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De que lado você está?

De que lado você está?

| Sally | | 20 comentários em De que lado você está?

Faltam dois meses para 2018, ano de eleições presidenciais. Antes que comece o frenesi eleitoral, queria falar sobre o assunto de uma forma um pouco mais ampla, com um exercício muito simples. Leia o texto até o final e entenda minha intenção.

O exercício é muito simples: liste três coisas típicas da direita com as quais você concorda, justificando seus motivos. Depois, liste três coisas típicas da esquerda com as quais você concorda, justificando seus motivos. Se você não consegue fazer esta pequena lista. Se puder fazer isso nos comentários, agradeço. Agora, explico a intenção do texto, espero ser bem interpretada.

A polarização ideológica no Brasil não é novidade, vem crescendo por mais de uma década, porém o desdobramento desse crescimento talvez ainda não seja ampla e claramente discutido como merece. Uma das consequências é esse “contrato de adesão” ideológico, onde devemos nos posicionar do lado da esquerda ou do lado da direita, pois quem não adere a lados é um frouxo, isentão, indeciso ou medroso. Convencionou-se que algumas posições sobre assuntos polêmicos são de esquerda e que outras são de direita e você deve aderir ao pacote fechado.

Um exemplo: ser a favor do aborto é coisa de esquerda. Logo, se você se diz a favor do aborto, você é de esquerda e, para ser coerente, você deve também ser contra permissão de porte de armas pela população, a favor da legalização das drogas e contra tortura e violação de direitos humanos em presídios. Porém, se você for contra o aborto, você é, supostamente, de direita, o que implica também em ser a favor do armamento da população, contra legalização das drogas e não se importar com direitos humanos para bandidos. Não há a opção de pensar, refletir sobre cada questão e, com base nos seus valores, na sua ética, na sua experiência de vida, decidir o que você acha sobre aquilo de forma autônoma. Tem que aderir a um dos “lados”.

Esta polarização só pegou com força no Brasil por encontrar um terreno propício: um povo carente, complexado e com síndrome de vira-lata que tem uma necessidade quase que patológica de sentir algum tipo de pertencimento. Por este mesmo motivo outras excrescências como religião se consolidam no país. Seja time de futebol, seja igreja, seja posição política, todo mundo gosta e se sente confortável em ter seu grupinho, sua panelinha, de pertencer (ou seja, ser aceito e acolhido) a/por um grupo de pessoas.

E se você não é carente nem vira-lata e não tem essa necessidade, bem, lamento informar, mas você vai levar pedrada. Quem desafia o status quo é visto como perigoso, e há uma explicação evolutiva perfeitamente razoável para isso: de todos fossem ousados, a raça humana não teria sobrevivido. É necessária uma sociedade com alto percentual de indivíduos conformados e cautelosos para que não nos coloquemos em um grande risco como espécie. O pequeno percentual que sai do mainstream apanha, como forma de contenção social: “olha lá o que a gente faz com quem aparece com essas novidades, pensem bem, vocês serão trucidados se tentarem”. Assim, se consegue manter uma maioria sob controle, na base do medo e receio, fazendo aquilo que a sociedade espera deles. Poucos pagam o preço de sair da caixinha, e são essas os que impulsionam os grandes progressos da humanidade.

No momento, o que a sociedade espera é que você feche um contrato de adesão com um dos lados: esquerda ou direita. Você vai fazer isso? Não, não vai, pois você faz parte daquele pequeno percentual que pensa fora da caixinha e não precisa de grupinho, aceitação social ou pertencimento. Você vai pensar cada questão individualmente, encontrando a resposta dentro de você, através de todos os inputs que você colocou para dentro sobre o assunto na sua vida. Mas você é um em um milhão.

A verdade é que o brasileiro nunca gostou ou conseguiu pensar. Uma série de fatores contribuem para isso, desde a falta de proteína na primeira infância, educação escolar pobre, pais que não estimulam seus filhos intelectualmente pois não tem tempo para passar o dia com eles educando-os, uma cultura do jeitinho e do menor esforço em decorrência de uma colonização escravista, a necessidade de pertencimento a grupos até a preguiça e desvalorização da atividade intelectual e reflexiva.

Para o brasileiro médio, é cômodo (e não ofensivo, como deveria ser) que alguém lhe diga o que pensar. Religião funciona dessa forma no Brasil. Dificilmente é busca pela espiritualidade, no geral é uma entidade que funciona como “papai e mamãe” de adulto traçando limites éticos, morais e comportamentais que esses animaizinhos não conseguem mensurar por conta própria. É cômodo que uma voz de cima te diga o que pode e o que não pode, do pastor ao Legislativo, o brasileiro adora um paternalismo. Se alguém te diz o que fazer, não é culpa sua, e sim desse alguém, se algo der errado. Aparentemente é mania nacional não se responsabilizar por seus erros.

Neste misto de acomodação medíocre com falta de subsídios para formar sua opinião, o brasileiro adere a pacotes de ideias prontas levadas por outras pessoas que querem convencê-lo a pensar desta forma. Bem, parece que compensa, pois quando precisam discutir na mesa de bar ou na hora do cafezinho no trabalho sempre tem o que dizer. Sim, o brasileiro sempre tem uma opinião sobre o assunto, mesmo que nunca tenha estudado sobre isso. Ele tem uma opinião e ela tem que ser dita, afinal, ele é muito interessante e o mundo tem que saber o que ele pensa. *bocejo

Então, se você quer sempre tirar uma ondinha, opinar e se mostrar sabichão, mas não tem subsídios para opinar e também não tem intelecto, garra e capacidade de estudar (sobretudo na velocidade da informação atualmente), pacotes de ideias prontas são uma solução ideal. Os direitistas e esquerdistas tem uma cartilha do que devem ser a favor ou contra com os respectivos motivos, que repetem como papagaios muitas vezes sem refletir sobre o que estão dizendo. Tem o escudo do “Sou de direita/esqueda, respeite minha ideologia” para escorar qualquer absurdo que digam, combinado com agressões a quem discorda (reacionário/comunista) de modo a desmerecer eventuais críticas. O outro é sempre burro, inocente ou idiota, por não perceber a “verdade verdadeira” que só seu lado consegue ver. *bocejo

Isso gera uma das nações mais hipócritas do mundo. Quando você adere a opiniões pré-prontas sem questionar, refletir ou até entender o que caralhos está falando, há grandes chances de que seus atos contradigam muitos dos seus discursos. Mais: há grandes chances de que a pessoa nunca perceba que está se contradizendo nos atos, pois seu discurso é proferido pelo simples motivo dela gostar de ostentar que é de esquerda/direita, não por acreditar verdadeiramente no que está pregando. Não é sobre defender ideias, é sobre defender um time, um grupo, um status.

Então, é basicamente um papel patético aderir cegamente a qualquer doutrina. Pessoas inteligentes são capazes de encontrar falhas, de questionar e de discordar com propriedade. Se você aderiu cegamente a qualquer coisa, pare, reflita e exercite seu senso crítico. Nada é perfeito. Encontrar defeitos naquilo que antipatizamos é fácil, difícil é apontar qualidades no que antipatizamos e defeitos no que simpatizamos. E é justamente esta a proposta do texto. Se me permitem um conselho, façam isso não apenas com política, mas com tudo na vida, pois é uma forma de abrir sua mente: busquem qualidades no que antipatizam e defeitos no que simpatizam.

Voltando ao exercício, dou o exemplo e o coloco em prática aqui e agora. Meu critério para ser a favor ou contra algo é o bem estar social, ou seja, o que eu acho que seja melhor para a sociedade/maioria (que nem sempre é o melhor para mim), por acreditar que não adianta que eu esteja bem, se a sociedade está mal, em algum momento isso me afeta, nem que seja na forma de uma bala perdida. Então, entendo que pensar na coletividade primeiro é uma forma mais sutil e inteligente de pensar no meu bem estar. Dito isso, seguem as minhas respostas.

Três coisas de esquerda com as quais eu concordo: 1) legalização do aborto; 2) direitos humanos para presos ; 3) casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Meus motivos: 1) colocar um filho no mundo sem condições de educa-lo e cria-lo com dignidade é nocivo para a mãe, para a criança e para a sociedade, além de achar que enquanto não há sistema nervoso central e batimentos cardíacos não há ser humano. Se a lei permite que se desliguem os aparelhos que mantém viva uma pessoa com morte encefálica, não vejo por qual motivo proibir que se interfira onde nem cérebro existe. 2) Em um sistema prisional como o brasileiro, que em tese (só em tese mesmo) se propõe a ressocializar, o preso será devolvido às ruas rapidamente, por isso, se for barbarizado no presídio, sai pior do que entrou e nós vamos cruzar com essa pessoa nas ruas. Ou se declara um sistema prisional meramente punitivo e se mantém o caboclo preso por um longo tempo, ou realmente se tenta ressocializar o desgraçado para que não sobre para a sociedade quando o puto for solto. 3) Orientação sexual não tem que ser restritivo para nada em matéria de direitos e deveres pois não torna as pessoas mais ou menos capazes.

Três coisas da direita com as quais eu concordo: proibição de drogas, menor intervenção estatal na esfera privada do cidadão e capitalismo.

Meus motivos: 1) Brasileiro não tem maturidade nem infraestrutura para lidar com liberação de drogas, além disso, o tráfico continuaria, pois o preço sem imposto nas mãos do traficante seria muito mais atraente, seria apenas mais um produto pirata. 2) Gastar tempo e dinheiro do Judiciário por causa de ofendidos é algo que o país não pode, na atual situação, se dar ao luxo de fazer e é ridículo. Piada, briga de vizinho, gente ofendida… são pessoas adultas, resolvam entre si, tem gente morrendo por demora na decisão de obrigação de dar remédios ou leito de hospital. 3) Capitalismo não é o ideal, mas é o melhor que temos até agora, só nele uma pessoa pode emergir da classe mais baixa para a classe mais alta por seu mérito, ainda que isso seja muito difícil. O ser humano é corrupto em qualquer forma de governo e eu acredito que é no capitalismo onde existem os melhores mecanismos de controle.

O problema de não aderir a um lado ou ao outro é que na hora de se posicionar e até de votar, é preciso fazer um extenso exercício mental de análise sobre os prós e os contras de cada candidato. Além de dar trabalho, não estou certa de que todos consigam fazê-lo, pelo grau de complexidade de raciocínio que isso demanda. Pra que, né? Se com esse tempo você pode tomar um chopinho no bar, ir para a balada ou postar fotinho em rede social? Adere a um pronto! Pensar é para os fracos, os fortes postam foto ostentando corpo/comida/bens/relacionamento em rede social. Parabéns, Brasil.

Não importa o assunto, pena de morte, economia, cor da parede da sua sala. Pense na sua lista e verifique se todas as opiniões são coerentes entre si. Se possível, escreva sua lista nos comentários deste texto, pois vai ser muito interessante discutir sobre isso. Pense também em quais critérios você usou para esta decisão (o meu é aquilo que julgo ser melhor para a coletividade) e, se não conseguir entender seus próprios critérios, bem, talvez você só esteja aderindo à decisão dos outros.

Para dizer que percebe-se claramente que eu sou de esquerda comunista filha da puta, para dizer que percebe-se claramente que eu sou de direita burguesa filha da puta ou ainda para deixar sua lista nos comentários assim podemos discutir o assunto em profundidade: sally@desfavor.com


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