças, eu com meu chinelo assassino e meu pé hipersensível vou pulando feio uma gazela que tomou energético, pois a areia sempre está muito, muito, muito quente e vai queimando meu pé, mesmo estando de chinelo (sempre cai um pouco pela lateral). Pulando e gritando palavrão. Pulando e gritando palavrão. E elas lá, descalças, andando na maior tranquilidade. Essas porras usam ferradura? Vejam bem, não é que eu tenha pé de princesa, eu uso Melissa, o que me garante umas senhoras dumas cracas do atrito do pé com o plástico! Vai ver é meu corpo dando um último aviso desesperado para bater em retirada.

Quando chega ao ponto da areia onde você vai estender sua canga para deitar, as cariocas a puxam da bolsa, sacodem levemente com uma das mãos, como uma donzela que se despede abanando um lencinho e pronto, a canga cai aberta na areia de primeira, permitindo que elas se deitem de forma sensual. A minha? A minha canga (e olha que já testei vários tecidos) parece ter saído da boca do cachorro, toda amassada e por mais que eu sacuda ou tente estender dignamente, sempre cai toda dobrada. Aí eu tenho que me abaixar para estender a ponta que está dobrada e, quando o faço, bate um vento e tira a outra ponta do lugar. Resumindo: são pelo menos cinco minutos de abaixa e levanta tentando ajeitar a canga, colocando pesos nas pontas para ver se ela fica aberta.

A carioca se deita e vai curtir sua praia: conversa com amigos, mexe no celular, escuta música, relaxa. Instintivamente, ela vai girando na canga, trocando de posição, de modo a sair com um bronzeado uniforme, dourado, lindo. A babaca aqui, de tanto apanhar da vida, apelou para o despertador no celular para saber quanto tempo passou em cada posição e a hora de mudar de posição, em uma tentativa desesperada de conseguir um bronzeamento uniforme. Em vão, pois não consigo nem bronzeamento, nem uniformidade.

Minha melanina não enche um dedal, então, a mãe natureza estipulou que Sally vem em duas cores: branco e vermelho. Cabe a mim escolher uma das duas – e vai do branco ao vermelho em dez minutos, tá? Se ao menos fosse um vermelho homogêneo… mas não, a parte da frente sempre queima mais que a parte traseira, a parte superior do abdômen sempre queima mais do que a inferior, o lado direito sempre queima mais do que o lado esquerdo. Saio um mosaico vivo, mesmo que cronometre o tempo que passo em cada ângulo me expondo ao sol.

Para piorar, meus biquínis parecem sofrer de epilepsia, é praticamente impossível que fiquem no mesmo lugar. Já tentei comprar as melhores marcas, não tem jeito, todo biquíni se mexe em mim. Isso faz com que eu fique com diversas marcas desconexas de biquíni, parecendo que usei um modelo com quatro alças. A carioca não, ela pode sambar, jogar frescobol ou fazer bungee jump na praia que fica com aquela marca única, definida, intacta de biquíni. Sem sacanagem, nem com bronzeamento em spray eu consigo uma marca de biquíni decente.

Existe algum campo eletromagnético que a ciência ainda não descobriu que mantém o biquíni totalmente aderido ao corpo da carioca. Por mais que eu amarre o meu em um grau gangrenante (sim, já fiz), se ousar arriscar um frescobol é certeza de peito de fora, cofrinho de fora, ou ambos. Para ser bem sincera, quando estou na praia estou sempre tensa, tentanto evitar de fazer movimentos bruscos, inclusive respirando de forma mais comedida. E mesmo assim, já mostrei mais do que deveria em diversas ocasiões.

Aí vem o mar. De tempos em tempos a carioca se levanta e dá um mergulho gracioso no mar. Obviamente quando é comigo tem mais uma aura de videocassetada. Nunca acerto o timing e sempre acabo tomando uma arrebentação de onda na cara, que além de me encher de areia, acaba tirando meu biquíni do lugar, o que me deixa toda molhada, gritando e me cobrindo com as mãos. E isso é na ida e na volta, pois na hora de sair do mar a mão natureza sempre me contempla com uma ondada na bunda, que é para deixar bem claro que ali definitivamente não é o meu lugar.

A carioca sai do mar como uma sereia, desfilando lentamente, as gotas de água escorrendo gentilmente pelo seu corpo dourado, passando a mão por entre os cabelos de forma a penteá-los. Eu saio encharcada, branca e brilhante, tipo um filhote de foca. Tomando ondada na bunda e, ai de mim se pensar em colocar as mãos por entre meus cabelos para penteá-los, minha mão fica presa lá tipo armadilha para caçar urso, pois meu cabelo, em contato com água do mar, fica pior do que palha de aço. Ir à praia é ficar desgrenhada, pois quando entra em contato com a água do mar, meu cabelo entra em fúria, fica duro, inacessível.

Voltando do mar, você fica de pé, esperando o corpo secar um pouco para voltar a deixar na canga. Em dois minutos as cariocas estão secas e com cabelos esvoaçantes novamente. Eu não, eu demoro em média uma meia hora para secar minimamente, enquanto isso, do meu biquíni pinga água como se eu estivesse fazendo xixi. Claro que, neste ponto, meu biquíni também está cheio de areia, parece que eu caguei uma duna. Então, lá fico eu, com esse look Pampers (no caso, com direito a vazamento), vítima do vento que joga mais e mais areia no meu corpo molhado. Areia esta que vai demorar semanas para sair, não importa quantos banhos eu tome. Já disse isso antes, mas vou repetir: qualquer dia desses meu cu vai produzir uma pérola.

Eu realmente não sei como as cariocas conseguem: pode estar o calor que for que as filhas da puta estão sequinhas, com cabelo esvoaçante ao vento, de pé na areia sem um grão de areia colado no corpo. Eu estou suada, mas suada mesmo, aquele suado que você sente o cu suar, gota de suor escorrendo nas costas, gota de suor salgado pingando no olho e comprometendo a visão. Suada, com o cabelo todo colado na cara e nas costas e com uma crosta de areia colada no corpo todo. A mesma brisa suave que faz o cabelo das cariocas esvoaçar de forma sexy interage comigo apenas me cobrindo de areia, com uma predileção pela região dos olhos. Eu consigo a proeza de entrar areia no olho usando óculos escuros.

Definitivamente, o Universo está mandando um recado claro: você não pertence a esse lugar, não volte mais aqui. Deve ser para bem, para me evitar um câncer de pele ou coisa do tipo. Melhor respeitar, se não pela questão da saúde, pela dignidade mesmo. Não há condições de ser vista neste estado. Praia, para mim, sempre foi e sempre será uma atividade solitária.

Para dizer que dependendo do tamanho do biquíni nem vão perceber o resto, para dizer que este mesmo grau de desastre acontece quando as cariocas saem na noite ou ainda para me perguntar como ser digna na academia: sally@desfavor.com


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