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Garfando.

Garfando.

| Desfavor | | 30 comentários em Garfando.

Seja pela praticidade ou pelo programa, é muito comum comer fora. Sally e Somir discutem qual o fator que gera a melhor experiência nesse momento, e os impopulares servem suas opiniões.

Tema de hoje: você prefere um ambiente bom com comida ruim ou um ambiente ruim com comida boa?

SOMIR

Sim, todos preferimos ambiente bom e comida boa, mas essa não é a pergunta da vez. Tendo que escolher entre uma coisa e outra, necessariamente, e eu voto no ambiente ruim com comida boa. Por definição, a comida deveria ser o elemento central do programa. Um restaurante bom tem comida boa sem necessariamente ter um ambiente no mesmo nível, mas um restaurante com comida ruim é sempre um restaurante ruim.

O peso de cada elemento analisado aqui na nota final é muito diferente. Ambiente só deveria contar para alguma coisa depois de analisada a comida. Conseguiu entregar um cardápio bom E ter um ambiente bacana? Parabéns. Conseguiu só ter um cardápio bom? Bom, pelo menos cumpriu o mínimo esperado. Sem comida boa um restaurante é um programa inútil, afinal, se fosse pra ficar olhando para as paredes, um museu não seria mais interessante?

Então, não entra na minha cabeça como um restaurante com comida ruim seja aceitável em qualquer formato ou configuração. Você só tinha um trabalho, restaurante! E só para deixar claro, não estamos misturando gosto aqui: pode ser um lugar que só sirva uva passa, desde que saiba preparar decentemente para aqueles que gostam. Estamos falando de um restaurante com comida objetivamente ruim: mal feita, mal temperada, ingredientes congelados, no ponto errado… aquelas coisas que você começa a comer e sente a preguiça ou mesmo a inépcia dos cozinheiros.

É nesse momento que você se sente um otário e não tem ambiente bonitinho que compense: os donos do lugar te acham tão merda que nem o mínimo necessário estão te entregando. Como se você fosse esquecer essa falha estrutural por causa de um objeto brilhante balançando na sua frente. Não sou índio para ser tapeado com espelhinhos. Restaurante que te serve comida ruim é que nem uma oficina mecânica que quebra mais ainda o seu carro. Prioridades invertidas.

Porque se tem dinheiro e trabalho para ter um ambiente bacana, como não tem o mesmo para produzir a comida? Isso é uma escolha dos donos do lugar, contanto que muita gente vai entrar numa “síndrome de Estocolmo” e tentar ver positivos naquela situação fundamentalmente cagada. Pensem bem: para gerar um ambiente bom, precisa gastar e se esforçar uma vez, e depois só fazer uma manutenção básica. Para servir comida de qualidade sempre, precisa investir tempo e dinheiro em excelência constante, tem que treinar e reter funcionários bons, tem que ter excelentes fornecedores… não dá para se acomodar se seu negócio é baseado em qualidade da comida, mas dá pra lucrar legal com quem troca o básico pelos penduricalhos. Brasileiro está tão acostumado com tudo tão mal feito que só de não ter uma barata no prato, já está aceitável.

E hoje eu não vou largar desse ponto: restaurante serve comida. Qualquer falha na parte da comida te invalida como restaurante. Comer é uma das grandes atividades sociais do ser humano, desde… desde que somos humanos. Evoluímos com um paladar complexo, desenvolvemos a duras penas resistências a milhões de alimentos diferentes, tomamos gosto por coisas que outros animais nem sonham em consumir… um bom prato ou lanche melhora até a qualidade de vida de uma pessoa. Nem estou falando de saúde física, mas da mental mesmo. Comer bem em companhia de pessoas que você gosta é uma atividade recompensadora, uma das preferidas pela humanidade não à toa.

Restaurante com ambiente ruim estraga um pouco da graça? Talvez. Se você está bem acompanhado vai prestar menos atenção ao seu redor, e se você tiver um prato saboroso para comer, nem precisa tanto assim de alento para os olhos, tem um bom ponto focal à sua frente. O que é mais comum você ouvir por aí, que uma pessoa vai num lugar ruim para comer algo muito bom ou o contrário? A prioridade que deveria estar no restaurante também está em nós. É muito mais provável você passar por algum incômodo para ir buscar algo que goste de comer.

O restaurante com comida boa e ambiente ruim tem muito mais potencial de ter os dois elementos bem realizados do que o inverso: custa muito mais caro fazer o ambiente bom, então o lugar tinha sim capacidade de entregar algo melhor. O lugar da comida boa pode ser mais tosco, mas com o tempo vai vender mais e poder melhorar o entorno dos seus pratos. Nem sempre isso acontece, mas via de regra é melhor se manter próximo de um restaurante que pode melhorar do que de um que já parece ter nascido com preguiça e aversão à excelência. Mais fácil dar um banho em quem já nasceu bonito do que fazer plástica na baranga…

Só lembrando também que dificilmente uma comida boa pode estar estragada ou suja, o paladar reconhece essas coisas e te avisa na hora. O restaurante com ambiente ruim pode até parecer meio desleixado, mas se serve comida boa, alguma coisa deve fazer direito dentro da cozinha. E no sentido oposto, quem serve comida ruim num ambiente bacana provavelmente o faz por relaxo na hora de comprar ingredientes, armazená-los e prepará-los. Confie mais no seu paladar, comida ruim mesmo com você gostando dos ingredientes costuma ter algo errado. E outra: quem vende comida boa está sempre ficando sem estoque e tendo que renovar tudo. Quem vende comida ruim vive com estoques lotados… onde está o perigo maior?

Quando você dá dinheiro pra quem te entrega alimentos ruins, só reforça o comportamento de que o básico pode ser negligenciado. Não pode. Se não vai caprichar no seu elemento principal, muda de ramo!

Para dizer que isso é papo de gordo, para dizer que só se importa com a foto no seu Instagram, ou mesmo para dizer que ainda se impressiona como discutimos qualquer assunto: somir@desfavor.com

SALLY

O que você prefere: comer bem em um ambiente ruim ou comer mal em um ambiente agradável?

Hoje não trabalhamos com um tema “certo ou errado” e sim com uma questão de gosto pessoal. Eu acredito que gera mais benefícios, sendo o caso de ter que escolher, comer mal em um ambiente maravilhoso.

Quem já passou dos trinta anos de idade nasceu em uma época de culto a bens materiais: “ter” era status. O carro do ano, o eletrodoméstico mais moderno, o eletrônico da moda. Ter, por muito tempo foi aspiração e sonho de consumo: desde a raça de cachorro que estava na moda, até a roupa com a etiqueta da grife do momento.

Porém o tempo passou, o crescimento exponencial deu as caras e a humanidade muda cada vez mais em uma velocidade surpreendente. Ainda não fizemos a transição completa, sobretudo no Brasil, porém eu consigo perceber uma tendência cada vez maior em valorizar experiência em detrimento a bens materiais. Muitas vezes, quando você vai comprar algo em uma loja, você não procura necessariamente pelo produto, e sim pela experiência de adquirir aquele produto, pelo tratamento que recebe, pelos ganhos secundários que aquela marca gera.

Experiência é maior que o bem em si. Vale muito mais um presente que proporcione uma experiência inesquecível do que um puta bem material cobiçado quando o alvo é uma pessoa querida. Experiências nos proporcionam inputs, nos aprimoram, abrem horizontes. E é justamente nessa linha de raciocínio que eu me baseio ao preferir fazer uma refeição de qualidade inferior, mas em um ambiente maravilhoso.

Uma refeição maravilhosa em um ambiente cagado não me satisfaz. Muito pelo contrário. Pode ser o melhor dos pratos, mas, se estiver servido em um ambiente ruim, não vou consegui apreciar, a menos que você seja um hippie que não liga para o entorno.

O melhor sabor do mundo é estragado em um ambiente quente (só quem almoçou aos 50° do Rio de Janeiro em restaurante sem ar condicionado vai me entender), sujo, com baratas, com barulho altíssimo, com crianças gritando e chorando, com cadeira e mesas desconfortáveis, com grupo de pagode tocando alto ao lado, ou com qualquer outro inferno no entorno que vocês possam imaginar.

É como uma Pirâmide de Maslow pessoal: a ambiência é a base para mim. Um ambiente cagado arruína tudo de bom que nele possa ser inserido, desde uma comida excelente a uma declaração de amor, tudo fica contaminado pelo calor, fumaça, pagodinho ou qualquer outro incômodo que apareça. Deve ser a idade. Quando era mais jovem tinha mais tolerância a incômodos sensoriais, que sempre foram meu calcanhar de Aquiles. Hoje eu quero conforto, dignidade e de preferência, beleza e silêncio.

Quem aqui acha o café da Starbucks o melhor café? Provavelmente ninguém. Para conseguir tomar aquilo eu tenho que pedir que coloquem aromatizante de algum sabor (baunilha, caramelo, amêndoas, coco…), pois aquela água suja me faz gorfar. Adivinha qual é o café que eu mais frequento nesta vida? Starbucks. Pela ambiência nota 1000. Ar condicionado polar, atendentes sorridentes e educados, poltronas muito confortáveis, wi-fi maravilhoso, lugar estético, copinho com meu nome e coração desenhado, ambiente arrumado e bonito.

Sou mais feliz tomando a água suja de lá do que tomando um café Kopi Luwak em uma mesa de metal na beira da rua, batendo um sol de 50°, com carro buzinando, gente feia e suada à minha volta, pagode alto, fumaça de cigarro na cara e mendigo me pedindo dinheiro. Sim, ao menos no Rio, existem excelentes restaurantes que servem comida cara em ambientes de merda.

Uma comida maravilhosa tem seu valor, mas ela afaga um sentido seu: o paladar. Talvez algo no olfato, mas provavelmente vai perder para os cheiros ruins do ambiente (banheiro fedido que alastra o cheiro por todo o lugar, gente com cecê, fumaça, etc). Um ambiente maravilhoso acalenta diversos sentidos: visão, tato, audição e olfato. Então, óbvio que o ideal é conjugar comida maravilhosa com ambiente maravilhoso (o difícil é que o preço seja maravilhoso também…) mas, tendo que escolhe entre um dos dois, prefiro 4 sentidos felizes e um nem tanto do que o inverso.

Sair para comer não é apenas sobre a comida. Se você sai com a cabeça fechada, destinado a uma missão, bem, acho que você poderia se permitir absorver mais de cada experiência. Quando me perguntam como consigo pensar em pauta para nove anos de postagens diárias eu sempre respondo que eu olho para o mundo como uma constante oportunidade/curiosidade, onde tudo pode virar um tema, um questionamento ou uma discussão. Então, quando eu saio para comer (ou fazer qualquer outra coisa), não se trata apenas de satisfazer minha fome, se trata de tirar tudo de bom que essa experiência pode me proporcionar.

Sair para matar sua fome pode ser uma oportunidade para conhecer uma pessoa bem legal. Ou para observar a decoração do lugar e guardar boas sugestões que podem ser colocadas em prática na sua casa ou trabalho. Ou para observar e aprender mais sobre um atendimento de qualidade. Ou para ver pessoas bonitas, o que elas estão vestindo, como estas estão arrumadas e tirar ideias para você. As possibilidades do que você pode absorver de um ambiente maravilhoso são infinitas. Uma vez eu tive uma ideia importantíssima para meu trabalho que veio depois de observar a fonte usada na letra do menu de um restaurante.

Então, quando se vive com esse mindset, constantemente curioso, um olhar constantemente voltado para aprender, conhecer e absorver coisas novas, mesmo que nos pequenos atos do dia a dia, o ambiente é fundamental. É através do ambiente (lugar, pessoas, entorno, decoração, etc) que você recebe mais inputs, que você tem mais material para internalizar novidades. Uma comida gostosa é ótimo mas… é só uma comida gostosa.

Eu sou uma caçadora de experiências, prefiro mais estímulos, prefiro uma experiência mais completa, que estimule mais sentidos e que me traga mais inputs.

Para dizer que eu tenho muita sorte por conseguir fazer uma refeição com toda essa calma e erudição, para dizer que você come no lugar mais barato mesmo ou ainda para dizer que a refeição que você mais aprecia é uma pizza em casa longe do resto do mundo: sally@desfavor.com


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